As Missas Negras e o Satanismo
Um dos pressupostos básicos do satanismo era a aceitação do princípio de que Deus e o Diabo estão ao mesmo nível. Esta noção deve-se em consistência com o pensamento gnóstico da Antiguidade. Durante muito tempo, os pactos com o Diabo e a adoração de Satanás existiriam apenas na cabeça das autoridades eclesiásticas, passando estas a acusar os bruxos e as bruxas destes delitos. A cumulação do que se escreveu acerca deste tema foi tanta que chegaram mesmo a surgir imitadores desta ficção.
Gilles de Rays - o Diabo em forma de gente
Um caso interessante do ponto de vista da história da cultura é o de um nobre bretão, chamado Gilles de Rays (1404-1440), companheiro de Joana d`Arc. Quando a donzela de Orleães - o grande modelo de Gilles de Rays - foi acusada de exercer feitiçaria e consequentemente queimada na fogueira, o mundo deixou de fazer sentido para ele. Desapontado, recolheu-se nas suas propriedades e, de um fervoroso devoto que era, desenvolveu-se no mais abjecto e reprovável dos satanistas.
As crónicas do seu processo dão conta de 140 crianças terem sido por ele (e pelos seus servos) hedionda e liminarmente sacrificadas em ritos satânicos realizados na cripta do seu castelo de Tiffauge.
Os Demónios de Loudun
No auge do combate e da perseguição movidos às bruxas e aos hereges, muitos dos aspectos da personalidade humana até então contidos e refreados, manifestaram-se com alguma violência. Os conventos de religiosas deram exemplos de ser «incubadoras perfeitas» para esse tipo de fenómenos. Urbain Grandier, um padre de mentalidade liberal e para além do mais, também bastante notável, foi vítima deste tipo de situação quando, entre os anos de 1634 e 1635, as freiras do Convento de Loudun desenvolveram ataques de histeria e lascívia, motivados pelo facto de desejarem o padre. Grandier não tardou a ser acusado de satanismo, de ter enfeitiçado as freiras, e acabou por ser queimado vivo.
As Missas Negras do Abade Guibourg
A missa negra como perversão do rito católico da missa, popularizou-se no século XVII. Tornou-se um espectáculo com um grande número de entusiastas, como seria de esperar dos faustosos tempos em que reinou Luís XIV. Uma das mais «famosas» missas negras foi organizada pelo abade Guibourg para Athénais de Tonnay-Charente, marquesa de Montespan, futura amante do Rei-Sol, Luís XIV. Possuída pela obsessão de se tornar rainha, a marquesa quis através de uma missa negra, afastar todos os obstáculos que pudessem surgir-lhe à frente. Nessa missa negra, o seu corpo terá sido desnudado servindo de altar a Guibourg. O pervertido abade disse a missa de acordo com o rito católico, tendo consagrado a hóstia sobre os órgãos genitais da marquesa. A sua ajudante, a famigerada Cathérine Montvoisin, também conhecida por «La Voisine», trouxe para a celebração uma criança de apenas dois anos que fora comprada à sua mãe por um punhado de moedas. Foi então que Guibourg terá invocado demónios, cortando a garganta à criança que se encontrava deitada sobre a barriga da marquesa de Montespan, e por último, recolheria o seu sangue num cálice. Na fase final, o abade Guibourg e a marquesa de Montespan beberam o sangue da criança misturado com vinho, realizando após isso, o coito.
No fim da celebração, o padre entregaria à marquesa um saco com os restos da hóstia, das vísceras e do sangue da criança. Por conclusão (por mais tenebrosa que seja), aos olhos da marquesa de Montespan, a missa negra deverá ter sido um verdadeiro sucesso, já que logo no ano seguinte, tornar-se-ia a amante do Rei Luís XIV, chegando mesmo a dar à luz sete filhos deste.
O Satanismo de «Fin de Siècle»
O materialismo científico do século XIX, conduziu no seio de muitos intelectuais a uma reacção contrária: desenvolveu-se um grande interesse pelos fenómenos ligados ao espiritismo e à hipnose. O romantismo havia celebrado o interesse pelas partes ocultas da vida e da alma. Por outro lado, surgiu também uma nova compreensão - mais dinâmica - dos fenómenos relacionados com a psique que desafiavam os limites do entendimento, um interesse que serviu como precursor da psicanálise e, da moderna parapsicologia.
Deu-se igualmente uma reacção que sobreveio das mais ocultas e obscuras instâncias da alma e que foi revolucionária. Surgiu sobretudo em França, revelando-se sob a forma de um satanismo de «fin de siècle» (fim de século). O seu arauto foi o romance satanista de Joris Karl Huysmans (1848-1907), intitulado «Là-Bas» e editado em 1891, no qual Gilles de Rays é apresentado como místico e a figura-símbolo deste movimento ocultista, Stanislas de Guaita (1861-1897), é representado como Docre, um sacerdote de Satanás.
Gilles de Rays, La Voisine, Guibourg, Montespan e tantos outros em território seu, manchando a História com os seus actos impuros, reprováveis e mesmo impensáveis na contemporaneidade que vivemos (arrepiando-nos de tais actos só por leitura...) aos quais a finalidade só serviria a si. Demónios que o tempo não apagará tão depressa e dos quais também, nos ficará a certeza de os não repetirmos em retrocessos execráveis como seres humanos e de afectos e sensibilidades que compomos. Ainda existem alguns por aí. Se a temática lhes fosse benéfica (numa outra espécie de missas negras havidas) acredito lamentavelmente, de que as fariam ressurgir e penso que, mesmo à porta fechada, haja ainda muitas seitas seguidoras desta alucinação satânica com repercussões doentias e possivelmente fatais para quem nessas participe. A seu tempo, tudo será reposto, embora muitos com a ganância de um poder que acreditem lhes ser supremo e cimeiro para além de todas as coisas, ainda se sujeitem a esta mediocridade de pensamento e acção. Mas como haverá certamente, acredito eu, de um julgamento posterior a si, todas estas práticas lhes serão um dia questionadas, expostas e pronunciadas de algo que nunca terão suspeitado ser-lhes punitivo, em si mesmos também. Esperemos que o bem prevaleça, que o bem vença, acima de todas as coisas. A bem de todos nós, a bem da Humanidade!
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