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sexta-feira, 28 de março de 2014

A Esperança III


 
Serra da Estrela - Guarda                                  Portugal

Poderá haver amor maior do que aquele que se esquece de si em favor e merecimento do outro, para além de todas as coisas e até da sua própria vida? Saberei valorizar esse gesto altruísta e incomensurável de despojo e, elevação, que Siul me consignou ficando comigo e com o seu filho, prejudicando a sua carreira e mesmo qualquer alternativa de ascender a cargos superiores, limitando-se a seguir-me e...a amar-me?

O Início
Chegou a Primavera. Sim...ainda existem estações do ano que se fazem sentir na atmosfera terrestre, por muito que esta tenha sofrido e sido esventrada como algozes em casa sua. Há esperança no ar. Sinto-o e, desejo-o desesperadamente tais como as flores campestres e selvagens que eclodem nos campos agrestes da serra. Beneficiei de um projecto ecológico e de novo ecossistema geográfico, localizado nesta serra em reflorestação, replantação e proliferação numa nova etapa e nova era de ressurgimento vegetal para que o planeta Terra possa ter - e de novo - uma segunda (ou terceira...) oportunidade de vida!
Sinto-me a Eva bíblica e ele, Siul, o meu Adão do Alfa do Centauro em escala quase permanente, terrestre! Foi sujeito a um interrogatório ímpio de dissecação mental pela escolha que fizera de se ter unido a uma primitiva terrestre, como se algo de doentio ou patológico em vírus desconhecido e neste revelado se tivesse insurgido em si, só pelo facto desta estranha união, afiançaram-lhe. E ele, impenetrável. E dócil e suave comigo ao confidenciar-me todas estas agruras em quase condenação sua em tribunal judicial galáctico. Não recuou, não vacilou. Foi justo à minha figura de mulher-fêmea, terrena ou simples terráquea como por vezes alguns deles - na imensa Confederação Galáctica nos reconhecem, aos que restam de nós, terrestres comuns.

A Devoção
Levaria milhares de anos-luz para que conseguisse reiterar de igual forma este imenso amor que Siul me devotou, deixando para sempre as suas estrelas em berço, laços e vida originária que o reconhecem como tão diferente de mim como o Sol da Lua. Ele, Siul, é o meu Sol! E eu...a sua Lua, disse-mo um dia. Talvez pelos meus anilados cabelos pretos que caem em cascata sobre a minha cintura e, os meus olhos cor de avelã do que recordo destas dos livros que me deram a ler em criança. A minha pele parece neve e o meu corpo de gazela assustada (igualmente como nos livros infantis) o seu cais de brigo, revelou-me ele, pelo que conhecera um dia na minha terra em solo e planeta dos cais em que barcos extraviados se aportavam.
E ele, Siul, tão majestático, tão portentoso em porte e inteligência de olhos imensos cor de água, de cabelos cor de trigo amarelo e solto como milho-rei do meu solo terrestre mas sem as espigas daninhas, pois que ele não possui defeitos a não ser, quando tem de me deixar em obrigação de Estado Federal até Alpha Centauro (Alfa do Centauro A, B ou a Próxima do Centauro) e me deixa louca de saudades e louca de ciúmes pelas suas iguais de altiva presença e semelhança que ele me diz nem observar de longe. E eu acredito. Ele é meu, só meu!

A Vivência
Por vezes dá-me raiva e dá-me ganas de o seguir, de me esconder na sua nave e fazer-lhe a pior das surpresas, suspeitando ele de que lhe não sou aquela mulher segura e firme que ele sente em mim. Mas seria idiota e mesmo inútil, pois morreria assim que pusesse os meus pés em solo seu de sistema triplo de estrelas. Ainda que pudesse navegar na nave - pelo sistema de refrigeração e oxigenação existentes para a minha locomoção na aeronave de Siul - nunca esta poderia deixar devido à atmosfera nociva de Alpha Centauro, fazendo bloquear a minha respiração, sufocando de imediato. Siul teve de adaptar-se à Terra mas para ele foi bem mais fácil, pelas subsequentes experiências de que foi alvo na receptividade pulmonar e fisiológica, em geral das quais se cingiu na perfeição. Se eu fosse uma sereia, penso que ele teria querido ganhar guelras e membranas nos membros superiores e inferiores, só para me alcançar. Mas tal não foi necessário, felizmente! Sobrevivi a dilúvios, sobreviverei a estes espaços de tempo em que Siul me deixa interiorizada nos meus temores de o perder. Nas suas estrelas, nos seus planetas, Siul viveria aproximadamente trezentos anos de vida...aqui, na Terra, não chegará aos cento e cinquenta se ficar após a minha morte física que chegará no máximo até aos cento e vinte anos de ingerência terrestre. Por enquanto, esta nossa magnífica Serra da Estrela que já foi território de Portugal e da Europa ( e hoje é pertença da União Federal das Galáxias na Terra) é a nossa «Tilmun» (Paraíso dos Sumérios), a nossa terra limpa, pura e clara onde o «leão não mata e o lobo não rouba a ovelha» - como afirmaram os meus antepassados em registo nas placas Assírias, mas aqui, pelas circunstâncias havidas da não-existência animal, isso nem se coloca. A não ser pelos simples pássaros e poucas aves que vão ainda assim nidificando por entre os arbustos recentes de plantio. Pudesse eu voar...e rumaria à ergosfera ainda que nesta me perdesse só para o poder ver mais uma vez...ao meu belo e insinuante Siul de olhos verdes!

A Família
Siul não tinha o conceito de família terrestre. Tive de lhe ensinar tudo, até os receios, as angústias e as alegrias deste novo elemento que se chama Anu e é o nosso primeiro filho após o dilúvio. Após tudo!
Não foi um processo simples ou fácil. Siul pouco ou nada entendia de todo este processo desde o início: da gestação ao nascimento. Para além das investidas interestelares que, de vez em vez me vinham pesquisando - as esferas externas à Terra em recomendação e vigília clínica - diziam-me. Mas era falso. Sabia de antemão o que tinham feito na Antiguidade e mesmo nos primórdios do tempo na Terra de dois infelizes seres chamados Adão e Eva (pelos humanos) e que mais não foram do que dois espécimes de experiências e manipulações genéticas dos senhores do Espaço. Eu não queria pertencer a esse grupo de quase malfeitores que, abnegados e voluntários da minha causa (asseveravam) e, com as melhores intenções, diziam ainda, quererem poder registar esta nova vida em miscegenação de duas espécies distintas: terrestre e de alfa centauro. Nada do que pudessem dizer eu aquiesceria de igual forma. Sentia que mo queriam tirar, a este meu filho. Não podia correr riscos, para além dos já existentes de uma consanguinidade até aqui desconhecida, mas esse era o único que eu incorreria de toda a minha fervorosa empatia e paixão por aquele ser tão distinto e tão diferente de mim que era e é, Siul. As suas mãos perfeitas, o seu beijo profundo como o oceano e...o seu amor por mim em comando, ordem e enlevo de ambos os nossos corpos unidos de quando fazemos amor. A parte sexual era divina. É divina! Eu já tivera uma ou outra experiência fugaz com um colega meu terrestre e que se revelou uma desgraça. Foi rápido, desinteressante e estranho. Não ficou em mim em recordação feliz nem sequer de memória leve. Foi decepcionante até! Era-nos dado liberdade sexual nas cidades capsulares mas com regras bem definidas de limites de natalidade e gravidezes pontuais e, extremamente vigiadas, pelo que se não queria ramificar levianamente como silvas no campo.
O meu ventre crescia. O medo também. Os senhores da Confederação Galáctica determinaram que seria correcto eu fazer em instalações próprias os exames e o parto. Eu neguei. O Siul ficou do meu lado. Queriam fazer análises (muitas) dos RFLP (Restriction fragment length polymorphism) - polimorfismo do comprimento dos fragmentos de restrição, à amniocentese (por via laser) e biopsias (múltiplas) das vilosidades coriónicas e cordocentese. Neguei todas! A engenharia genética é um bem adquirido desde o milénio anterior mas ali e agora - e para mim em particular - uma afronta terrível de suspeição e mesmo eliminação possível que estes me poderiam imputar e, incutir no meu corpo em maleita virulenta matando-me o filho. Não podia mesmo arriscar. E não o fiz. Tive o meu filho sozinha! Ainda mais só, do que uma certa Maria de Nazaré e de Jerusalém que nos livros pré-históricos a determinam mãe de um profeta na Terra. Eu estava como ela mas...talvez pior, pois nem Siul estava presente, tendo ido numa das suas muitas viagens interestelares, deixando-o eu ir apesar da sua insistência em permanecer comigo. Era algo importante que eu não queria assumir culpas e responsabilidades pelo tanto que Siul se já tinha imposto pessoalmente em anulação e sujeição a mim. Lamentei depois, ao ver-me gritar como leoa ferida, rasgando o cordão umbilical com os dentes sem utensílios esterilizados à mão que me valessem. Mas no fim, fiquei gloriosa, admirada e orgulhosa do meu mais belo feito que nascera como se estivesse na Idade da Pedra mas com a determinação férrea de fazer singrar este nosso maravilhoso filho. E assim foi. Siul voltou e ficou estático. Passaram segundos eternos em que não sabia se o segurar, se o beijar ou fugir de tamanha responsabilidade patriarcal no filho que eu dera à luz e ao mundo. Pegou em ambos com os seus fortes braços, hercúleos, ergueu-nos no ar em simbologia celestial sua e, tal como o fariam os Celtas na Terra um dia...apregoou umas quantas frases suas em espécie de dialecto seu e - sob um glorioso nascer do Sol - Siul verteu lágrimas de emoção, lágrimas de amor - orgulho também - e suspensão entre o seu mundo e o meu num só, naquele nosso já famoso filho, ser híbrido, mas tão perfeito como as múltiplas estrelas do Céu!
Somos uma família. Somos uma tríade intransponível e, inexequível, de maldade ou ociosidade. Trabalhamos em conjunto para ver o dia nascer e acabar da mesma forma: em completa submissão a este grande amor a três sob o olhar do satélite lunar e, dos raios solares que nos envolvem em caridosa vivência familiar. Somos tão felizes que até dói. Somos imortais no nosso belo amor nesta terra que nos acolhe e ampara.
Sei que estou longe ainda, da recompensa dos deuses estelares ou do meu Deus-Uno sobre uma imortalidade desejada mas, tentando redimir-me da afronta por mim cometida de os ter desafiado a todos eles, em acto impuro meu, poder um dia em remissiva via recobrar valores, estima e nenhuma suspeição futura sobre mim. Se Deus-Uno é uma realidade muito mais rica e poderosa, variada e inominável a nossos olhos, sendo igualmente e também a soma de todas as probabilidades, Ele me absolverá certamente, pela nova vida que lhe dei em respeito, mediação e oração permanentes! Com o Siul do meu lado. Eternamente!

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