Desilusão. Penetração intelectual. Percepção da realidade despojada de qualquer traço sensível. Lucidez absoluta de julgamento. Imitação integral. Morte iniciática. Separação. Ascetismo. Inflexibilidade. Incorruptibilidade. Poder de transmutar, capaz de regenerar um meio corrompido. Fim necessário. Fatalidade. Fracasso cuja vítima não é responsável. Transformação radical. Renovamento. Herança. Influência dos mortos. Atavismo. - décimo terceiro Arcano maior do Tarot de Marselha -
É este o meu destino para o belo ano de 2013. Calhou-me em "sorte" a carta décima terceira do Tarot. Feliz ou, infelizmente!... Dá para reflectir. E mudar. Mudar tudo. Seria estúpido se o não fizesse. Há muito que o deveria ter feito. Transmutar tudo o que me vai na alma e dissecar o que não presta e deitar fora como lixo tóxico, a não reciclar. E quando nos dita em destino e mau augúrio uma carta destas que tem na sua figura, um esqueleto feio inquisidor e feio, então pouco nos resta. Dizem que não é assim, que apenas nos transmite a revolução de coisas existentes para outras mais permanentes, ainda que não totalmente, isentas de dor. Para quê preocupar-me se foi sempre assim comigo, há décadas. Tudo na vida tem dor, muita dor. começa-se pela dor do nascimento até ao da morte em desígnios pérfidos e morosos que ninguém quer para si. Sei do que falo. Atingiu-me em seco, aquando a vi de perto, à morte. Não a minha mas de alguém próximo que pereceria de uma doença que veio sem se anunciar e ceifou essa minha jovem amiga sem piedade ou perdão. Sucumbiria a uma meningite fulminante com um nome indecifrável mesmo a nível clínico e que a relegaria para a ultrajante estatística terrena, dos que são ceifados da Terra ainda em idade precoce. A minha amiga C. era uma força da natureza e esta a si levou para a terra desconhecida do nunca e que todos um dia, iremos descobrir. Uns mais felizes do que outros. Os que se agarram mundana e ociosamente, aos bens terrenos...esses, vão mais contrariados e supostamente, mais atormentados.
E depois, veio a morte do Feher. O jogador do Benfica que lindo de morrer (e esta é uma expressão maldita que não gosto e até parece dar azar...) haveria de tombar por terra no chão do relvado no estádio do Sport Lisboa Benfica. Mais azar do que isto...enfim. Foi um dia trágico de um mês trágico em ano trágico. Deixei o meu trabalho, deixei tudo. Revolvi a minha vida em busca de uma perfeição que não havia nem em mim nem no mundo à minha volta. pensei andar de uma quimera que me revelasse de que eu era especial e de o mundo precisava de mim, mas nada mais. Nada aconteceu. Se Deus colhia as suas sementes na Terra desta forma tão pouco arbitrária e injusta mesmo, considerei, por que raio haveria de se quedar de mim, uma mulher como tantas outras à face da Terra? Mas chega de lamentos ou lamurias idiotas. Não interessa falar de mim mas do que penso existir à nossa volta. E acreditem, existe muito!
Ainda no meu posto de trabalho e senti que não estava só. Não estava de facto. Éramos dezenas de elementos naquela enorme sala de exíguos cubículos individuais em que cada um fazia a sua respectiva função, ainda que por momentos nos déssemos à cavaqueira entre nós para desespero e fúria mesmo da supervisora que tal como nazi presente, nos instigava num recolher obrigatório de total cerrar de fileiras. Não éramos desobedientes mas também não éramos cães de fila para dizer a tudo que sim.
Nessa tarde de um Verão inclemente em que nem os ares condicionados dariam vazão ao ar quente que nos asfixiava o peito e depunha as gargantas secas (não nos era permitido possuir garrafas de água, perto dos computadores nem sair do posto de trabalho muitas vezes para matar a sequidão) e, numa escuridão pouco usual, para que a temperatura nos não fosse ainda mais castigadora, eu senti as mãos da C. apertando-me a cintura em jeito de menina traquina como tantas vezes o fizera em vida e, na brincadeira comigo. Estremeci. Primeiro, achei que era alguma partida de uma ou outra colega de profissão que entediada como todas nós, se servira de um momento de jocosa e acriançada fugacidade para mexer as hostes e dar um pouco de ânimo àquele antro de belas adormecidas que quase éramos. Mas não. Inquiri a minha colega do lado e esta nada viu. Disse estranhar o meu reflexo de salto na cadeira e grito agudo por algo que lhe parecera ter-me picado sem que algo vislumbrasse. Olhei em volta...tudo sereno. Ninguém com ar efusivo ou de festa, muito pelo contrário e ainda por cima, não era sinónimo de fim de semana para arrebates daqueles. Algo me dizia que tinha sido ela...e que me tinha vindo visitar. Senti-lhe o perfume. Era ainda tão menina...nem perfizera os vinte anos de idade. Orei por ela. senti que me vinha dizer que estava bem e feliz, lá onde estaria.
Nessa noite rezei. Por ela e por todos os que eu conhecera e amara que já desta vida, haviam partido. Fiquei em paz. Acreditei que esse mundo era bem melhor do que o nosso.
Morte ou...vida? Eles também estão entre nós. E não são fantasmas mas almas a erguerem-se, a elevarem-se ao céu. Podem ser anjos, podem ser muita coisa não terrena. Mas ouvem-nos, escutam-nos e sofrem connosco. E nós, damos-lhes muito trabalho, estou certa. nem sempre cumprimos as fidelizações de Deus na Terra. Somos seres ainda muito imperfeitos mas lá chegaremos.
Quando referi o Feher, apenas o fiz em respeito e homenagem, no que marcaria em certa medida a minha vida do que não desejava perpetuar em fardo e fadiga e do que tinha a preservar em missão e destino. Fazer voluntariado em África ou oferecer os meus humildes préstimos e serviços a quem de mim mais precisasse mas acabei por me manter numa nulidade aberta e neutral entre o que almejaria como conto de fadas sénior e um outro caminho mais sóbrio e racional, mesmo tentando ser útil de igual forma.
O ano ainda não acabou e a ceifeira da dita carta de Tarot, perseguindo-me como Jack, o estripador ( e fazendo de mim, a sua inocente vítima) dita-me de que novas virão aí. Vai doer. Sei que vai mas não vou desistir. A minha avó que matava coelhos à paulada e galinhas de uma só virada (Deus me perdoe) mas também não era mulher de desistir. Só não vestia calças mas enxertaria de porrada o mais vil que se lhe afrontasse, caso lhe pusessem em desonra os filhos e os cadilhos da sua vida. Não sou como ela e nem sei se gostaria de ser. Mas adulo em parte, a sua vocação de capataz que a tudo afoitava sem medos ou degredos. E não acreditava em fantasmas. Mas em bruxas...isso era outra história. Conhecera algumas, ter-me-à dito um dia. E eu, acreditei. As de hoje, já não possuem buço, verruga ao canto do lábio e uma fuça que meteria medo aos cães mas antes, esbeltas e famosas certamente, e de venenos ímpares, concertados e consagrados em muitos dos seus inimigos. Mas isso, são outros quinhentos...como se diria nos séculos passados na minha terra. São outras contas, outras histórias por contar...