"Raios me abracem, se «aquilo» não era mesmo uma ostra gigante! E das grandes!!!"
Ilha do Baleal - Peniche - Portugal
Verão de 1968
Esta ilha é poderosa. Longe vão os tempos em que de extenso areal imberbe e virgem, os jumentos - vulgo, burros de carga e companhia das gentes campesinas - por ali se agrupavam, enterrando os cascos na areia, tombando a carga pesada e levando no cachaço com a vergasta do Silvestre. Homem rude e de poucas falas - pois poucos o entendiam pelo linguajar indecifrável numa boca desdentada e muito cariada - sendo o dono único (ou dos poucos que restaram) daquela frota animal cansada e, por demais martirizada, pelas muitas montas de cá para lá e de lá para cá nas investidas pela ilha fora.
Os senhores proprietários das casas na ilha não raras vezes se faziam impor nos muitos pedidos quotidianos tanto de mercearias como de utensílios, chegando a remeter nos pobres bichos a excentricidade de peso e carrego excessivos em fogões, frigoríficos e outros electrodomésticos numa demanda invulgar de transpor as casas da cidade para as da ilha. Mas havia a separação destes: os que eram de facto proprietários e os outros que, em época estival de um, dois ou mesmo três meses inteiros de Verão - nas chamadas férias grandes da pequenada - ali se compunham de igual forma mas de usos e abusos completamente díspares.
A minha família pertencia ao segundo naipe. Éramos os chamados «remediados» em escala social de uma classe média vigente que se fazia sentir. Éramos barulhentos, refilões e comíamos de boca aberta como os indigentes. Mas tínhamos princípios. Ainda que muitas vezes essa dita harmonia fosse imposta não sem alguma gritaria. É certo que posso estar a extravasar um pouco a exactidão da minha essência familiar à época num parâmetro italiano versus sul-americano (esbracejado na fala e folgada nos actos ou nos arreganhos de uma altivez desusada e quiçá deslocada) por parte dos meus progenitores em autoridade irrefutável. Mas éramos unidos.
Do que recordo daquele Verão era que seria apenas mais um, nos muitos que comungávamos em espécie de homilia estival, inalterável e inquestionável de mudanças existirem, nesses hábitos ano após ano. Pouco variavam de entre as aventuras areal adentro e mergulhos assentes na boa condição física que todos possuíamos de exímios nadadores, sem sequer o termos aprendido com alguém que fosse.
Éramos auto-didactas por assim dizer, na perspectiva do «desenrasca português», de nos fazermos à vida sem ajuda de ninguém - até pela simples razão de sermos muitos lá em casa, sem contar com o gato, o cão e a empregada doméstica interna que quase sempre era oriunda das «Beiras», órfã (se não o era de pai, era de mãe) e raramente letrada. Mas sempre, juro-vos, uma joia de rapariga, havendo excepções mas pontuais. Também não raras vezes a nossa única companhia, sendo diversas outras uma mãe, uma vizinha e uma amiga, chegando mesmo a ser-me de grande utilidade na devota prestação e auxílio, estudando comigo e ajudando-me nos trabalhos escolares diários que trazia para casa. Devo-lhes essa homenagem. E não o esqueço!
A meio desse Verão algo sucederia. Algo inesperado mas surpreendente! Na véspera, lembro-me, o Sol mal se conseguia distinguir por entre nuvens volumosas e cinzentas, anunciando uma pequena tempestade que se pronunciava já em brisa rugosa de levante em soadas de uivos e assobios sibilantes. Eu estava junto à pequena capela dos pescadores e, apesar da pouca idade havida, pressenti a iminência de que algo de estranho pudesse acontecer. As gaivotas estavam um pouco agitadas, pousadas em grupo estridente mas sempre vigilante na «Ilha das Pombas» - aquela que, se vislumbrando do sítio onde eu estava - se não podia alcançar a não ser de barco por ser recortada na rocha em ravina desassoreada. O Céu imbrífero e carregado não dava tréguas, fazendo-me recuar e voltar ao quente do lar.
A nossa casa ficava sobre uma rocha o que lhe dava um aspecto de certo modo insólito - e mesmo mórbido - daí que nessa noite tudo tivesse sido ainda mais sentido no que se precipitou em rugido demoníaco, cavilosamente advindo das entranhas do mar. Um maremoto, disseram todos no dia seguinte, aferindo certezas e outras tantas subtilezas de uma ignorância de bradar aos céus, não havendo confirmações nem desmentidos.
Palavras de Policarpo. "Raios me abracem, se aquilo não era mesmo uma ostra gigante. E das grandes!!!"
Naquela época, éramos todos muito «entendidos» e simultaneamente de uma racionalidade ao mesmo nível, jactantes de uma acirrada e fechada informação ou, desinformação. E era mau. Raiava a oclusão ou omissão de tudo. Até mesmo do que poderia ser mentira. Nada se registava em abono da verdade. Apenas nos ficava a suspeição e só mais tarde a especulação ou não fosse, o bom do Zé Policarpo em noite de bebida a mais se ter dado em brados de homem culto e omnipresente e ter visto uma coisa do outro mundo em forma e género, tal «Ostra Gigante» a sair do mar, o seu mar que o vira nascer, embebedar e ali e no momento estupidificar ante tamanha coisa surpreendente.
Ninguém o levou a sério, eram «os copos, a bebida...», diziam em conformidade com o que lhe conheciam de alcoólatra que era. Mas o Policarpo não se calou. E afiançou aos sete ventos para quem o quisesse ouvir de que «aquilo», obra de Deus ou do Demónio, ouviu-se a si dizer, passou por ele num rodopio que só visto.
Pobre Policarpo que, observando a seus olhos uma ostra imensa, na dimensão e suspensão sobre o mar aquela coisa gigante que voara em segundos para o Além, (palavras deste) se surripiou para não mais voltar pelo que deixara em terra na ilha de devassidão em peixes mortos, alforrecas moribundas e demais fauna marinha que pereceria assim sobre a ilha, deixando um cheiro nauseabundo a podridão. Foram os ventos, asseveraram os mais velhos, apanhando de seguida para os cestos da faina todos aqueles despojos marítimos em vidas aquáticas semeadas numa cena trágica que dava dó. Os barcos empilhados na praia dos pescadores como se um furacão ali tivesse rodopiado em valsa menor e tudo sem jeito e sem enleios de mãos humanas. O diabo à solta, insinuaram outros ainda, pelo tanto trabalho e azáfama que lhes sobrou também do que teriam pela frente. A Polícia Marítima registou mas nada disse. Até hoje!
A dúvida permanece: Que terá visto Policarpo? Uma nave espacial, um objecto voador não-identificado (Ovni) pelo que na época já se enunciava mas pouco se falava. Uma experiência tecnológica dos serviços secretos sabe-se lá de onde? Nada nos foi dito. Apenas as coincidências coexistiram com o que a imaginação fluíra. Uma coisa é certa: aquele mês de Agosto ficaria para a História. A nossa história. Em memória e talvez anunciação do que mais tarde conceberíamos acontecer e ali ter sucedido.
Em conclusão: Esse mês de Agosto foi «pródigo» em similitude e paralelismo de situações análogas. Vejamos: no final de Julho, no dia 30 desse mês na Costa Rica, o vulcão Arenal causaria mais de cento e cinquenta mortes. A 2 de Agosto, dar-se-ia um sismo em Manila, nas Filipinas. O resultado deste sismo nas Filipinas foi de mais de 300 mortos e feridos. A 15 de Agosto, uma ilha do Arquipélago das Celebes, na Indonésia é tragada pelo mar, havendo então centenas de mortes.
Que se conclui daqui? Em diversos pontos do planeta, as situações aglomeraram-se de actividade sísmica, vulcânica e de outras origens mas de iguais efeitos paralelos na vicissitude trágica na Natureza e por consequência directa, no Homem.
Na Ilha do Baleal - onde ainda não se ouvia falar de Centrais Nucleares a haver em Ferrel ou sequer, a voragem de prancha na mão na conquista do mar em desporto aquático e não radical ou profissional do surf - porque razão se terá escondido então, a assumpção marítima ali ocorrida, fosse em terramoto do mar, vulgo maremoto, sismo encoberto ou nave a eclodir nos ares...? Não se sabe. Mas supõe-se ou admite-se, ainda que por portas e travessas que é como quem diz, à boca pequena e bem fechados em casa, não vão as paredes terem ouvidos e julgarem-nos loucos e embriagados como o Zé Policarpo que da sua «nau», lá viu a ostra gigante em zunido e velocidade maluca desaparecer no ar.
Continuo a amar aquela ilha. Continuo a visitá-la e a deslumbrar-me cada vez mais com a sua beleza e mesmo, a sua autenticidade - ainda que possa já estar um pouco esventrada não pela erosão dos tempos mas, pela do Homem que insiste em projectá-la em políticas do betão armado nas casas que em volta da ilha vão surgindo. É a civilização no seu auge: no pior e no melhor. Pior, o cimento; melhor, as pessoas que lá habitam todo o ano em simpatia, mestria de bem receber na hospitalidade genuína de sorriso solto, aberto, nos senhores da ilha e seus parentes próximos, os ainda raros pescadores que por ali se aventuram em fraca mas franca pescaria.
A todos eles um abraço, um sorriso aberto também de alguém que um dia viu nascer algo mais do que o Sol de cada dia. A Ilha do Baleal é eterna como eternos serão porventura sempre os fenómenos ou as alegrias conjuntas de quem por lá passa.
A ela, a essa linda Ilha do Baleal eu deixo a minha saudade, a minha mensagem e, a eterna esperança de que quem por lá andou em pesquisa e intrusão, se não esqueça de que nós todos, seres humanos, somos igualmente importantes. E não somos feitos de cimento. Temos alma e choramos, e rimos. E amamos! Pois que «eles» o saibam, o estimem, o preservem e... o enriqueçam na sua evolutiva e coalescente amostragem de nós. Que assim seja. A bem da Humanidade!
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