- "Os meus pés sangram, a minha alma também! Não posso fugir, não devo fugir.
O meu suplício não é a morte mas a vida que não posso mais viver deste modo.
Cairei em desgraça sendo morta por isso, mas esse destino é a minha força,
pois que só na morte, alcançarei a vida, uma outra vida, onde serei jovem, bela e pura!"
Chamo-me Anka e tenho mais de oitocentos anos de idade. Sou muito velha, de cabelos grisalhos de um branco-azulado que me cai pela cintura em farripas nodosas salientes que, a cada dia que passa, se vão destrinçando de mim, desfiando por si, dando-me a certeza da decrepitude do meu estado físico. Não tenho dentes, nem escrúpulos. Nem os posso ter ou o meu senhor, Vakel de seu nome e anúncio, me faz ter medo até da minha sombra. Ou, da dele para ser mais precisa. É ele que tem o elîxir da juventude mas não no-lo dá. A ninguém! A não ser que cumpramos as suas prorrogativas malditas, libidinosas, lascivas e por certo crápulas em toda sua acepção física e horrorosa mente. Costuma fazer oferendas ao "Demo", ao Senhor das Trevas. Sacrifica crianças animais e crenças para se perpetuar e engrandecer poderes seus (Poder, Força e Eternidade), nesse mundo de trevas. Autentica-se mensageiro do dito ( do Lúcifer) e mentor das suas servas e súbditas (Anka, Baruska, Inga e Sonja) que o seguem, veneram e, temem. Eu, Anka, por mim falo.
Transilvânia - Século V/ VII a. C.
Cometi um erro muito grande: apaixonei-me e com isso, destruí a confiança de Vakel e de todas as outras que me invejam, nutrindo ódios e escoriações de almas suas, menores. Fui apanhada nessa rede de ciumes e veleidades doentias de se fazerem ouvir perante o senhor, pensando ganhar algo com isso na sua tão rasa compaixão por qualquer coisa. São umas idiotas, umas enfermas de alma! Já não me importa que me tenham dado em bandeja de ouro a Vakel, de minha cabeça e minha entrega no delato flagelado que em si, também fizeram; só não sabem disso, ainda...mas vão saber em breve.
Ao apaixonar-me por um mortal, não só fiquei com a cabeça a prémio como sei que acabarei esfumada no ar, sobre nuvens, brumas ou cinzas minhas. Não direi que não tenho medo, pois tenho de facto medo, muito medo mas sei que só assim me redimirei da cumplicidade que ao longo destes séculos me investi com estas outras mulheres como eu (tentando enganar o tempo e, as vicissitudes de várias vidas, eternamente em ócio de juventude e riqueza) com o mandatário-mor que urra e violenta, se não organizamos ou executamos as suas ordens. Ele (Vakel) pratica cultos de Satã, em rituais, orgias dementes e bruxedos imensos. Intitula-se o "Grande Senhor da Transilvânia e das terras a Sul (Valáquia). Tem sangue celta mas não lhe faz jus, na oposta crença e desmando que desta sua linhagem, o vê e sente.
Sou bela, muito bela quando estou com o meu amado, um cavaleiro que por estas terras agrestes e más se perdeu. Não sabe quem eu sou nem sequer em sonhos seus, o poderia. Será morto porventura se Vakel o descobre comigo. Não posso deixar. Olho para ele, imberbe ainda de rosto e corpo lindo no menino que ainda é. Se lhe tenho amor, tenho de o deixar ir, levando nos olhos a certeza da minha beleza suprema de loiros cabelos angulados e olhos amendoados da cor do Céu sem nuvens. Tenho de o deixar partir, ou veria ao Sol pôr em noite anunciada toda a minha existencial fealdade. E isso, eu não quero. Antes perdê-lo e, para sempre, sonhá-lo em mim. Só que foi tarde demais. Vakel suspeitou-o, cheirou-o no ar e para colmatar tudo isso, as minhas "irmãs" não lho sonegaram, jurando em toda a frente, de que eu era uma traidora, de que eu abdicara dos seus poderes em benefício próprio. Pobre de mim, que depressa me vi sacrificar meu grande amor, numa balsa enorme de azeite a ferver, ficando sem o seu coração que daria mais força e mais crueldade ao meu senhor. Sem querer invocar os mesmos demónios que Vakel aspergia em si, não tive outra hipótese que não, lançar-me às chamas dolorosas que me queimaram a pele e a alma de seguida. Mas purifiquei-me. De nova, reverti velha, velhíssima de cor parda e amorfa, de peles caídas e desavindas de cor, sangue e vida. Reverti para o que era de consenso com a minha idade: um fóssil, um cadáver em registo bolorento e em pó desfeito - ou a desfazer-se lentamente - em que eu deixara de existir como bruxa imemorial numa extemporânea afronta a Vakel. Este rugia e dilacerava-se pelo meu acto suicida mas de punição e limpezas minhas para uma próxima vida sem destroços e alquimias trazer atrás.
As outras precederam-me, eu já o sabia, eu já o perscrutara no seu olhar maligno. Só que elas, as pobres (ou não...) foram empurradas por si em toda a sua magnitude maléfica. Mas não em purificado fogo. Abriu-lhes as alas do imponente e horrendo também, castelo seu de muralhas impenetráveis, deixando-as à sua sorte e mercê. Entre o latim e o eslavo, os populares iam-se agrupando em odiosos impropérios na vergasta de língua afiada e braços cheios de raiva pelo incesto, sacrifícios e morte que os elementos de dentro de muralhas, tinham feito ao seu povo. Formaram-se fogueiras e tinas de água cheias para a morte pelo fogo e pelo afogamento, respectivamente. Aquelas mulheres não tinham salvação. Eram odiadas, sacrílizadas em Inferno superior por tudo o que tinham feito de mal ao serviço de Vakel. E assim foi. Perseguidas, torturadas e finalmente mortas às suas mãos o povo da Transilvânea pensou ter feito justiça. A sua justiça.
Vakel não ficou de fora. Podia ter muitos poderes mas o de voar como os pássaros, águias e mochos que por si passaram, o seu senhor das trevas lho negou. Perdeu poderes e alqueires de pertenças suas em toda a sua magnitude de maldade e crueldade infinitas. Ainda tentaria protelar a sua sorte, ao sacrificar uma última vez, uma jovem virgem ante o seu altar-mor em oferenda ao Belzebu, seu divino senhor das trevas. Foi parado a tempo e a jovem recolhida do seu transe hipnótico, sendo devolvida a familiares seus que a já tomavam como perdida. Capturado Vakel, e uma estaca no coração lhe acertariam no esvaziamento de todos os seus pecados e acções malfazejas. A estaca em símbolos estranhos mas cordatos com a eliminação de todo o seu mal, foi-lhe cravado sobre a terra e sobre o Céu em rezas próprias de excomungado e excruciante determinação suas de se verem livres de vez de tamanha peçonha feito ser, um dia. E esse dia, terminaria ali. o seu batalhão das trevas é dizimado e com este, tudo acabado.
Por fim a paz dos povos. por fim a paz na Transilvânia numa terra que se chamará um dia de Roménia e que esta história, esta lenda que um dia alguém contou, se sumiria, se volatilizaria no ar sem que se soubesse da sua veracidade e total ignomínia deste "senhor das trevas" em questão. Vakel. Um nome que seria guardado nos confins do Inferno, suponho mas que eu recordo e recordarei sempre como o iniciático e déspota homem de nenhures ou, que em lugar algum deveria poisar, existir ou fazer-se vivificar em toda a sua portentosa maldade humana que o não era de todo. Uma "bela" história de crime, sangue e horror, sem dúvida se não fosse eu a ter vivido um dia...há muito tempo atrás e agora, contar-vos assim deste modo sem omissões ou fragilidades pois que desde que o mundo é mundo, que as atrocidades acontecem. Quanto a mim, fui salva por ter encontrado um grande amor, ainda que isso me tivesse levado à fogueira por razão maior de não ter outra salvação plausível. Acreditem ou não, eu já vivi muitos séculos e nem sempre fui assim tão boazinha...nem eu, nem vocês, acreditem! E tudo se supera, porque como alguém disse um dia: E tudo vale a pena, quando a alma não é pequena! Assim é! A minha então, percorre vidas e mundos e por muitos defeitos que possua, acreditará também de que pode ser sempre salva. Por um grande amor e por si, igualmente. Por amor à vida, aos outros e tudo em redor. Só o amor nos salva! Acreditem nisso!
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