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quarta-feira, 2 de julho de 2014

A Mística Hindu


Ilustração dos Deuses Hindus - Shiva, Parvati e Ganesha

Que acontece aos homens depois da morte? - Terá perguntado Nachiketa ao deus da Morte, Yama.
Desde então, o enigma da imortalidade continua por responder, ao que nos intriga e coloca em nova questão: será esta unidade de Atman e Brahman em consciência transparente e libertadora do verdadeiro eu que conduz a essa mesma imortalidade? E, onde o nascimento e a morte são um definível ciclo do Karma nos laços terrenos? Conseguir-se-à de facto a libertação desses laços, atingindo-se a elevação?

Atman e Brahman - A Mística Hindu
Na literatura mística do hinduísmo, os Upanixadas - o Princípio Criador Universal - a origem de todos os seres, chama-se «Brahman». Reside para além de todos os fenómenos e até dos próprios deuses.
Brahman situa-se fora do espaço e do tempo e, no entanto, abarca tudo. É pura essência sem forma nem qualidades. Todas as coisas tiveram a sua origem em brahman e a brahman regressarão.
Os rituais de adoração nos altares sagrados das casas e dos templos dão ao hindu a possibilidade de se aproximar do brahman não-personificado por intermédio dos deuses.

O Jogo Eterno
O Princípio do Brahman não deve ser confundido com Brama - o deus criador do Universo - que possui as suas características e, está sujeito ao Mundo da transubstanciação. Brahman, pelo contrário, não pode ser descrito. Oculta-o tudo o que é evidente no Universo: o jogo eterno do engano e da ilusão, que é preciso perceber. Cada menção, cada palavra sobre brahman, é já uma forma de este se manifestar.
Este «falar sobre» pertence sempre ao mundo do que é possível descrever-se e não pode portanto, ser brahman. A forma extrema de «invocar» por palavras o que não tem nome não o nomeando, é o «Neti, Neti» do Upanixada Brihadaranyaka: Brilhat (Grande) e Aranyaka (Pertencer à Floresta), que originalmente significava «Ocupante da Floresta».
Estas palavras, cujo sentido literal é «Não isto, não aquilo», são uma recusa de todas as aparências do Universo, incluindo o nosso pensamento, enquanto ocultação do brahman. A única realidade que descreve a existência do brhman é: Não isto, não aquilo.

O Espírito Encarnado
Desenvolveu-se no Hinduísmo a noção de que o espírito é mortal na sua forma personificada e aparente. Da identificação do nosso espírito individual com o pensamento e o corpo terreno nascem a dualidade e, a casualidade. O espírito encarnado converte-se num eu irremediavelmente ligado ao ciclo do nascimento, morte e renascimento. Chama-se «Jiva» (de jiv, «viver») a esta força viva que habita o corpo. Mas o espírito encarnado não é tudo: por trás dele esconde-se o verdadeiro eu imutável, «o Atman».

O Eu Profundo
Atman significava originalmente «sopro da vida, respiração». Designa o eu imortal e verdadeiro, que se oculta atrás de todas as aparências, dos conteúdos da consciência, da percepção, pensamento e sentimento.
Para o Hinduísmo, os conteúdos da consciência, percepção e pensamento não são imateriais ou puramente espirituais, mas antes originados por uma espécie de «matéria espiritual» (Chitta).
Podemos imaginar a nossa consciência como uma tela onde estão constantemente a ser projectados filmes.
As imagens sempre em mudança são percepções, pensamentos, sensações. Não são, no entanto, o nosso verdadeiro eu mas sim apenas um filme, uma ilusão.
O verdadeiro eu - o Atman - é a origem divina, oculta no mais profundo do ser humano - do mesmo modo que, Brahman, é a essência do mundo. Mas na realidade, como ensinam os textos sagrados indianos, Atman e Brahman são idênticos! No entanto, normalmente não o sabemos, porque estamos presos ao mundo exterior com o nosso eu.

Caminhos
Não se entende nada com a razão. A única via possível para a compreensão é a introspecção mística. O objectivo de libertação do ser humano no seu caminho espiritual é reconhecer o seu eu divino e eterno, o Atman. No caminho rumo a este objectivo descobre então que, o Atman e o Brahman - o eu divino do Mundo - são idênticos. Diz o Upanixada Katha: «Este eu oculto em todos os seres não é visível exteriormente, mas pode ser visto pela razão elevada dos que possuem a visão subtil.»
Surgiram na Índia vários caminhos espirituais para se alcançar esta visão: A renúncia à Vida Terrena; A entrega ao estudo dos Textos Sagrados; As formas de Meditação e, a prática do Ascetismo e da Abstinência.

A Libertação como Meta Espiritual
O objectivo do ser humano é libertar-se das ilusões do Mundo exterior. A Libertação e o Desprendimento definitivos de todos os laços terrenos, do Karma e do ciclo do Renascimento (Samsara), alcançam-se pela superação da ignorância e, consequente união com a Realidade mais elevada.
Este reconhecimento da unidade de Atman e Brahman só pode dar-se, quando a consciência é tão transparente como o próprio Atman.
Este estado de libertação total é alcançado quando o Espírito reconhece então, a sua perfeição e independência do Mundo e, dos deuses.
O santo e filósofo indiano Shankara (788-820) disse: «Reconhece no Atman, o eu verdadeiro e, atravessarás o mar sem margens da Temporalidade, cujas ondas são o Nascimento e, a Morte.»

O Ser Humano Interior e Imortal
No Upanixada Katha pode ler-se uma célebre conversa entre o jovem brâmane Nachiketa e o deus da Morte, Yama. Nachiketa, a quem é permitido pedir três desejos, usa o terceiro para formular a grande questão da Humanidade: Que acontece aos homens depois da morte?
Yama tenta evitar a resposta e, em vez dela, oferece a Nachiketa os tesouros de Maya - a grande ilusão cósmica do Mundo dos vivos. O jovem, no entanto, teima na pergunta e o deus da Morte acaba por ter de lhe confessar que o Atman é imortal.
E assim, os deuses perderam o privilégio da Imortalidade - que passou a ser também atributo dos humanos.

És Tu
No Upanixada Chandogya (com o nome dos cantores da cânticos hinduístas) encontram-se os famosos ensinamentos do sábio Uddalaka Aruni ao seu filho Svetaketu sobre a natureza incomensurável do Brahman. Uddalaka pede ao filho que lhe dê um fruto de uma árvore banyan. Svetaketu obedece:
 - «Aqui está, Venerável.»
 - «Abre-o.»
 - «Está aberto, Venerável.»
 - «Que vês?»
 - «Sementes muito pequenas, Venerável.»
 - «Abre uma.»
 - «Está aberta, Venerável.»
 - «Que vês agora?»
 - «Nada, Venerável.»
Disse-lhe então Uddalaka: - «Meu filho, o que não podes ver é a Essência, e nesta Essência, existe a poderosa Árvore Banyan. Ouve-me, meu filho, esta Essência atravessa tudo, é a Verdade, é o eu e és Tu, Svetaketu!»

No Hinduísmo os Gurus são considerados Mestres Espirituais. Extremamente avançado no seu desenvolvimento espiritual, o Guru ensina aos seus discípulos o enigma de Atman e Brahman. Nas conversas entre si, o aluno aprende que, todos os seres vivos, possuem um espírito imortal que aspira a renascer depois da morte e, como pode libertar-se do ciclo da reencarnação para atingir o Nirvana - a unificação com o Brahman eterno e, absoluto!
Que todos o possamos assim conceber, deter e renovar na límpida certeza e consciência humana dessa mesma unificação eterna e, absoluta, de um Nirvana que todos almejamos alcançar! Que assim seja!

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