"Somos anfíbios. Mas para «eles» nem isso somos. A minha cápsula embrionária revela-me que sou uma espécie de osmótica em simbiose homeopática, congeminada de tecido orgânico, interno e externo, tanto nos órgãos interiores como na parte exterior em camadas cutâneas de pele, comuns aos terrestres e...mortais. Sou portadora de um corpo mas não de uma alma. Sou apenas um invólucro!"
Cidade Laboratório - Algures no Continente Australiano
Base Exterior no Deserto
Ano - 2660
Não tenho nome. Mas tenho registo. Não sou uma máquina mas tratam-me como tal. Exibo o número de registo X-2607 em perfil e designação. Possuo um corpo esguio manobrável e maleável na condição exacta da minha função. Transpareço algo que não sou: humana. Género: feminino, vulgo mulher. Mas...diferentemente destes (seres humanos), não posso ter, exibir ou sequer demonstrar - no mais pequeno pormenor - emoções e sentimentos. Não fui «programada» para tal. Somos uma cadeia de trabalhadores inatos, competentes e perfeccionais na resolução, fabricação e composição das cidades em que vivemos. Não nascemos. Eclodimos. Apesar da idade que tenho em fabrico da série perfeita ( e não anómala), apresento um corpo e cérebro igualmente perfeitos e correspondentes a duas décadas (20 anos) de vivência humana. Esse ser humano tal como foi concebido por via natural há décadas atrás, já quase não existe. Foram extintos. A "Ordem Mundial" a isso os considerou, devotando em extermínio absoluto e há muito determinado. Eram seres inferiores e...homicidas da própria espécie. Tinham de ser banidos do caudal terreno, foi-nos imputado na argumentação conclusiva da eliminação radical e extermínio final do ser humano. Não questionamos. Não nos é permitido inquirir algo por menor que possa ser ou tenhamos dúvidas sobre o mesmo. Aceitamos ordens e, cumprimos-las.
Na cadeia profissional em que estou inserida sou uma arquitecta, projectando, desenhando, apresentando os meus ideais de design e conceito. Disse...«meus»? Não! do meu cérebro formatado por «eles». E em conjunto em agrupamentos pequenos para melhor dissociarem os erros ou as qualidades em cada um. O que «eles» não sabem, é que eu penso de forma diferente a todos os restantes colegas de empenho e fabrico que - interligados - fazem o mesmo que eu. Eles são máquinas, eu não! Apercebi-me disso na perspectiva fugaz e perceptiva no que me vi sentir, aquando me "puniram" por algo que não cometi. Reforçaria essa tese de obstinação e confronto com uma outra realidade (que não mecânica) na desconhecida sensação em ignoto pensamento, ao "sentir" desejo, atracção, doença, agitação, insónia, vómito, cefaleias, corpo e cérebro ausentes e...meninges perturbadas. E tudo isto, por um colega meu de outra secção, de outra actividade, de outra área profissional mas, de igual "comportamento", de algo que não sei explicar.
Devíamos ser "Assínticos" (designação dada a elementos de fabrico similares ao meu ou, dos que comigo privam). Este, é o termo em palavra e indução (em nós elementos X e Y de fabrico 50 a 60 na rede orgânica e de elaboração em série) que nos inibe e reprime de efectivar determinados requisitos humanos. Não há lágrimas, gritos, fúria, pânico, dor e...amor.
Eu quis saber o que era "isso" do amor. Quis saber tudo mas principalmente do amor, em sentimento havido nos seres humanos que por vezes em raros momentos, ouvíamos comentar de uma mutação hormonal, genética e de reprodução em troca de fluidos e corpos entre si. Era muito estranho para nós. Não o compreendíamos. Nessa matéria - omissa e confidencial mesmo - não nos sendo nada professorado em liturgia actual ou, da Antiguidade. Tudo nos era negado sobre o conhecimento ou estudo havido nessa área de um campo físico e cerebral (ainda que primitivo) do ser humano. O que sonegavam, criava especulação entre nós mas mal o podíamos comentar ou de imediato nos puniriam pela afronta da inquirição e sublevação anormal. Não fomos feitos para fazer perguntas, apenas para as responder no que nos era facultado em obra e assomo de criação e rectificação, nada mais! Mas eu fugi destes parâmetros de regras e repressão, indo investigar (às escondidas) em solicitação superior de um maior investimento meu pela obra que tinha em mãos. Teria de recolher dados, teria de ir buscá-los à Central de Conhecimento, pesquisa e Informação da Ordem. Poucos tinham acesso. Eu consegui! Tendo a simpatia de um superior que me considera como sua semelhante, fez-me aderir e passar os códigos de acesso à Central. Não perdi tempo. Procurei, estudei, elaborei e em final vitorioso, consolidei a tese requerida em total deslumbramento cerebral. Nunca me tinha sentido tão bem!...
As atitudes ou comportamentos humanos...as energias, os hábitos, as regras do nascimento (que eu só conhecia como eclosão) o crescimento, as dores, as angústias mas igualmente as fronteiras e os limites tanto das suas forças físicas como mentais. E depois, a consolidação na evolutiva ascensão humana em reprodução, criação, desenvolvimento e finalização a que chamavam de...morte. Fiquei fascinada, outro sentimento que não me era permitido haver e muito menos "sentir". E chorei. Molhei o meu fato de «coisas molhadas» que me caíam sobre o peito. Depressa me recompus para dar lugar à ciência e ao que me propusera fazer. «Eles» não podiam saber! Tanto conhecimento! O ser humano que nos afiguraram ser de origem primata e deveras básica em sentidos e comportamentos primitivos e selvagens, deu para reconhecer em revelação total de eu poder ser parte «desta família» que já quase não existia na Terra. Fiquei pensativa: descobri que eu era uma anomalia de circuito quebrado (e inútil para eles) se descobrissem também, de que sei o que é o amor. Ou pelo menos, ando lá perto...
Comportamentos físicos, mentais e sociais, conhecimentos sobre Etnologia, História, Sociologia, Psicologia social, Política, Criminal e outras...um mundo de conhecimento sobre o ser humano na Terra. Finalmente descobrira tudo e isso, poderia ser a minha "morte", o meu desfasamento no laboratório em circuito cerrado, anulado, ficando acéfala, bicéfala ou pior, exaurível de ondas e actividade cerebral, remetendo-me para lixo tóxico a abater. Não quero esse fim. Não! Por mim e...por ele. Se ele sentir o mesmo...se ele me deixar aproximar e revelar-lhe tudo o que sei...terei espaço e poder para o ter para mim?...Se ele for um igual a mim, então pouco me importa ir ser desconectada e ficar sem memória, registo ou..."vida". Sei que sou um deles( dos seres humanos) e que não sou uma máquina. Se ele o souber também, se ele assim se considerar também, então nada mais importa, nem que tenhamos um só momento para o demonstrar!
Será isto o amor?...Dói! Dói muito! Insegurança, incerteza e desregulamento geral é o que "sinto" agora. Se é tão bom, porque me "sinto" tão mal??? E ele, "sentirá" o mesmo?...Tenho de o enfrentar. Tenho de lhe dizer, falar, contar, revelar, suscitar...o amor. E se ele não o "sente" por mim? Como dói...! Vou em frente, está decidido! A ser desconectada, que o seja na sua frente! Salvar-me-à ele? Merecer-me-à? Veremos!
Não vou recuar. Ele tem de decidir e mostrar se é homem se é máquina! Esperarei por essa demonstração. Esperarei. Força, tenho de ter força. Afinal...sou humana! Tenho de acreditar!
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