Há almas eternas, outras imortais e talvez até mesmo outras confortavelmente emanentes sobre o Universo; cabe-nos a nós descobrir quais as que nós somos, por outras que andam por aí...
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quinta-feira, 24 de abril de 2014
A Esperança VII
Alfa do Centauro - Próxima
Como eliminar a fronteira entre a felicidade e a completa anulação do que em mim fazem, subestimando-me o querer, a personalidade e o ensejo de continuar uma vida existencial e, terrestre? Sendo um mero peão no vasto xadrez de um Universo com mais de 15 mil milhões de anos e outras tantas estrelas perdidas em si, por que razão me consignaram sua escrava, sua prisioneira em peculiar grão de areia que lhes sou?
Ano sideral 3015 - Ano em tempo da Terra - 3060 d. C.
O Reencontro
Finalmente o ar despressurizado das cabines e, toda a leveza de uma atmosfera que eu julgara mortal em mim. Nada a reclamar, tendo em conta o que, cirúrgicamente, me terão afixado e implantado nos pulmões e supostamente na alma. Mas nada me faz quebrar o ânimo, o querer e mesmo o desejo de tê-lo só para mim, aqui e agora! Pousámos a nave - o veículo aeronáutico que nos conduz - até uma praia deserta de Centauro que, pelo conceito terrestre seria composta de mar, rocha e espuma; mas não. Não possui ondas. Não tem aquele ar indomável ou indómito do que eu conhecera na Terra, em ondas bravias e lindas, ainda que as recorde em projecção cinematográfica e holográfica do que o Sábio-mor nos mostrava em conhecimentos e culturas ancestrais.
A areia finíssima mas azul. O mar, esse, em pousio e ânsias de lago aberto, morno, cálido e da cor do Sol da minha terra de quando se despedia de nós a cada dia que passava, submetido agora em laivos anilados num crepúsculo de dia e noite conjuntos como eu, Aleunam e ele, Siul.
Despi-me do fato e de todos os preconceitos, se é que os havia. O meu corpo, o nosso corpo, era e será sempre o porto perfeito da reprodução e continuação, ainda que em circunstância anómala de criar seres híbridos, seres perfeitos para mim mas...sê-lo-iam para eles? Não me importava com os seus conceitos abstrusos sobre mim. Eu estava ali, e tentava ser feliz. Corri para o mar. Enleei-me neste e mergulhei. Siul precedeu-me e como ave migratória seguiu-me os passos, os intentos e, em espécie de valsa de pelicanos, enlaçou-me com os braços, o olhar e...o desejo de me ter, de me possuir num todo. Os seus lábios azuis que revelariam fragilidades em tremura ténue mas ágil, fazer-me-ia detectar em si, a sua entrega, o seu imenso amor por mim. Os meus lábios, os seios ou a púbis não eram mais relevantes do que as mãos, os olhos ou o tacto em si. Tudo era sentido. Percorria-me o tronco como dorso a lustrar e o peito em leito de rio trasvazado de desejos havidos. Sentia-lhe o mesmo fulgor dos terrestres, em poder e órgão genital de igual repercussão em veemência e acção sobre o meu corpo. A turgescência genésica era total e, em todos os pontos do meu corpo - e mal ele me tinha tocado...onde, penetrando, integrando-se em mim e eu nele, fomos um só em iluminação estelar em solo e ar, terra e mar. Sobre as margens daquele estranho mar, completámos um amor só nosso em voluptuosa dança de vagas marítimas que, ali, se não ostentava. E, em frémitos desesperados por se atingir o clímax - que o já havia em mim - só de o olhar, de o sentir, regurgitámos ambos em pura ascensão corporal e, espiritual. Sem pressas, sem acelerar o inevitável estremecimento de corpos em fogo e água, carne e desejo, fluidos e gemidos num gérmen de todo o querer e, de todo o sentir em prolongamento intemporal. Mas por fim, o êxtase intrépido, louco, balsâmico de dois corpos ávidos um do outro em batalha ardente - quase mortal - em que, o olhar de Siul pungido no meu, se deixou vencer num abraço eterno mas real. Ficámos assim...segundos, minutos, anos ou séculos...pouco importava se, nesse estóico e memorável momento, ambos fomos eternos um para o outro!
A Separação
Não necessitava de recorrer à glândula pineal - o terceiro olho invisível mas não divisível de conhecimento - para que desde logo intuísse que algo de muito grave se fosse passar. Ainda no veículo estelar que nos levaria a ambos à Próxima do Centauro, e já eu reflectia sobre a minha hipotética saída quase abrupta e sem explicação de Alfa do Centauro B. Deixaram-me ir com Siul como passeio domingueiro em perspectiva supervisionada - ou «super-vigiada» - do tanto que eu ainda ocultava sobre manobras futuras e, sobre mim.
Lembrei-me das palavras do meu antecessor e primordial antepassado que, vindo de Nibiru há milénios sobre a Terra, me confessava ainda em memórias que eu detinha: "O Passado lembrado no Futuro como profecia a entender...Deixem o Futuro, do Passado o Julgamento ser!" Que quereria ele dizer com isto? Que nos tínhamos de precaver no futuro, tendo como exemplo um passado que nos foi julgado, sentenciado, condenado a permanecer nas trevas? E isso...sê-lo-ia na Terra ou agora e ali, em solo centáurico?...
Tantas questões, tanta amargura que fui sentindo e nem mesmo de quando olhava sorrateiramente para Siul em cumplicidade e bonomia, pude sentir aquela paz de outrora sobre os campos verdejantes e virgens da minha sofredora Terra em solo e planícies atormentadas pelo dilúvio. Queria poder evocar os grandes espíritos para que me ajudassem na conquista dessa paz mas tal não me era permitido, sentia-o. Mesmo estando no Mundo Médio, das estrelas e da enorme esfera estelar - em que voava literalmente pelos enxames globulares de várias galáxias (e mesmo da M 13 de uma há muito deixada Via Láctea) eu não me sentia segura. Não estava segura. De novo a maldita intuição e...aquele cúspide aperto no peito. Mal conseguia respirar nem sequer soltar de mim, aquela estranha e doentia angústia premonitória.
A certeza veio com a rudeza dos factos. Com a assertiva flecha territorial em solo e espaço do planeta de Siul, na Próxima do Centauro. Armadilha, revulsão hedionda e assaz cobarde. Demasiado horrível para ser verdade!...Eu estava de novo prisioneira. Assim que aportámos na Base capital da Próxima de Centauro, as forças militarizadas aproximaram-se. Ainda nem a nave «arrefecera» numa aterragem que eu supunha perfeita, e já os desígnios futuros me arrestavam para o que eu mais temia: perder de novo Siul!
O Cárcere
Pior do que ficar só, é ficar com as lembranças, as recordações. E eu retinha-as todas em mim. Os abraços de Siul, os seus beijos, o seu corpo em mim e...todo o seu amor desenvolvido num apanágio de vibração, fantasia e consolidação sobre o que teimava em não esquecer ou, em deixar de sentir. O cheiro da sua pele (não muito diferente da dos terrestres em macio e veludoso toque...de poros e sentidos), o seu olhar penetrante e, confiante, mesmo de quando me levaram de si em gritos, pontapés e rasoeirada de impropérios e vernáculo não muito próprio de mim. Eu estava louca de raiva! De despudor, de tirania, de revolta, de mágoa e... de tudo e mais alguma coisa e clamei aos sete ventos que ali se não sentia: "Cambada de cabrões, filhos da puta! Quem pensam que são...? Não podem fazer-me isto, não podem!...Que querem mais de mim...? Já não lhes chega não me deixarem ver os meus filhos...? Não têm piedade?...(Como se «eles» soubessem alguma vez o que seria isso de, «piedade») Não têm vergonha...tirarem de mim os filhos, as esperanças, as alegrias...? Siul por que os deixas fazerem-me isto, porquê???
Siul era o rosto de um ser quebrado. Impotente e frágil, insolente também - no que então demonstrou em rebeldia e, igual incómodo, e mesmo repulsa de me estarem a separar de si - negando-se a acreditar de que, novamente, eu estaria apartada de si. Mas eram ordens superiores e nem mesmo Siul o podia contestar ou sequer alterar nem que fosse para me ver, só mais uma vez. Fui levada sem pejo nem glória, algemada na alma e no ser, como simplória terráquea daquele mundo inferior que todos eles me insinuavam pertencer. Penso que nunca me perdoaram a ousadia de me ter envolvido com um superior de Centauro. E nem a Siul, o desmando e a inferioridade individual sobre si, que este fez e incutiu por sua vez em mim e, sobre mim, de se ter dado de volúpias e pior, da contribuição estelar em concepção, reprodução e nascimentos subsequentes de quatro crianças mestiças, híbridas - e lindas - mas para eles, simples gnomos estelares, despojos corpóreos de processo de hibridização proibido e, de malformação inquebrantável. E disseram-mo! A uma mãe, a uma simples mãe, igual a tantas outras na esfera do Universo mas que ali, em gesto despudorado e displicente, mo atiraram à cara como a mais nojenta obra estelar em conluio com aquele que eu mais amava, para além dos meus quatro filhos, ausentes de mim. Mas não em mim.
O sentimento vermífero que eu detinha sobre eles, os ditos seres superiores de Alfa do Centauro, era tanto, que me roía as entranhas de tanto ódio, de tanta agonia. Podia matar até. E isso, era-me proibido, eu sabia. Não podia deixar-me levar por tanta maldade e tanta monstruosidade sobre a minha pessoa, só por ter interagido e...amado um ser superior. As hierarquias feriam. E por vezes matavam quem menos o merecia, como parecia ser este o meu caso. Flagelei a minha alma. Perdi tudo, de novo, senti.
Mesmo sendo eu matéria e anti-matéria, em círculos de fotões em produção imparável de pares - como objectivamente se faz no Espaço estelar em colisão destes e vice-versa - eu e Siul manteríamos a nossa chama acesa, ainda que por vezes esta se extinguisse por mão e obra externa à nossa vontade. Mesmo perdendo as estribeiras de humana que sou em verborreia que em nada me dignificou, ainda assim extravasei o que me ia na alma de me terem em presidio - e posterior julgamento - do que eu não saberia ainda e, também em posterior condenação; novamente! Estava derreada. Completamente rendida à minha dor da traição, crime e castigo estelares.
A psicoplegia sentida (desfalecimento psíquico passageiro) revelava-me da tamanha fraqueza havida e do simples grão de areia estelar que eu era para eles, os de Centauro, e todos os outros. Aquele sentimento de incompletude e a perda do sentido real das coisas em patologia ou sintomas psicasténicos, levá-los-ia a medicarem-me por hipnose numa letargia demente. Não manobravam completamente as nossas mentes mas sabiam deveras bem - e mais do que o devido - manipularem-nos as defesas, nas poucas que eu exibia agora sem forças, sem quereres, sem nada! Sentia-me extinta ou perto disso, à semelhança dos meus ancestrais Vrishnis e Andhakas que foram eliminados da face da Terra há milénios - por muitos destes estelares em guerras invasoras nucleares de dez mil sóis sobre o meu (sempre) mártir planeta como algo endémico e não indelével através dos tempos. Quem me valeria...? O meu Deus-Uno? Ouvir-me-ia Ele? Acorreria à minhas veladas e sofridas preces de auxílio? Deixar-me-ia Ele também...? Esperava que não. Já nada tinha a conquistar, senão o medo e o desespero de uma simples humana, mulher-fêmea, mulher terrestre sem nada de meu. Para «eles», uma simples e negligente terráquea mas para Siul...seria ainda a sua amada? Esperaria por mim? Lutaria por mim? Buscar-me-ia depois em Prócion, para onde me desterraram...? Teria forças e vontades de me libertar daí? Continuaria a amar-me, ante tantas agruras, tantos presídios, tantas contrariedades?
Oh meu Deus-Uno, fazei com que Siul me não esqueça em mnemónicas injectadas sobre si que o façam esquecer-se de mim, libertar-se de mim...não deixeis por favor...não permiteis meu Deus-Uno e Senhor do Universo, pois que mais nada nem ninguém tenho a apelar, a suplicar...a rogar eternamente que se faça justiça e me liberte deste cárcere maldito! Meu Pai, meu Deus-Uno, vem pois em meu auxílio e traz-me Siul e...os meus filhos e...a alegria de viver que já se me esvai por entre o corpo e a mente em alma perdida, enevoada, cinzelada de negro. Ajudai-me Deus-Uno...ajudai-me!...
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