Há almas eternas, outras imortais e talvez até mesmo outras confortavelmente emanentes sobre o Universo; cabe-nos a nós descobrir quais as que nós somos, por outras que andam por aí...
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domingo, 14 de fevereiro de 2016
A Experiência III: A Invasão!
Marte, o planeta que já foi como a Terra...
Base Alienígena em Marte (módulos de sustentação de vida recuperados pelo Homem).
Entre a Terra e o Céu ou por entre Marte e todas as possibilidades vividas, nada mais nos resta que aguardar um desfecho feliz, se ainda houver tempo e esperança para isso...
Como poderíamos ter reforços ou sequer esperar por uma força maior que nos detivesse ou melhor protegesse desta Força Invasora, se na Terra nos ensinam que devemos dar a outra face e em Marte, matar para sobreviver...? Como se poderá viver com isso a partir daqui...? Haverá salvação para tal pensamento inaugurado num futuro que não sabemos existir? Haverá essa pacificação de almas, ainda que diferentes e além todas as distâncias...? E sabê-lo-emos manter além todas as coisas???
Sobreviver em Marte
Tive medo de o perder. Muito medo! Logo eu que tanto já perdi. Mas haverá maior receio do que o ficar só, o de não ter nada mais na vida do que olharmos um horizonte que não é nosso, de uma terra que não desejamos - nem amamos - e nos foi imposta e pré-concebida? E que dizer do maior buraco negro do Universo (o da dor, o da raiva e da submissão) e sentir que o vácuo, este enorme e caprichoso vácuo, é a dor maior do mundo depois da perca dos filhos, do companheiro de toda uma vida e de tudo em redor? E o que dizer da solidão, ou de um amor vivido e não sufragado...? E ter de lutar, continuar a lutar; hoje e sempre, até em relação às sombras dos fantasmas de outrora que nos perseguem e nos alcançam na noite, como a que aqui foi vivida. E, na Terra ou em Marte, por que será que é sempre tudo igual nessa dor, nessa tão lastimável e sofrida dor da insegurança e da consternação de se sentir que o que se perdeu jamais voltará para nós...?
Quantas mais investidas de batalhas perdidas ou guerras vencidas teremos de lutar, teremos de suportar - e mesmo ultrapassar - para que haja um destino, um futuro... algo a que nos agarrarmos em esperança de daqui sairmos? Se Blue tivesse morrido, como sobreviveria eu...? Se Blue tivesse desistido, como poderia eu ter continuado a lutar ou a acreditar que Marte não nos é um sepulcro mas uma rampa de lançamento da qual só temos de nos fazer erguer, de nos fazermos deslaçar e voar, voar para longe... quem o poderá dizer...? Haverá forças para isso?
11 de Fevereiro de 2016
O pior já passou. Estamos todos vivos e a recuperar desta terrível força invasora que nos tomou de assalto sem se fazer anunciar. Existem critérios galácticos que jamais pensei que se pudessem violar como rastilho de pólvora ou fogo fátuo de regras e leis estelares que se não cumprissem. Tivemos a prova disso mesmo sobre a afronta que nos foi feita e, tanto eu como Blue, o tivemos de superar - e por ensejo e cobertura do «Cérebro» (a inteligência invisível que na central de comandos se pronuncia) - nos fazermos revigorar nas forças perdidas (as nossas) por outras mais céleres e mais perenes que nos determinassem a salvação de tão execráveis algozes de outros mundos estelares. Nada que o não soubéssemos, mas no fundo, tudo o que não queríamos ter sentido - e muito menos vivido - ante a já tão pecaminosa e tão pouco amistosa estadia marciana. Estamos vivos e só isso importa; e tal devo-o a Blue. Como sempre. De facto há mesmo almas insubstituíveis: Blue é uma delas!
Estamos vivos, sim. A resistir. E tudo isso numa resiliência algo mórbida, insuspeita mas também indómita que nos faz revoltar de aqui continuarmos. Vamos vivendo... ou sobrevivendo.. E se sobre mim recai a penúria de toda a minha fraqueza terrestre, sobre Blue cai toda a responsabilidade de subsistência e, firmeza sobre Marte, e sobre os seus potenciais inimigos; como foi agora o caso. Devo-lhe a vida, aliás, devo-lhe tudo: a honra, os préstimos e todos os desenvolvimentos que aqui aconteceram sem que o prevíssemos - ou alguém nos tivesse alertado para o que esta hostilidade cósmica sobre nós se pungisse. Mas ainda que Blue seja uma figura incomensuravelmente superior a mim, ao meu frágil e triste ser feminino, não é indestrutível nem imortal, e sofre como eu neste tão diletante desgaste - ou dilema - de não sabermos quando daqui poderemos partir, como se Marte nos fosse um túmulo a céu aberto, em céu infinito de muitas agruras, de muitas guerras sem fim.
Somos só dois elementos (para além do já tão indissociável e amoroso mister-T) mas parecemos um batalhão em comandos de elite, lutando por uma sobrevivência conjunta que jamais na Terra eu sentiria. O código vital é mantermo-nos lúcidos e atentos, e tudo correrá bem; para além do «Cérebro», que nos afiança essa continuidade nesta base alienígena que mais tarde foi transformada em sustentação modular de vida terrestre, aquando por cá se fizeram sentir uns meus conterrâneos em experiências exo-biológicas. Das quais eu também fiz parte. E ainda peno por isso.
Ensinam-nos que a evolução das espécies foi um processo natural de selecção e adaptação na Terra. Mas não nos preparam (nem tal poderia ser!) para o que supostamente nos rodeia de milenares e estranhas civilizações que tanto nos protegem como nos querem ver mortos. Uns e outros.
Estou viva mas não sei como. Ou talvez saiba, no que só Blue pode explicar e replicar em conhecimentos seus de posse e pertença que estão - admissivelmente - a milhares de milhões de anos-luz dos meus. Isso é certo! E por essa razão, o meu simples e insignificante ser terrestre ainda inspira, expira e sobrevive no antagonismo de um solo e céus inóspitos, corrosivos e pouco prazenteiros. Mas é aqui que tenho de contar todo o sucedido - ou continuarei a perder-me ainda mais na divagação do que este tempo que já deixei de contar me toma, como prisioneira ou serva sua, sem a contemplação deste parar. Mas não pára. Acelera, tal como ogiva nuclear em contagem decrescente. E isso, é a tal inevitabilidade cósmica de quem por aqui passa e tudo isto vive em agonia ou sobranceria, pois que já nada nos resta se não divertirmo-nos até com a nossa própria desgraça...
3 de Fevereiro de 2016 - O dia D da Invasão Extraterrestre
A noite estava calma, nada de tempestades de poeiras, cometas passageiros que fluem em ventos cósmicos ou um qualquer regurgitar estelar de lixos perdidos ou pequenos pedaços de meteoritos que entretanto vão caindo sem que o possamos evitar. Observavam-se as estrelas, as luas de Marte e até aquela doce névoa de nebulosas a dançar no ar para nós. Tudo perfeito, ainda que o auscultássemos através do capsular tecto modular da base que agora é o nosso lar.
Nada faria prever o que subitamente nos alertou para o que aí vinha. O Cérebro despertou e avisou-nos. Não estávamos na sala de comandos mas depressa aí acorremos pela urgência de vida que este se imputou. Desde aquele episódio de um «Regresso ao Passado» que esta sala me concedeu - e impreterivelmente o Cérebro me envolveu - que eu aí não entrava, até pela razão desta eu não entender, mesmo que não me estivesse completamente vedada. Só o Blue aí se investe, fazendo a sua própria investigação ou dissertação cosmológica sobre propriedades e entidades que eu não conheço nem podia. Por diversas vezes fui dar com Blue a debruçar-se em estudo - e pesquisa - sobre um painel intransponível para o grosso (ou ínfima parte) dos meus parcos conhecimentos, em que apenas consegui vislumbrar certas equações matemáticas ou raízes quadradas ainda por inventar. Tudo me era (e é, tenho de o admitir) um imenso enigma que Blue não pode nem sequer me tenta explicar, tal a sua intensidade ou aprofundamento de um conhecimento inacessível para as minhas meninges humanas de inferior amplitude, tanto de conhecimentos como de ensinamentos na Terra.
Equações, vectores, teoremas e uma estranha geometria ou trigonometria indecifrável e incognoscível (pelo menos para mim...) no que Blue se deleita em decifrar, amontoar e complementar - ao que pude apreciar. Blue, é um ser muito especial!
Todo o raciocínio lógico se adensa no Blue, à medida que vai avolumando esse exótico quadro matemático, como se estivesse à procura de uma nova fórmula ou de uma outra teoria que não a das ondas electromagnéticas, gravíticas (ou outras, além Newton, Planck ou Einstein) que esfumadas no Cosmos se aludissem naquele seu pensamento de ser supra-inteligente que é. A cada dia mais o admiro, pelo que é e me define pelo que sou, sem me correlacionar com este ser quase irracional ou advindo da Pré-História (como macaca dos primórdios em espécie hominídea de escassos conhecimentos ou evolução) - mesmo na actualidade. E mesmo admitindo não ser uma espécie muito esperta ou ser civilizacional supra-evoluído, há algo que me distingue e me faz insurgir sobre Blue ou outra qualquer espécie do Universo: ter alma! Se é que isso vale de alguma coisa...
Mas dizia eu... a noite estava serena. E tão serena que estava até dava para desconfiar. Nós, os terrestres, somos danados para a desconfiança na plenitude das coisas e, neste caso, das grandes calmarias. Só sossegamos quando há borrasca ou intempéries de alma. Foi o caso. Fomos lançados e arremessados para o pior dos pesadelos e quase sem fim à vista: eu, Blue e mister-T - o meu adorado ursinho-d`água ou cão fiel de «raça tardígrada gigante» que nos é - em convivência franca de uma espécie desconhecida na Terra. Só talvez em microscópio, o que não é o caso: mister-T é único! Como único seria este terrível momento por que passámos... e tão depressa não esqueceremos...
O Cérebro, emitindo luz, cor, e uma profusão de gráficos imbuídos de inteligível descodificação, fizeram Blue ficar alerta, no que eu considerei um mirabolante ou quiçá esfuziante festival multimédia de sons e cor, sem me aperceber de imediato do perigo iminente que corríamos. Mas foi perceptível o que Blue deixou transparecer de preocupação, vendo-lhe de seguida a tomada de posição de comandante de navio ou cosmonauta de nave espacial, seguindo criteriosamente todos os dados que o Cérebro lhe enviava. Foi aí que, tomado de uma outra consciência, arrevesou em voz cavada mas sólida para mim e para mister-T:
- «You must go, now»! (Tens de ir, agora!) «You too! (tu também!) disse Blue, virando-se para mister-T que, com as suas seis patas e a sua cauda enroscada se não impôs, baixando a cabeça submisso, no que, semicerrando o glóbulo ocular giratório, deu meia volta, saindo da central de comandos por onde se infiltrara. O caso era sério, até pela simples razão de Blue se me ter dirigido em inglês e não na minha língua natal, como se estivesse já em piloto automático na profusão de ordens e comandos ali instituídos de efeito imediato. Urgia decidir; urgia activar e reactivar, segundo as suas palavras. Foram as últimas que lhe ouvi mas em pensamento... e não me perguntem como. Tal como mister-T, acatei a ordem de retirada. Não podia contestar. Senti que tal não me era permitido, pois disso dependeria a nossa estada e sobrevivência ali. Uma Força Invasora vinha sobre nós...
Fiquei em pânico; o caso não era para menos. Mas ficar entre quatro paredes cinzeladas entre o nada e o tudo que poderia partilhar com Blue, fazer-me-iam precipitar para a contra-ordem ou vulgo profanação da mesma, incorrendo na desordem capitular do que Blue me instara. Mas não podia ficar parada. Tinha de estar a seu lado: para o melhor ou para o pior e, se o pior viesse, eu teria de estar consigo e não atrás ou longe de si. Eu sou muito teimosa; algo que o Blue já conhece de mim...
Voltei à central de comandos. E, em passo miudinho, fui-me abeirando de si. Temia a sua reacção mas não podia ficar imóvel, inerte ou estupidamente absorta do que se estaria a passar; e isso tudo, numa confusão mental sobre uma batalha campal estelar deixando-o só. Não podia e não deixei. Dei-lhe a minha mão que apertei na sua em sentido cúmplice, e senti-o apertar a minha também. Isso bastou-me. Não que me sentisse importante, pois daria um par de anos da minha vida para não ter de passar o que estava prestes a suceder: uma invasão extraterrestre, interestelar e moralmente adversa a tudo o que se poderia esperar se os seus intentos não fossem os melhores; e por certo não seriam. Blue depressa me elucidou de tal, fazendo um geral e rápido corolário desta civilização que vinha de frente a nós como gato a bofe, ou seja, com viscerais intenções de nos expropriar deste exíguo pecúlio territorial de Marte.
Fiquei estarrecida. Na escola ensinam-nos tudo ou quase tudo, menos a lidar com figuras dantescas demonológicas ou extraterrestres (e ainda por cima, malvadas!) que só vimos ou observamos nas telas de cinema, nunca ao vivo e a cores! Onde pararia agora o Conan, o capitão America, o Batman ou outros assim, além o «Armageddon» sobre a Terra que uns quantos astronautas feitos à pressa e de alegria estampada no rosto e capacete na mão, tudo exterminavam (lembram-se do Bruce Willis, o nosso salvador da pátria terrestre em face a um meteoro gigante...?) Onde estavam agora...?
As minhas pernas tremiam. Confiava em Blue mas temia que só a sua argúcia e inteligência individual não bastassem para combater aqueles zombies estelares de naves tecnologicamente perfeitas - ou aperfeiçoadas à colonização iminente de sorvedouros planetários que pareciam ser.
Mas havia que agir. Não havia espaço para oscilar ou para qualquer tipo de irreflexão, sobre aquela demanda de esquadra estelar hostil: Blue foi determinante. E agiu.
A Batalha Radioactiva
A tecnologia apresentada que o Cérebro compunha dava para organizar vários mundos num só mundo; eu sei que a explicação é por demais ineficiente sobre os verdadeiros poderes do Cérebro, pelo que Blue me explicou este haver ali. Como tal, enunciou-me de que a primeira solução seria de ordem não hostil (não-bélico, se se pudesse traduzir em termos terrenos, disse-mo); o que perfazia a circunstância imediata de efeito dissuasor sobre a força invasora, que se reportava de uma extensão no Espaço de radiações cósmicas; se esta não surtisse esse efeito, imporia uma outra de idênticos recursos dissuasores - ou similares efeitos redutores - e não de ataque propriamente dito. Esta segunda acção, na prática, nutrir-se-ia por uma propagação tóxica no ar em contingência irrespirável - e prejudicial à força invasora - assim que colocassem os pés fora das naves. Só em último recurso, se estas duas opções falhassem, é que ele entabularia um ataque mais invasivo ( e mais próximo de nós) de propriedades radioactivas letais (e de efeito imediato!) sobre os corpos físicos dos seres estrangeiros ou alienígenas desta tão poderosa e provocadora força invasora.
Num ápice, eu senti-me trasladada para um mundo da ficção científica, no que por momentos que não quero recordar - em apoplexia, incerteza e muito receio (para não dizer medo existencial...) - me deixei consumir e, retalhar, numa torrencial dúvida de grande temeridade - e perplexidade - em posse total de um medo sem glória alguma.
Quem conhece como os cientistas o que exorta da Cintura de Van Allen (zonas com partículas altamente carregadas que ficam aprisionadas, incluindo raios cósmicos e partículas de vento solar) sabe que o espectáculo não é nada bom de se reiterar, seja onde for. O que Blue me explicou posteriormente (já depois de todo aquele susto estelar) é que criou e, fabricou artificialmente, uma espécie de cintura magnética, reproduzida no espaço sideral a milhares de quilómetros dali, mas, com o efeito próprio desta, germinando numa actividade sumamente turbulenta e extremamente nociva. E, em que por aproximação ou exposição (através das partículas ionizadas, aladas aos raios cósmicos) como principal factor dissuasor, sê-lo-ia também em factor destrutivo, caso negligenciassem essa medida. O que era natural de protecção planetária em magnetosfera (que no caso de Marte não existe) ter-se-ia de fabricar, mas numa reiteração mais de repulsa do que de protecção, o que se repercutiu neste específico caso, segundo estimou Blue.
E tudo se resumiria a este plano. Plano que falhou. Gorando todas as expectativas, pois rezei como ninguém para que Blue tivesse sucesso, a força invasora infiltrada e agora já mais próxima do que nunca de Marte, foi tentando imiscuir-se - frenética e inexoravelmente - no planeta vermelho, fazendo Blue tomar uma medida radical: criar um escudo protector sobre a nossa base alienígena. Nem sabia que tal era possível. Se aquele era um filme, era um mau filme, pois eu não queria saber o fim; temia-o ferozmente. Mas colocar a cabeça na areia como as avestruzes não era condição; até porque, o Blue precisava de mim, desta terráquea branquela que lhe dera a volta ao miolo.
O plano era arriscado, confessou-mo. E eu acreditei, até pela visual consternação de Blue ao dizer-me que se este último recurso falhasse, estaríamos ambos mortos ainda antes do nascer do Sol. Como podia não acreditar...? Blue nunca me mentira.
Chorei. De novo. Queria abraçar-me a ele e dizer-lhe que se tudo estava perto do fim, então o melhor era ficarmos por ali, como se nada se tivesse passado, como se tudo tivesse sido fingido, esquecido ou até lamentado de um dia tal ter sucedido; termo-nos amado, termo-nos reestruturado, reedificado ou simplesmente restaurado como grãos de areia na concha em pérolas renascidas. Mas nada disse. Nem fiz. Fiquei estanque, muda e parva de todo. Nem sabia o que fazer, o que dizer, para mais se estas seriam as minhas últimas palavras a si. Como naquele épico do filme: «As Palavras Que Nunca Te Direi...» em que o amor é por demais invencível, além a vida, além a morte, além o Céu e a Terra. Meu Deus, poder-se-à amar alguém assim...? Talvez... sim. Sabia-o. Sentia-o. Então o melhor era silenciar, sufocar, e agonizar por dentro o que por fora talvez até me fosse por demais visível, mesmo que eu o não quisesse fragilizar, ante tudo o que tinha de enfrentar lá fora.
Olhou-me. Um último olhar, para quem ia dar a vida por mim, por ele e até por mister-T que se mantinha muito quieto como se temesse quebrar aquele encanto desencantado de tudo, até da própria sombra ou da mescla de vida que se extinguia a olhos vistos, de todos os três, numa esmiuçada vertigem que aumentava a cada segundo que passava. Seria o fim... o nosso fim...? Oxalá que o não fosse, orei para mim. E não foi. Deus estava lá. Deus está sempre lá, e aqui, e em todo o lado! Sempre! Penso que jamais duvidarei disso.
As Forças do Mal
Blue teve de ir estabilizar o localizador, ou o que na Terra relativizamos de uma espécie de GPS monitorizado e com quase vida própria que toma as decisões por si, numa mestria tecnológica ímpar (e desconhecida na Terra!) de funcionalidade impressionante. Não sei mais detalhes mas deu para compreender em toda esta azáfama de Blue, o quanto é importante e vital que estes sistemas funcionem de facto, numa ajuda imprescindível de outros coloquiais pontos decisórios em que estão infiltrados. Neste caso, para recriar o tal escudo impenetrável pela força invasora que até já sabíamos do nome e proveniência de AKK-ZA 551, nuns seres civilizacionais muito pouco razoáveis e nada convidativos (pois eram sobejamente conhecidos por espoliarem planetas atrasados ou primitivos mas de grandes e poderosos minérios) despovoando estes, eliminando-os de todas as suas propriedades e capacidades planetárias. Uns vampiros de alta tecnologia - concluiria Blue - perante a minha existencial cobardia de me ver já ser trucidada por uns quantos sem alma nem quebranto de me verem espartilhada e desossada. O cenário era cruel. Demais. Não podia ser verdade, considerei. Mas era.
Os Kappa eram - ou são, ainda hoje - reconhecidamente identificados na mais complementar mitologia terrestre, os mesmo seres que há três milénios se deram a conhecer por terras nipónicas, mas, numa atitude ou comportamento talvez mais benevolente com o que agora estes seus descendentes estelares impulsionam por todo o Cosmos sobre vários sistemas solares. E o que destes retiram depois de invadidos, coagida ou coercivamente extirpados de todos os seus bens planetários: são assim como que os Piratas das Caraíbas do Universo, pelo que me foi dado perceber em toda a sua essência malvada de secarem rios, mares e terras por onde passam. Possuem uma anatomia algo estranha em que existe um líquido (talvez semelhante ao líquido amniótico...?) em que, sendo este profilático mas essencial à sua vida ou existência como seres pensantes, se algo aí se introduzir ou estes se vergarem numa perca insubstituível, a consequência é letal! Ou seja, morrem! É nessa perspectiva que Blue tenta ainda consumir os seus neurónios em última instância da nossa sobrevida marciana...
Se superar isto, superarei tudo (dizia eu para mim). A radioactividade é, talvez, a mais silenciosa, invisível e temida grande força misteriosa que na Terra sabemos e, sentimos, como o grande demónio que leva as almas ao purgatório. Talvez seja mesmo a força de todos os males! Mas a sua existência e utilidade transcende-nos; até mesmo a nível cósmico, pelo que me deu a perceber Blue.
O limite é o que fazemos das nossas forças, daí que esta (radioactividade) fosse de facto a nossa última esperança e que, fazendo jus a Becquerel que a descobriu (no século XIX, na Terra), foi agora o nosso maior aliado pelo que, através desta sua elementar propriedade e, descoberta de não nos dar vida, também nos não traria a morte, inversamente ao que lhe é suposto. Nunca pensei ter semelhante amiga que cria cancros e prolifera na dor e na angústia da perca, almas imensas...
Esperei desalmadamente e com o coração a sair-me pela boca, por Blue. «Se sobreviver a isto, penso que serei imortal!» (era este o meu pensamento). E assim serei, pelo que depois observei de mim...
Blue, o meu Blue, mais uma vez colocou a sua vida em risco. Anafado com o seu anatómico e hermético fato térmico, o nosso fato de astronauta - ou comummente chamado de «armadura sideral» (que detém um peso incomensurável de 130 kg mas nos protege de certa forma da gravidade sentida) - tentou cerrar fileiras e tudo projectar a 100 metros da nossa base, nosso lar, em Marte.
O localizador e potencial suporte de ambas as nossas vidas (além mister-T, como é óbvio) portou-se bem e Blue também - mesmo com as baixas temperaturas sentidas e a sua evidente exposição a todos os perigos. Mesmo que possua o triplo dos meus genes (o genoma humano diz que o ser humano tem 30.000 genes) Blue não está imune de outros males.
O perigo espreita. O mal invade-nos da cabeça aos pés, pela base do que nos indicia até aos mais nano-poros da pele (ou mesmo por toda uma pilosidade minha que, diferentemente de Blue, se mantém eriçada como um felino que se vê confrontado por outro em seu território). A isto chama-se medo, eu sei. Nunca o fingi ou deixei de admitir; medo por mim, por Blue e por mister-T, na erradicação planetária que esta horrenda força invasora dos Kappa nos querem infligir. Meu Deus nunca pensei viver tal...
«Pai Nosso que estais no Céu...» (eu rezava, como rezava... ) e se tão perto do Céu estava, acho que Deus bem me podia ouvir, bem melhor do que na Terra, considerei. Não sei, mas acho mesmo que pela primeira vez tive razão, ainda que tivesse de ir buscar forças ao inferno para ter de soerguer e segurar Blue, que quase me desfaleceu nos braços. Mas a missão foi cumprida com êxito. Só faltava o resto. E esse «resto» fui eu que tive de o cumprir, dizendo mal da minha vida, por tão obsoletos serem os meus conhecimentos, vendo depois absorta e desmotivada, quão inferior eu era em escassos ensinamentos que na Terra sorvíamos ente o tanto que havia por conhecer. Mas não vacilei. Até porque Blue, mais uma vez, precisou de mim. E eu tentei estar à altura.
Quase me morria nos braços, Blue. Gostaria de ter possuído no momento o poder da levitação ou de uma maior gravidade sobre-humana que o pudesse erguer para mim, erguer para o mundo, aquele marciano mundo que, agora, apesar de insólito e decrépito, nos parecia o melhor lar que jamais houvéramos. Tínhamos de vencer, desse por onde desse...
Sabe-se que todos os tipos de radioactividade afectam as células vivas provocando ionização e, como tal, impulsionam todo o desenvolvimento anómalo celular, pelo que, o meu querido Blue tendo iniciado esse processo, sentiu em si esses efeitos - uma vez que a força invasora dos Kappa já estava num perímetro assinalável e considerável dessa bolha de protecção (já accionada também de potencial radioactividade). Quase o não superou, por muito que tivesse utilizado (pela primeira vez) o meu oxigénio, e se tivesse inoculado por via medicamentosa para esse efeito, na protecção física sobre essa nociva radioactividade.
A Derradeira Batalha
A radioactividade é uma propriedade de substâncias chamadas radioisótopos (umas naturais, outras produzidas pelo Homem, do que eu sabia em estudo e conhecimento na Terra) mas que, segundo o que Blue me referiu, possui ainda outras propriedades - alteradas artificialmente - de elevada eficácia. Nos mais macabros planos de qualquer ser civilizacional, a radioactividade tem mil e uma funcionalidades (quase sempre letais!) em que as moléculas ionizadas são quimicamente instáveis, participando em reacções anormais que podem destruir terrificamente estruturas no interior das células, perturbando assim a divisão celular destas ou alterar o modo de funcionamento delas. Seja no meu ADN, seja no dele, Blue. Só então compreendi a debilidade física e o horror a que Blue foi submetido, investindo-se fora da nossa base modular. O cocktail cósmico de partículas Alfa e Beta e raios-gama em radiação pungente, mesmo transportando energia, também no-la tiravam, aquando à sua exposição. Ou seja, Blue podia ter morrido...
Inumano foi o que se me exigiu. Tive de saltar barreiras e forçar-me a ser uma super-mulher que em dia algum pensei vir a ser. Tive de substituir o Blue, e nem sei como o fiz.
O Blue esgotou todas as suas forças no exterior. Sucumbiu a meus olhos, deixando-se amortecer, desidratar e, definhar, numa estatizante forma comatosa ou de hibernação - mas só após o hercúleo esforço despendido, após me ter dado rigorosas instruções através do seu computador (que mais parecia uma caixa de primeiros socorros) em extraordinárias capacidades neurotransmissoras de uso pessoal em sua exclusiva pertença. Nunca o abordei sobre aquela máquina pensante ou aquele instrumento que só lhe faltava falar mas que, surpreendentemente, deu vida àquela outra máquina - o Cérebro - que eu não sabia manejar. Só Blue o entendia. Eu nunca o pretendi, até porque me assustava de pensar e, sentir, que aquela «coisa» nos vigiava e nos submetia por algum meio à sua vontade. Estava tão enganada. O Cérebro salvou-nos. Ainda que eu lhe tivesse feito a cabeça em água, como se diz na Terra...
Desesperei. valha-me Deus (dizia eu numa aflição sem limites) como vou agora pôr isto a funcionar? - Blue, por favor, fala comigo, comunica comigo, não me morras, por favor...»
Nem vos passa pela cabeça o que passei naqueles instantes. Era aprender, fazer... ou morrer! O que escolheriam...? Eu preferi arriscar e não morrer. Devia-lhe isso, a Blue; ele, que tanto já fizera por mim... mas não foi fácil, reconheço. Estive à beira de um ataque de nervos, à beira de cortar os pulsos, se é que havia tempo para isso... mas não regredi nos intentos, até porque, me amaldiçoaria ao chegar (se chegasse...) àquela outra dimensão (ao Céu...?) mas perto dos meus filhos e do meu falecido esposo e lhe dissesse que tinha desistido, da vida na Terra e em Marte; do Blue e de mim, e até de mister-T. Porra, já eram muitas vidas em cima do lombo... não podia atracar esse barco de almas penadas comigo. Em frente é que é o caminho! Decidi-me, e ainda bem que o fiz!
A camisola de algodão, vulgo t-shirt, estava colada a mim como se fosse o meu próprio corpo: eu estava literalmente aterrada e lavada em suor. As minhas mãos geladas, o corpo frio e quente ao mesmo tempo, e as minhas preces degoladas ou entorpecidas que saiam da minha boca e da minha mente, entrando directamente em colisão com um pensamento desmembrado, coalhado e não aproveitado, fizeram-me sentir tão desfalecida quanto o Blue. Mas, em réstia de consciência e do pouco poder anímico que lhe via, Blue ainda teve tempo de me dar as indicações precisas para que o Cérebro compreendesse o caminho a seguir.
Era necessário invadir a bolha deste protectorado de escudo magnético, de radioactividade. Era necessário fazê-lo quanto antes, ou os seres de AKK-ZA 551 matar-nos-iam sem piedade. Era como se eu estivesse a guiar e, a monitorizar, uma coisa pensadora que os fulminaria de imediato, tal como simples agricultor usando de um sulfato ou herbicida agrícola potencialmente mortal. Ou um pesticida com forma de gente, sei lá.
Tudo me passou pela cabeça e, enquanto o fazia com a ajuda do Cérebro e de Blue que entretanto desmaiou perdendo os sentidos (pelo que o deixei de ouvir pelo intercomunicador da cabine), fez com que eu ficasse ao leme daquela máquina de sensores, gráficos, espectrómetros e tanto mais coisas de vibração, cor e inteligência perceptível mas não audível, que eu me deixei entretanto encorpar por uma mestria que jamais conhecera de vitória e avanço sobre as tropas estelares. E que entretanto (também) iam sucumbindo à força poderosa da radioactividade, implodindo uns, explodindo outros, numa devassa hemorrágica de massa encefálica líquida (ou o que eu considerei ser massa encefálica sua...) de espasmos, convulsões e dissecações, tudo num só momento, na eliminação imparável - e incontornável - de elementos invasores que pereciam que nem ratazanas, na contagem volumétrica de baixas estelares que a meus pés (ou olhos) imergiam. E morriam.
«Comam lá disto, seus grandes Filhos da Puta; seus reais Cabrões! (sempre desejei dizer isto!) e pronto! Agora sei o sabor da vitória. Agora sei o que sentiu a minha Padeira de Aljubarrota quando derrubou uns quantos castelhanos em tempos idos. E como é bom esse sabor!
Uma coisa que aprendi com a Inter-Exobiology é que se pode ser quase imortal, se se souber convenientemente por que estradas se seguir. Mesmo que o nosso ADN não seja uma sequência exacta de outros (ou mesmo as vertentes de subespécies evolutivas em genética alterada de processos híbridos) há que saber sempre os nossos limites. Ou tornar-nos-emos nos iguais monstros que anteriormente afastámos de nós ou eliminámos de outros nossos caminhos.
Por muito gozo que esta batalha naval in loco de invasão aérea ou espacial me tenha suscitado o que de melhor ou pior sobressaiu de mim, veio fazer-me baixar à terra mas em Marte, sobre o que consciente ou prudentemente eu teria de reconstituir, dissolver ou mesmo desintegrar, pois que como vulgar terrestre que era e continuaria a ser, o sabor da morte, o sabor negro da extinção, não se dever infiltrar em mim como séquito endógeno ou bactéria resistente que acaba, inevitavelmente, por fazer parte de nós. Eu não queria sentir isso em mim. Eu não quero isso em mim! E esse sim, seria (ou será um dia, porventura) o maior flagelo do maior subproduto alienígena que levaria à extinção de toda e qualquer civilização estelar: o pensar-se que se é indestrutível. Não o somos e não o queremos; e por isso se tem de estar atento: sempre! Algo que jamais deveremos esquecer.
Pior peste é sempre aquela que, estando sob o nosso olhar ou sobre o nosso campo de visão, a não queremos ver, numa cegueira inescrutável de sentirmos que somos superiores, maiores do que o próprio Cosmos. Por isso pedi perdão a Deus pelos meus actos; mesmo que em procedimentos de legítima defesa. Eles, os Kappa, tinham-no merecido e daí, a nossa sobrevivência (de todos os três) que mal algum faríamos a outros da nossa espécie - ou de outra qualquer espécie - se contra nós não viessem. Não foi o caso. Penso que Deus me perdoou.
Não sei o que foi pior. Se a luta, a batalha sem tréguas aos de AKK-ZA 551, se a minha luta por ver o meu querido Blue reabilitar forças, ânimo e sinais de vida que parecia não escoar de si. Tudo fiz. Soro nos lábios e nos olhos, e mesmo sobre as pálpebras que ele mantinha encerradas de cor e de vida, sem que sentisse o que eu lhe tentava aspergir em ténue sopro dele voltar a si. Cobertores térmicos para tentar manter a sua mediana temperatura corporal que, diferentemente da humana, não chega aos 20ºC. Massagens sobre o coração, que ainda ouvia mas temia que parasse de bater.
Mesmo tentando seguir regras suas do que habilmente lhe fui perscrutando da sua peculiar anatomia, senti nada mais poder fazer em ciclo disruptivo sobre o seu tão pálido corpo, inerte e sem vida.
A sua palidez dava-me um susto de morte, sentindo-o perder-se de mim. A sua pele parda, macilenta, e de um tom que não refulgia vida, criou em mim a certeza da sua não imortalidade; e isso doeu-me. Teria desejado a sua eternidade, mesmo que jamais nos encontrássemos de novo. Senti-me morrer com ele, Blue.
Não tive com quem comemorar a minha grande vitória sobre os maus, os das sombras da nossa infância, os monstros que nos acordam e levam para os seus mundos não terrenos. Só o mister-T me deu amparo na cumplicidade e, festividade efémera, saltando comigo, corroborando daquele não refreio ou enfático instante de Capitão-Gancho, comemorando vitórias suas. Além isso, o silêncio, a perturbação dos meus pensamentos, da minha solidão e da total impotência para fazer Blue voltar à vida. Dormi sobre o seu leito. Sobre o seu corpo. Mas não o fazia voltar e isso, foi talvez o pior momento da minha vida após ter perdido toda a minha família. Por muita felicidade que aquela virtual razia triunfal de quase playstation chamada de Cérebro me tenha feito retornar na dignidade ou na inteligível anuência de me sentir igual ao Blue, sabia que de nada isso valia, se acaso ele não voltasse para mim, para a vida de ambos, ali, em Marte.
Mas voltou. E tornou a ter aquela esplendorosa ou mui viçosa cor azul, cor da sua origem, berço e nascimento. O que para nós, terrestres, seria a cor da morte (de arroxeada compleição) mas para Blue, é a determinação vital de todos os seus sentidos, de toda sua saudável aferição na vida em anatomia, morfologia e metabolismo equilibrados. Penso que Blue não compreende muito bem o nosso estado febril ou agoniado de instabilidade física (e até psíquica) quando há algo de anormal connosco. Depressa o saberá. Agora que Blue está recuperado ou em vias disso, estou eu indisposta. Passo o tempo a vomitar num interminável saque de refluxo gástrico que sai de mim como excrescência de bruxaria. Ou Vodu. E vomito de novo; tudo. Tudo o que há em mim de todas as entranhas (ou o que me parece destas...) eu vazo por terra em líquido aquoso e, ácido, que me revolve tudo cá dentro e me debilita; e se expele de mim em tons de um azul que não sei descrever. Sinto-me estranha. E mal! E muito confusa. Mas tenho de o esconder de Blue pois não o quero preocupar. Depois de tudo por que passámos, agora só quero paz, muita paz e poder dormir abraçada a Blue, ainda que este não durma mas saiba que eu estou nas nuvens mas perto de si. Até quando... é que já não sei...
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