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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Os Bem e Mal-Aventurados Fagos

 

(Ilustração de Bacteriófago ou Fago): os implacáveis agentes infecciosos das bactérias do nosso corpo; ou mais exactamente, o parasita intracelular sem metabolismo próprio - ser acelular pertencente ao grupo dos vírus - que infectam especificamente bactérias. 

                                                          Um «Ser» Hostil...?!   

Não são nada amistosos, os Bacteriófagos. Ou Fagos, como também são denominados. No entanto, não será precipitado e até contraproducente legitimar-se o bacteriófago à priori como um vulgar triturador de células e bactérias, ainda que saibamos que alguns sejam extremamente virulentos... ?! Pois bem, aqui fica o repto. Amistosos ou hostis, eis a questão.

Bem ou simultaneamente mal-aventurados, os fagos ou bacteriófagos têm sido ao longo destas últimas décadas algo incompreendidos. São uns invasores-natos que, sem escrúpulos alguns ou sequer pedir licença, tomam a célula como sua. Micro-organismos violadores que tudo usurpam e conquistam, desenvolvem e replicam sem nada lhes fazer frente. Mas, que outra face eles terão?...

Existe actualmente um acrescido interesse para tentar compreender este fenómeno biológico, algo que se tornou mais evidente a partir do início do século XX no ressurgimento a nível terapêutico destes agentes destruidores de bactérias.

Havendo também hoje um alargado consenso e, verossímil interesse global sobre a capacidade e mesmo potencialidade biotecnológicas destes bacteriófagos ou fagos (na eficaz alternativa aos antibióticos, sob a suma consciência que hoje todos temos do uso inadequado e indiscriminado que destes fazemos, sublevando-se depois o consequente desenvolvimento de resistência por parte das bactérias), que muitos cientistas procuram - através da Biotecnologia mas também da Engenharia Genética - dar realce e praticabilidade a estes seres que talvez de hostis nada tenham...

Numa mais adensada ou condensada explicação científica, os bacteriófagos (da mesma forma que os vírus que infectam eucariontes), consistem numa proteína exterior e no material genético - dupla hélice em 95% dos fagos conhecidos -  dentro da cápsula de 5-650Kbp (1 Kpb igual a 1000 pares de bases); na gíria, bacteriófagos são apenas vírus que «comem» bactérias e está tudo dito.

Os Bacteriófagos ou Fagos são de facto um seres muito especiais, sendo hoje definidos como micro-organismos com a capacidade de infectar bactérias sem piedade; seja no nosso corpo seja no meio-ambiente em que vivemos. Diabolizar tais seres minúsculos não será o melhor caminho acreditamos, pelo que covém estudá-los e tentar saber mais de si. 

Nesse processo de invasão e destruição em que os bacteriófagos são reis e senhores - uma vez intrusos na célula invadida - começam imediatamente a processar o engenho de reprodução e replicação (tal como supostos invasores alienígenas sobre outro planeta na usurpação de seus imensos e generosos recursos hídricos ou geológicos, instalando-se depois e reproduzindo-se). 

O que se sabe depois, é que em pouco tempo destroem a célula lançando novos fagos à semelhança de um qualquer conquistador sem dignidade ou, louvor, na tomada de posse hostil requisitada. 

Tal como há 500 e muitos anos certos navegantes Portugueses e Espanhóis por terras não-suas de índios e gente nativa de cor vermelha... ou, em futurismos de ficção científica, os viajantes do espaço intergaláctico que tudo tomam e devassam, replicando a sua espécie em detrimento da existente. Terrífico, não é?!... Mas estamos a falar de Biologia, não esqueçamos.

Há que dizer que, em termos microbiológicos, a comparação interestelar até pode ser abusiva; isto é, se não aludirmos ao que esse macrocosmos pode ou não influenciar e mesmo congeminar, sobre o nosso microcosmos humano, que hoje entendemos como fazendo parte de um todo em emaranhada composição biológica que nos compõe. 

No entanto, existirão sempre certos invasores que nos não serão de modo algum prazenteiros, seja em termos cósmicos seja em termos bacteriológicos. No fundo, talvez esteja tudo interligado e nós, humanos, ainda não tenhamos consciência disso mesmo...

Mas continuemos a falar destes vírus, destes estranhos mas mui curiosos seres que nos povoam as entranhas e tanto nos preocupam. Que novidades nos surgem agora para que novamente deles falemos?... Nada mais nem menos do que a espantosa descoberta propalada pelos nobres investigadores do Wellcome Trust Sanger Institute (Instituto Britânico de Pesquisa Genómica e Genética) - em Hinxton, Cambridgeshire, Reino Unido - que identificaram cerca de 140.000 espécies de vírus no Intestino Humano.

Segundo os investigadores deste estudo já publicado na revista Cell, em 2021, abrem-se assim novos caminhos de investigação para que, de futuro, se possa compreender melhor - ou se especifique em maior pormenor e rigor - de como os vírus se instalam, vivem e subsequentemente afectam a saúde humana num lastro nem sempre positivo e que, não raras vezes, deixam terríveis marcas para a vida toda. 

Estudá-los intensivamente é agora o objectivo concreto por parte da comunidade científica, pois, acredita-se, será sempre a melhor forma de melhor os entendermos, aos vírus que nos ensandecem o corpo e a alma, mesmo que tal leve ainda algum tempo a descodificar. Para já os resultados são animadores: futuros estudos-virome serão a promessa de novos conhecimentos!


(Imagem microscópica do bacteriófago/fago): a existência de um outro processo - Terapia Fágica - que leva os cientistas, alguns deles, a afirmar que nem sempre os fagos (phages) ou parasitas das bactérias são as criaturas maléficas que todos falam. Ou seja, em termos biológicos, uma vez identificada a bactéria por uma dada infecção, há que combatê-la de modo o mais natural possível, utilizando-se para isso o fago que lhe é específico.

A Contínua Investigação

De acordo com alguns cientistas, há cerca de três décadas que não se investiga e, descobre, uma nova classe de antibióticos; daí que seja suposto em realce de todos os avanços já realizados nas áreas da Biotecnologia e da Engenharia Genética, existir também uma nova forma de explorar novas frentes de ataque e, sequencialmente, novas maneiras de se combater as bactérias nocivas.

É aqui que surge então uma nova fonte de informação e possivelmente de muitas outras investigações sobre esta temática à volta dos Bacteriófagos - ou Fagos - que podem ser efectivamente úteis em vários domínios. São no geral específicos para determinada bactéria, o que significa que não prejudicam as bactérias benéficas que vivem no nosso organismo, tal como na flora intestinal, ao contrário dos antibióticos convencionais.

Muitos investigadores nesta área alegam de que, é muito mais difícil as bactérias desenvolverem resistência aos bacteriófagos, pois estes adaptam-se juntamente ou em associação com elas.

Teoricamente, os Fagos ou Bacteriófagos reproduzir-se-iam até destruirem todas as bactérias, pelo que também eles poderiam não sobreviver e subsequentemente seriam eliminados. 

Outro ponto relevante para uma possível nova abordagem seria, de acordo com os especialistas, a parte económica, pelo que a sua produção não é muito exigente no que se relaciona ao recurso a tecnologias muito avançadas, resultando daí um produto final mais acessível e abrangente em futuras terapêuticas.

Há que mencionar ainda de que, esta recente terapia, não se propõe a susbstituir na totalidade o uso de Antibióticos Químicos, mas sim a constituir uma forte e eficaz alternativa (nalguns casos) ao seu uso, e noutros, como preciosa ferramenta complementar. Assim sendo, a comunidade científica está atenta na contenda ou demanda biológica de se estudar mais sobre esta possível terapia em benefício de todos.

De facto, as entidades virológicas hoje em dia são das mais comentadas e nem sempre por boas razões ou não tivéssemos a má sorte de viver actualmente uma das Maiores Pandemias Globais que há memória - por COVID-19 - em sucessivas e prolongadas ondas que não deixam saudades.

No entanto, existem boas razões para se falar agora delas, dessas tão numerosas Entidades Biológicas que habitam no nosso corpo e no nosso planeta. 

Daí que investigadores do Instituto Wellcome Trust Sanger e do Instituto Europeu de Bio-Informática da EMBL (EMBL-EBI) se tenham proposto a identificar mais de 140.000 espécies virais que vivem no Intestino Humano - as quais, mais de metade nunca foram vistas ou observadas antes.

Um artigo publicado na revista Cell - em 18 de Fevereiro de 2021 - com o título «Expansão maciça da diversidade de Bacteriófagos do Intestino Humano» reporta com a máxima exactidão essa análise (realizada agora por estes já referidos investigadores do Reino Unido também em associação com os do Instituto Europeu EBI) que teve como objectivo a recolha de mais de 28.000 amostras do microbioma intestinal em diferentes partes do mundo.

O Número e a Diversidade dos Vírus encontrados por estes investigadores foram surpreendentemente altos e, os dados obtidos (segundo a óptica destes estudiosos), reveladores da feliz perspectiva de se poderem abrir assim novos caminhos para uma melhor compreensão de como os vírus que vivem e persistem no nosso intestino afectam de um modo geral a saúde do ser humano.

Sabe-se desde já que, o Intestino Humano,  é um ambiente com uma biodiversidade incrível. Mesmo! Além das bactérias, existem centenas de milhares de vírus chamados Bacteriófagos, que podem infectar células como já se disse, e que também habitam por ali.

Também é do conhecimento geral de que, Desequilíbrios no Microbioma Intestinal, podem massivamente contribuir para doenças e condições complexas, tais como a Doença Inflamatória Intestinal, a Obesidade ou mesmo Alergias.

Contudo, pouco se sabe sobre o verdadeiro papel que as nossas Bactérias Intestinais - e mesmo os Bacteriófagos que as infectam - exercem ou desempenham na saúde e nas doenças humanas. Tudo parece ainda relativamente pouco para se ter a percepção exacta deste dinamismo. 

Daí que estes inefáveis investigadores do EMBL-EBI se tenham empenhado na direcção de se dar mais um passo à frente nesse longo caminho.

Usando um Método de Sequenciação ou Sequenciamento de ADN/DNA chamado de «Metagenómica» (o estudo de metagenomas, ou mais exactamente o material genético recuperado directamente a partir de amostras ambientais, segundo a definição lata do termo em que os objectivos dos projectos Metagenoma se colocam como o «genoma colectivo de microbiota total» encontrado num determinado habitat), os investigadores do EMBL-EBI exploraram e, catalogaram assim, a biodiversidade das espécies virais. 

Exploração e Catalogação estas (na tal biodiversidade das espécies virais) encontradas em 28.060 metagenomas intestinais humanos públicos e 2.898 genomas isolados de bactérias cultivadas no intestino humano. A análise sequencial identificou então mais de 140.000 espécies virais que vivem no Intestino Humano, das quais, mais de metade, eram praticamente desconhecidas pela comunidade científica; ou seja, nunca anteriormente tinham sido detectadas ou visualizadas.

O Dr. Alexandre Almeida - pós-doutorado do EMBL-EBI e do Instituto Wellcome Trust Sanger Institute - afirmou: "É importante lembrar que nem todos os vírus são prejudiciais, mas representam um componente integrante do ecossistema intestinal. Por um lado (ou em primeiro), a maioria dos vírus que encontramos têm como material genético o DNA, que é diferente dos patógenos que a maioria das pessoas conhece - como o SARS-CoV-2 ou o Zika -  que são vírus de RNA (ARN)." E acrescentou ainda:

"Em segundo lugar, essas amostras vieram principalmente de indivíduos saudáveis que não compartilhavam nenhuma doença específica. É fascinante ver quantas espécies desconhecidas vivem no nosso intestino e, tentar desvendar assim, a ligação existente entre elas e a saúde humana."

Entre as dezenas de milhares de vírus descobertos, um novo clado (cada um dos ramos da árvore filogenética) altamente prevalente - um grupo de vírus que se acredita ter um ancestral comum - foi identificado, e ao qual os autores do estudo se referem como «Gubaphage».

O Dr. Luís F. Camarillo-Guerrero, primeiro autor ou máximo responsável do estudo do Instituto Wellcome Trust Sanger, aferiu:

"Um aspecto muito importante do nosso trabalho foi garantir que os genomas virais reconstruídos fossem da mais alta qualidade. Um pipeline de controle de qualidade rigoroso junto com uma abordagem de aprendizado (ou aprendizagem) de máquina, permitiu-nos mitigar a contaminação e assim obter genomas virais altamente completos." E acentuou:

"Genomas Virais de Alta Qualidade abrem caminho para se entender melhor o papel que os vírus desempenham no nosso microbioma intestinal, incluíndo a descoberta de Novos Tratamentos - como Antimicrobianos de origem bacteriófago."

(De referir: os agentes antimicrobianos ou anti-microbianos são substâncias activas de origem sintética ou natural que destroem ou inibem o crescimento dos microrganismos ou micro-organismos; normalmente traduz-se por ser uma substância que mata (microbicida) ou inibe o desenvolvimento (microbiostáticos) de micro-organismos, tais como bactérias, fungos, vírus ou protozoários.)

Os Resultados do Estudo formam desta forma a base complementar do «Gut Phage Database» (GPD) - um banco de dados altamente qualificado - contendo 142.809 Genomas de Fago não redundantes que serão, eventualmente, um inestimável recurso para todos aqueles que de futuro necessitem de estudar os Bacteriófagos, assim como o papel que estes desempenham na regulação na saúde de ambos os desígnios: tanto os das nossas bactérias intestinais assim como os de nós mesmos! - Argumentam os investigadores.

O Dr. Trevor Lawley - autor-sénior do Instituto Wellcome Trust Sanger - concluiu por fim: "A pesquisa de bacteriófagos está actualmente a passar por um certo renascimento. Este catálogo de alta qualidade e grande escala de vírus intestinais humanos chega na hora certa (ou exacta), para assim servir como um modelo para guiar a análise ecológica e evolutiva em futuros estudos-virome."

Em registo: Virome, ou em português Viroma: refere-se ao conjunto de vírus que é frequentemente investigado e descrito por sequenciação metagenómica de ácidos nucleicos virais que são encontrados em associação (ou associados) a um determinado ecossistema, organismo ou holobionte (agrupamento de um hospedeiro e de muitas outras espécies que vivem nele ou, em torno dele, e que juntos formam uma unidade ecológica distinta). 

Há ainda a acrescentar que, o Viroma Humano, é no fundo a colecção ou total conjunto de todos os vírus no corpo humano.

Cell (18 de Fevereiro de 2021): «Expansão maciça da diversidade de bacteriófagos do intestino humano». Os digníssimos autores do artigo são: Luís F. Camarillo-Guerrero; Alexandre Almeida; Guillermo Rangel-Pineros; Robert D. Finn e Trevor D. Lawley.

Hajam bem ou mal-aventurados Fagos, haverá sempre a pertinência e, alguma condescendência, de os estudarmos mais em rigor; mais em consonância com o que somos em orgânica lealdade de os não julgarmos pelos processos que biologicamente revestem e sobre nós aplicam nos factores bacteriológicos. 

Amistosos ou hostis, caber-nos-à a nós, humanos, senti-los como parte de nós. Afinal, seremos nós na nossa mais pura ou cruel essência tão diferentes dos bacteriófagos...?! Talvez esta seja uma pergunta sem resposta.

Nada mais se poderá ajuizar para finalizar este texto que não seja - Um Enorme Agradecimento! - a estes e outros mui exemplares investigadores e demais cientistas que jamais esquecem que, antes mesmo de ser um dever, é um extraordinário direito que nos assiste a todos nós como Humanidade que somos, em saber e querer conhecer mais em profundidade todos os segredos da nossa tão maravilhosa máquina biológica.

A todos eles, Um Bem-Haja, pelo esforço dispendido e o conhecimento havido que deles para nós, todos os dias, e noites quiçá, nos presenteiam em caminho aberto para o tangível e compreensível do que nos faz ser humanos. Em corpo e espírito; alegria e primazia de nos conhecermos também melhor; por dentro e por fora; aquém ou além todas as coisas.


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