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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A Bíblia dos Aranda


 
Pintura Rupestre Aborígene  -  Arnhelm Land  -  Austrália

Será possível que o «tempo dos sonhos» que simboliza para os Aborígenes a época da criação - em que a vida é formatada e inclusa num sistema cujos factores diferentes se interligam - e, permanecem eternos, seja conservada essa consciência ao longo dos milénios até aos dias de hoje? E, impeça os seres humanos do século XXI de regredirem tanto no esquecimento como na interdependência uns dos outros, assim como também da Natureza como um todo?

O Deus dos Aranda
Reza a lenda que, no tempo dos sonhos, Uluru foi erigido por duas crianças divinas. Altjira - o grande deus dos Aranda - um dos mais poderosos povos primitivos do mundo, colocou o Sol, a Lua e as estrelas no firmamento, formou as montanhas, os rios e os poços, plantou eucaliptos e flores silvestres, tendo também insuflado vida nos animais. Quando, depois de um demorado sono - se sentiu só - a partir de um pedaço de rocha extraído de Uluru, formou o ser humano. O deus revelou a este novo ser vivo todos os seus segredos e, ordenou-lhe que os transmitisse fielmente às gerações vindouras, de modo que a Humanidade pudesse viver e desenvolver-se.

Portadores de Tradição Cultural
Os conhecimentos integrados na mitologia do tempo dos sonhos foram efectivamente transmitidos sob a forma de canções, danças e através de objectos sagrados. Não obstante, ao longo dos últimos 200 anos, esta tradição antiquíssima foi sendo parcialmente destruída pelos colonialistas ingleses. Só já demasiado tarde é que os Etnólogos da metrópole descobriram aquilo que permitiu a salvação dos Aborígenes: os chamados homens selvagens da Idade da Pedra não só não constituíam uma horda controlada por instintos desenfreados, como eram mesmo portadores de uma tradição cultural multimilenária, cujos conteúdos e noções remontam ao começo dos tempos.

A Bíblia dos Aranda
O missionário britânico Carl Strehlow chegou em 1894 à Austrália e, ofereceu a muitos Aborígenes a protecção dos abusos por parte dos agricultores brancos.
Por vontade dos feiticeiros indígenas, ficou encarregado de preservar e perpetuar o tesouro espiritual dos Aborígenes para tempos futuros, para quando houvesse mais apreço e compreensão pela sua cultura.
Com base na grande quantidade de material recolhido, Strehlow pôde compilar a chamada «Bíblia dos Aranda», bem como dicionários da língua Aborígene. As mensagens desta bíblia podem perfeitamente ser condensadas em algumas orações simples:
- As condições de vida das gerações vindouras apenas se manterão intactas se, os homens viverem em harmonia com a Natureza.
- O canto, a dança e a narração de contos, são actividades que estimulam a energia vital.
- Todos os seres humanos têm a responsabilidade de zelar por que as regras de ouro da vida e, os valores espirituais, sejam transmitidos de geração em geração.
Tem de se enaltecer ainda, que os Aborígenes não encaram os próprios filhos como propriedade sua, nem tão-pouco se consideram responsáveis pelo seu carácter e personalidade.
Toda a tribo Aborígene constitui a família das crianças e todos têm os mesmos pais: as forças dos antepassados e, a Mãe-Terra!

Os Espíritos Ancestrais como Arquétipos
O tempo dos sonhos simboliza para os Aborígenes, a época da criação em que toda a vida formava parte de um sistema, cujos diferentes factores se encontravam interligados. Tratava-se de uma densa rede de relações que ganhava vida, quando os espíritos eternos dos antepassados se manifestaram pela primeira vez.
Ainda hoje os Aborígenes são capazes de conjurar a «djang» - a energia espiritual do tempo dos sonhos - quando celebram as cerimónias que os seus antepassados lhes ensinaram e com eles estabelecem contacto.
Acreditam ter a possibilidade de, através dos espíritos dos defuntos, penetrar no eterno tempo dos sonhos - aquela época em que todas as coisas foram criadas - e na qual, todas as coisas permanecem eternas.
É curioso que, místicos medievais como São Francisco de Assis, o mestre Ekkehard e Hildegarda de Bingen tenham defendido precisamente a mesma ideia acerca da criação - como um princípio universal de vida - semelhante ao que os Aborígenes australianos defendem também.
É possível que esta consciência, conservada ao longo dos milénios, impeça os seres humanos do século XXI de continuar obstinadamente a fazer como se tivessem esquecido o facto de que, todos nós, somos dependentes uns dos outros e, da Natureza como um todo!

Na Austrália vivem actualmente 160 mil Aborígenes, reunidos em tribos com 50 a 500 membros, preparando-se cada uma destas para as cerimónias com a sua própria pintura corporal.
A pintura rupestre representada inicialmente, encontra-se em Arnhelm Land no Território do Norte. Uma vez que os Aborígenes não utilizaram quaisquer registos escritos até à época moderna, os seus mitos foram transmitidos exclusivamente por meio de imagens figurativas. O ser humano aqui reproduzido ostenta pinturas cerimoniais. Para a História Universal ficar-nos-à então, esta belíssima pintura rupestre em sinal, urgência e conselhos dados em mítica apresentação, do muito que ainda temos de calcorrear em busca de uma perfeição e harmonia individual - e mesmo interactiva entre todos nós - num todo universal também. Que assim possa ser de futuro. A bem do conhecimento! A bem da Humanidade!

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