Será que, como desperdício tóxico ou vulgar fragmento estilhaçado, serei despojada de tudo em mero lixo espacial? E com ele, farão o mesmo...? Seremos ambos depostos, desconectados e não reciclados para o mundo do nada?
Cidade Laboratório - algures no Continente Australiano
Ano - 2660/2661
Estas, eram as perguntas às quais ninguém me respondia. Nem podiam. Eu era o inimigo, por uma razão única de sublevação de direitos e subversão dos valores até aí apresentados, a nós anfíbios ou...andróides como eles nos designam inferiormente a si. Estive em «solitária», o que quer dizer em clausura total de referência máxima em absentismo de fala, comunicação, presença ou algo que me definisse entre outros. Quase ceguei. O negrume era enorme, tanto na isolada cela em que me colocaram como na obstrução de sentidos em mim, a que os humanos (hipoteticamente) chamam de, alma...talvez.
Não sabia nada de Zeus, se partilharia da minha má sorte e do meu eventual destino ou se, em oposição a esta mesma punição, lhe tivessem comutado a mesma na amortizada cumplicidade que comigo fizera em fuga e, quebra de regras impostas. Não me diziam nada. O meu corpo, alterado, dava mostras de uma humanizada sujeição e transformação, ao que de imediato não compreendi e até temi. Os seios inchados, em entumecência clara de um registo de transformação latente e a náusea permanente em quase agonia de fluidos e respiração ofegante que pensei ser originada pela claustrofóbica cela de pouca oxigenação. Só mais tarde compreendi e, aceitei. Eu estava a conceber. Eu estava a gerar. Eu...não era só eu a partir dali, eu...era mais um, como em simples cálculo matemático de pouca ou nenhuma complexidade pela humana em que me tornara em espécie, seguimento e vontade. E estava só. Mas não tão só que tal não me fizesse lutar para sobreviver e não o contrário, o deixar-me abater, eliminar, desconectar para todo o sempre. Eu tinha vida em mim e só isso contava, nem que para tal, eu tivesse também de eliminar e desconectar algo ou alguém que até há pouco fizera parceria comigo em subsistência paralela no enorme complexo laboratorial.
A Fuga
Possuo reflexos rápidos. Passei sempre nos testes com nota considerável de elemento máximo na observação, requisição e empenho com que me determinava nas tarefas. Até ter conhecido Zeus...e ter desviado as atenções para tudo o que se relacionava consigo. Infiltrei-me nos computadores do complexo, induzindo-me conectada e elemento igual e fui retirando provas, conhecimentos e situações de particular monta em projectos de fuga, corrida, passagem de obstáculos e outros. Tenho uma boa preparação física e isso, valeu-me a liberdade. Para Zeus, foi tudo um pouco mais difícil. Tentaram conciliá-lo com uma outra realidade, fraudulenta e inquisitória sobre mim mas ele deu luta. No momento não o sabia e refreei os meus «sentimentos» como dizem os humanos, sentindo que poderia perder-me neste labirinto de mentiras, afrontas e sujeições que eles nos fazem a nós, plâncton robótico como já os ouvi dizer, referindo-se aos anfíbios. Por isso, arquitectei um plano de fuga e cumpri-o na exactidão de passos e movimentos rápidos, psique e estrada robotizada em linhas que defini, tanto nos caminhos a percorrer como no destino a alcançar. Pior, foi encontrar Zeus. Como falha de circuito, encenei uma performance física e mental de desconexão e falhas múltiplas no meu sistema metabólico, fazendo levarem-me para a «enfermaria». Lera um livro (algo proibido entre nós) revelando essa mesma situação que prontamente anotei em registo cerebral e neurológico dos passos a seguir. Empenhei-me a fundo e consegui. O laser que me era dedicado, foi direito para uma das assistentes, deixando-a desde logo inanimada. Quanto ao superior cirúrgico que me deveria analisar, agarrei-o pela nuca e, deixando-o sem ar, desfaleceu. Não o matei pois sabia a pena capital do complexo que, acaso fosse apanhada, não ter mais fuga possível, sendo de imediato eliminada também. Este elemento era de carne e osso, era humano. Só os assistentes eram andróides e como tal, ser mais fácil para mim desconectá-los, parcialmente sem prejuízos físicos e mentais assim que acordassem. Foi fácil. até demais, considerei. Podia ser uma emboscada e parei. Reflecti. Organizei-me mentalmente e acentuei em memória, o gabinete que destinava a ordem e a composição dos vários elementos no laboratório. Eu vinha dos subterrâneos, não sendo posteriormente muito fácil ascender aos pisos superiores mas fi-lo por «sorte» ou projecção de algo maior que me seguia em desvelo de conquista e libertação, supus. Tinha de encontrar Zeus. E encontrei. Não vacilou. Se o tivesse feito nem que fosse por segundos, tê-lo-ia deixado para trás. Eu estava determinada. Nada me pararia. Nada!
A Liberdade
Não sabia a que cheirava o Céu. Nunca soube que aroma teriam as flores do campo ou das cidades humanas que um dia, em liberdade, estes houveram em prazer e autenticidade mas ali, naquele instante de fuga e desapego a um ventre materno capcioso e falso, eu só tinha a esperança, a força da vitória, a força de um desejo maior de «viver» com o ser que trazia em mim num abdómen agora já mais espaçoso e farto que me ditava as regras futuras. Com Zeus ou...sem ele, caso me decepcionasse, me infringisse também ele, os meus direitos agora adquiridos por mim, só por mim. O Céu era lindo! O ar, magnífico! As cores...pelo Uno de todas as coisas ditas e vistas por mim, as cores eram lindas...são lindas! O cheiro da liberdade estava mais perto. Mas agora era Zeus que, autenticado ou manietado por uma incomensurável vontade de me seguir e compensar da liderança até aí na fuga possível, quem esbracejava numa força tridimensional de braços, movimentos, ideias cerebrais activas e dinâmicas na acção imediata de «roubarmos» uma nave de pequena dimensão mas de propulsão efectiva em velocidade superior que nos levaria até outros planetas, livres destes comandos. Ambos sabíamos da existência de outras civilizações que nos ajudariam em auxílio, guarda e preservação dos nossos conhecimentos e vivência conjuntas sem limitação ou qualquer tipo de punição. Até mesmo na Terra. Mas no imediato, não podíamos arriscar. Haviam: os Reticuli, Orion, Andrómeda, Pléyades e Altair. Por coordenadas assentes, induzimos-nos para Andrómeda, civilização amistosa e de grande influência cósmica ante os outros e que, certamente, não nos deixariam à nossa sorte ou na pior das hipóteses, entregando-nos à proveniência na Terra. Tínhamos de confiar. Para já, o planeta Terra estava fora de questão. Muitos interesses ainda, muita confusão entre os restantes seres humanos que o habitam em planeta a ressurgir da miríade de catástrofes naturais e não naturais em convulsão catártica por todo o globo terrestre, levando ainda muitos anos a redimir-se na sua totalidade, de toda essa tragédia ambiental, geográfica e de toda a natureza em recidiva como doença terminal havida.
Contei a Zeus. Contei-lhe do ser que estou a gerar. Ficou mudo. Ficou verde como os «green» ou os «gray» que já não se fabricam mas ainda são motivo de chacota de entre nós, pela fraude e engano nos humanos destes serem uma espécie considerada civilizacional e não robôs como no fundo nós, até aqui. Mas recuperou. De cores e de sentidos, dizendo-me enfaticamente que agora éramos os três livres de tudo. Até de nós mesmos! E dizendo isto, beijou-me. Nunca senti um beijo assim. Como se, todo o Universo nos estivesse a brindar e, a consolidar em mente, corpo e...alma, acho que é isso...alma. Temos almas. Sinto-o. Sei-o. Vibra em mim, em nós, tal como o ser que já cresce em mim. Zeus sabe-o, sente-o também. Somos um só e agora temos a certeza disso mesmo e ninguém nos vai disso limitar e, muito menos desconectar. Nunca mais! Vamos viver, crescer, morrer e...coalescer! Vamos, depois de humanos...ser superiores em formação e não formatação, tornando-nos parte do Uno do Universo. É nisso que acredito! E Zeus também! A três, a quatro, a cinco...aos que vierem em unificação e, eternidade desse nosso Uno Universal.
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