1980 - Meados de Setembro
Era tempo de vindimas. Tempo do ócio escaldante por entre uma cor rosácea e púrpura de um Céu inclemente, nas terras semeadas de vinhas ardentes. o aroma das uvas adocicadas e das flores estivais, regurgitando no ar o âmago de toda uma natureza próspera e bela, intuindo nos que trabalhavam a terra de ir ser um dos melhores anos vinícolas de que havia memória.
Com o pai, não era excepção. A quinta exalava de abastança e boa produção nos morangos (que jaziam em estufa apropriada), nos tomates, cenouras, couves e toda uma panóplia leguminosa e frutícola de frutuosa colheita. Contando também, com o campo de girassol - que despontaria em flor maravilhosa de um amarelo exuberante, esplendoroso - e que, ornamentaria grande parte da quinta em pertença e propriedade de uns belos hectares de terra. Eram o orgulho do pai. Até ao dia em que...queimados (completamente esturricados!) e, devassados por algo ou alguma coisa pungente nestes - e que por ali andou - os destituíra da sua condição e fundamento. Perdida a cultura, morta a certeza da irreversibilidade da tragédia, o pai invocando os deuses e os demónios, alvitraria: -Raios os partam a todos! A todos! Mas quem terá sido o real cabrão, o real filho da mãe que me fez isto aos girassóis??? Ai, se os apanho!!! Se os apanho, faço-lhes o mesmo!...Ai faço, faço que eles vão ver de que raça de homem eu sou!!! Vão ver, vão!!!
Eu tinha chegado há pouco menos de uma semana de Londres - e ainda de malas por desfazer, assim como o enorme sorriso que ostentava em mim a toda a hora - e nem me apercebera da aflição visível do pai que ia desbravando toda a sua fúria em todos, requerendo justiças e esta não haver, por tanta maldade exercida sobre as suas terras. Encorpado então sob um manto de tristeza funda mas não absorta ou muda, ia tentando encontrar conforto nos braços da mãe que, impotente ante tanta desgraça, só lhe poderia amansar a mágoa com os seus bons e mui esmerados cozinhados de avental posto e colher de pau na mão. Ao mesmo tempo que lhe revertia: - Deixa lá homem, que a verdade virá ao de cima como o azeite...e quem te fez essa maldade, irá pagar por isso; Deus é testemunha! Tens de ter calma, homem...olha o teu coração!...
Mas o pai não apaziguava a sua dor, na alma e no bolso, ao ver o seu lindo campo de girassol em flor, todinho incinerado em maledicência incendiária de algo que ele não sabia explicar. Nem ele, nem toda a restante aldeia em povoado omnipresente e populoso por entre os comentários de café e bancos centrais onde descansavam os cajados e os ossos da árdua tarefa da coscuvilhice.
Pela calada da noite (ou princípio desta) houve uns senhores, munidos de utensílios e objectos estranhos - diriam posteriormente, uns mirones que os detectariam ao longe, nas suas fazendas - que iam fazendo medições e registos na dimensão de terras e culturas do que lhes não pertenciam, sem terem pedido licença ou permissão ao pai de tal. Quando este soube, ficou fulo da vida. - Pois que raio é isto de me invadirem as terras e aí vai disto!?...Que é tudo nosso, ou quê??? Então eu não sou ninguém?...Eu já não mando na minha terra, ou quê??? Corro-os a todos mas à pedrada, que é para verem quem manda aqui!!!Ora agora,ah?!
Mas o pai era sereno. E tudo isto, era apenas um seu desenlace de alma, sendo de garganta para fora no seu desaurido desapontamento de homem de trabalho. Não tinha mau feitio, apenas era corolário de um lamento enorme de toda a colheita perdida, enunciando prejuízos e porventura desaguisados com a associação agrónoma local que lhe dizia não ter fundos nem ordens oficiais para o compensar da perca havida. Não havia subsídios estatais nem reposição financeira que lhe cobrisse essa perca, tanto a nível da economia do lar como da alma que penava ainda pelo desaprumo da queimada territorial. - Raios os partam, diria o pai em completo desalento de si. Quebrantado mas não vergado, queria ainda assim saber - nem que isso levasse toda a sua vida, acentuou - quem teria sido o causador de tanta infâmia em suas lindas terras de uma quinta que trabalhava com as suas mãos e ele comprar anos antes, sem heranças ou coisas caídas do céu, como o pai dizia, árdua mas orgulhosamente. - Nem que seja a ultima coisa que faço na vida! (diria ainda) Mas não fez. Nem podia.
O campo dava dó, lá isso dava! Mas não fora mão humana, no acto homicida da plantação. Viriam ainda, uns helicópteros militares ou governamentais (mais tarde) recolhendo provas e ditames do que ali sucedera em secretas investidas ou de prospecção assentes - e por certo, altamente confidenciais - rumando depois a Lisboa. Ao pai, pouco ou nada diriam, chegando a conclusões suas que não divulgariam. A ninguém!
Nunca mais se soube deles, dos homens de farda e ciência acumulada pelo que se lhes observara no trato e no cuidado com que alinhavavam registos e certezas (ou incertezas!)
"A coisa" morreria assim. Ou foi morrendo, na medida de um tempo certo em que o esquecimento ou a ordem do dia se alterava com novas intrigas e outras tantas quadrilheiras amotinações por entre si, na aldeia.
Mas houve quem tivesse feito a sua pesquisa pessoal de intervenção e cunho pessoal. O metediço da zona que, por meios e proventos de possuir o único avião batedor ali, em refrega e pulverização de sulfatos sobre os campos - tarefa que lhe era bem paga...- se ter dado de vontades e imposição suas, furando nuvens e ladeando os campos martirizados de propriedade do pai. Observaria então, em certo descontrolo e muita estupefacção o que os seus olhos lhe ditavam na estranha ocorrência de um campo tomado de assalto por via aérea que não a sua. Da sua óptica, podia desta feita discernir de que, quem o fizera...não era deste mundo, o seu mundo mas de outro, fora dele. Via-se uma enorme espiral, de geometria ímpar, correcta e liminarmente executada por algo que teria ficado suspenso no ar e posteriormente, aterrado. Era como um desenho de grafismo exótico e inexistente ou exequível por mão humana, considerou. Estruturalmente bem colocado numa ordem matemática exímia, o nosso aviador pasmou por tão bela ser, aquela espiral ainda que tão mortífera no pobre campo agora, de girassol queimado, achou-se a dizer.
Não conseguindo amordaçar o que constatara ou estar calado (dando logo de seguida com a língua nos dentes...) e toda a gente do povoado ficaria a saber do ocorrido e visionado por si em ansiedade louca e extravasada na exposição que a estes fizera. Extrapolara e esticara-se na prosa que os cidadãos rurais ouviram com a mesma placitude com que ouviriam dizer, que na padaria iam oferecer pães quentes nesse dia. Bem...com primazia e mais folga de pernas a correr para a dita padaria do que para a sua eloquente reportagem de um campo devassado por estraterrestres. Afinal, não era todos os dias que davam de borla uns pães...anuiriam em conjunto.
Por ultimo - e já desmotivado este nosso intrometido aviador do sulfato - seria o motivo da risada galhofada e aberta por todos, em anedota única de todo um povo folgado de ironias e sátiras comuns naquelas paragens. Incoerência, bebedeira e vá-se lá saber que mais, diriam uns quantos, sobre si. O que este contara, em vez de criar pânico ou maior curiosidade, podendo ser um assunto de extrema gravidade e sério, não senhor, revertera-se na piada local nas suas gentes em loquaz parvoíce que ele (único defensor) insistentemente, chamaria de verdade. - Os extraterrestres na Amoreira, vejam só!!! Eh pá, vai mas é dar pasto à mula que tem fome! E banho ao cão! E deixa-te disso, homem que ainda te levam preso ou te tiram a carta dos aviões (brevet) e depois andas aí a roçar pelas paredes sem ter quem te dê trabalho, homem!
Esqueceu-se tudo depois. Não muito depois. Mas eu não esqueceria. Nem podia. Quantos episódios, quantas ocasiões e situações anómalas que eu tivera, que eu presenciara. Esta, apenas mais uma, admiti. Desta vez em seara alheia mas próxima de mim e que atingiria o pai, em desconforto e pouca fortuna mas penso que o não terão feito propositada e levianamente. Aconteceu, pura e simplesmente no meu seio familiar. Eu era-lhes cúmplice, disso tinha a certeza! Vigiavam a minha terra. Vigiavam-me. Não sei. Acreditei de que algo poderia estar a suceder ou a iniciar-se. Senti-o. E como tal, não me enganei. "Eles" andavam por aqui e não se davam a mostrar, mas eu reconhecia-lhes as acções, os métodos, as repercussões das suas investidas na Terra. Terra como planeta em terra exterior e interior na busca ou sedimentação suas, de se imiscuírem cada vez mais num território que o Homem ignorantemente, julga seu. "Eles" sabem disso mas não riem de nós. São complacentes e mesmo por vezes, colaborantes mas não excedamos a sua compreensão e os seus alentos de nos vigiarem os passos como se fôssemos crianças de colo e fralda. Temos muito a aprender. Agora só temos, de o registar também, sem idealismos ou fundamentalismos que não levam a lado nenhum. E "Eles" sabem disso! Nós, não. Ainda...
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