Translate

sábado, 23 de janeiro de 2016

A Experiência


Marte: a interposta realidade entre a Terra e o nada...

A última mensagem...
A Terra, a 225 milhões de distância, o que é isso comparável a tudo o que se pode obter em Marte...?
Na vermelhidão do que nos rodeia, no turbilhão do que nos foi usurpado, que mais restará de ti e de mim, que nada somos nesta esfera vulcânica seca, desértica e sem futuro algum. Poderá haver esperança de retornar à Terra...? Tu e eu sabemos que não. Tu e eu sabemos o que nos foi aqui deixado: o túmulo, o secreto e não sagrado túmulo com visão para o planeta azul: o da água, o dos oceanos e mares que também não viste, não abraçaste, não sentiste nem navegaste como eu, por anos e anos de conquistas e desistências mas que, era o meu planeta, a minha terra. E agora...o que nos fica disso tudo...? Nada!!!

Janeiro de 2011 - Planeta Terra
Há dois anos que não sei o que é viver. Fui brutalmente decepada do que mais amava na Terra: a minha família. Sobrei eu. Sobrou o desperdício de mim. Mais valia ter morrido! Fiquei sem nada. Fui espoliada do que me fazia viver, do que me fazia levantar de manhã, sorver o café forte e as torradas meio-queimadas com aquela manteiga esbatida de gorduras poli-insaturadas que os publicitários tanto apregoam em benefícios de saúde complementar. Os lanches escolares, os deveres quotidianos, os risos das crianças, as minhas crianças, e a tua gargalhada matinal mais de desdém do que sensual, entre o que dizias ser obrigação e dever - e nunca o prazer - de se estar a viver não para nós, mas para a descendência em repercussão ancestral do que a Humanidade fazia há séculos: trabalhar como escravos sem lucrar nada com isso! Nem pelo crescimento da tua progénie que amavas sim, mas sem o deleite de te rebolares com eles aos domingos ou aos feriados, pois havia sempre que fazer. Mas éramos felizes, pelo menos penso que éramos felizes nessa época...

A Experiência/Ensaio Clínico
A janela da clínica - mais prisão do que hospital - rejubila de um encanto mórbido por entre as frestas deste cubículo onde me encontro e, onde sou, agora, uma cobaia humana que uns senhores de branco me dizem ser a minha maior obra na Terra: ser o veículo biológico perfeito para a erradicação de doenças, como se eu fosse um gigante linfócito-T humano, na limpeza radical de uns quantos antigénicos assassinos que por aí andam; mas compreendo. Fui eu que quis, ou melhor, fui eu que me deixei sucumbir perante o que ainda poderia restar de mim em benefício da Humanidade.
Eu, que abomino seringas! Eu, que odeio hospitais! Eu, que tenho asco a tudo o que cheire a éter, ver-me assim seduzida, abduzida e, estropiada, em consubstancial análise laboratorial, só porque não tenho já nada a perder! Sou um anti-viral bacteriológico ambulante que me aferem vir a ser precioso, segundo as contingências biológicas (e biotecnológicas) futuras; e eu acredito. Estúpida e desinteressadamente até acredito, ou finjo acreditar. Não me interessa. Não quero saber.

Poder-se-à fazer uma lobotomia da alma...? Esquecer-se tudo...?
Ainda sinto o cheiro a óleo derramado no alcatrão... o cheiro incinerado dos pneus do automóvel em relincho de metal e desintegração com os nossos corpos lá dentro. Depois um zumbido; forte, muito forte, e depois o silêncio. O Fim. Acabou tudo. O que podia ter sido, o que devia ter sido, e jamais será agora. Fiquei só. Fiquei morta por dentro e, amaldiçoando um Deus que já não era o meu, desejei ter sido eu a morrer. Mas não morri, e odiei-me por isso. Deus (ou quem tenha sido...) levou-me a família, levou-me tudo de mim; e eu, inerte, seca por dentro e por fora, louca em mim e de tudo o mais, fui-me fazendo sobreviver só com a noção de que um dia, em breve, com eles estaria: com os meus meninos, com aquele que eu escolhera para envelhecer e talvez odiar ou amar ainda mais, quem sabe...? Mas Deus interpôs-se (maldito seja!)
Deus foi o meu pior inimigo no que me ceifou, no que me dilacerou, no que me coarctou de tudo isso viver de bom ou de mau, na vida de todos nós. Que Deus pode ser este que a minha alma arrancou...? (ah, como o odiei!) E mais ainda, na hedionda seara que fez das almas inocentes da minha família que tantos projectos, tantos planos, tantas ambições eu construíra naquele tão alto e belo castelo de cartas que agora ruía. Deus não era bom; não podia ser bom! Deus era o Demónio; eu... não tinha mais Deus! E se para tal lhe tinha de provar o quanto estava com Ele magoada, eu Lho provaria, sendo a mais descrente ao cimo da Terra e, no que ainda nem suspeitava fora desta e, para todo o sempre! Mas sempre, é muito tempo...

E os ensaios clínicos continuaram...
Fui injectada (como clinicamente se diz, por intravenosa) milhares de vezes, analisada, vigiada, inspeccionada, virada do avesso em quase tortura maquiavélica (será que Maquiavel tal terá alguma vez pensado nisto...?) e, não fosse ser isenta da dor, ou talvez daquela outra em que a provocamos só para nos sentirmos vivos, sacamos dos nossos piores brios pessoais e usamos de sarcasmos - ou sadismos ainda mais corrosivos, tentando que nos matem à força! Eu quase consegui.
Mas sobrevivia. Enquanto outros voluntários morriam como tordos, eu sobrevivia a todas as patologias apresentadas e, reiteradas ou inferidas, no meu sistema imunitário. Sentia-me uma bomba atómica clínica ou quiçá tangencial granada de mão que ao mínimo toque, explode. Mas aguentei. Era por uma boa causa, diziam-me; os ensaios estava a correr bem (porque mentiam...?) e eu aceitava de bom grado mas não de boa condição, pois só desejava que estes falhassem, tal como teste negativo de histocompatibilidade, como se fosse um rim ou pulmão rejeitados de um qualquer cadáver ainda quente. Mas nem isso me era permitido; tinha de sobreviver, asseveravam-me. E de novo, eu acreditava. Também já nada importava...

Até que os pronúncios se tornaram óbvios e tão claros como água em cascata: eu estava a liderar a coisa: aquela estranha e fúngica coisa clínica de estar a superar toda e qualquer taxa de mortalidade (ou de sobrevida após intensa ou difícil cirurgia de ablação) do que me instavam em corpo e mente. Porque, aliás, também a nível neurológico as coisas não andavam bem: não no âmbito clínico mas no psicológico; algo que os investigadores científicos não queriam saber: eu era o cidadão-alvo perfeito em género universal feminino para estas experiências - não tinha família, não tinha responsabilidade oficial ou legal de outrem que me pudesse dali retirar. Eu era escória clínica, lixo tóxico; até para os que me rodeavam. Quem se importaria com uma bomba-relógio de ninguém...? E tudo continuava...

Eu era o que se podia chamar de: a senhora Imunoglobulina, criando anticorpos (em todo o lado!) sobre os restantes que entretanto por mim iam passando; uns porque rejeitavam o tratamento ou terapêuticas abusivas em si, ou porque, a determinada altura, lá achariam que a compensação monetária ou pecuniária não seria tão substancial assim, que merecessem perder a vida ou o que restaria desta em saudável relação até aí. Nem mesmo, pelos esforços encomendados de laboratórios e farmacêuticas sobre pobres almas penadas, que não tiveram a sorte ou a desdita de se terem feito sobreviver pelos êxitos entretanto havidos e, sobre determinadas doenças terminais.

Tudo passava por mim: a dor, a descrença, a desesperança e a morte! E eu, a tudo assistia. E de novo me retratava letárgica, absorta e tão fantasmagórica em versão zombie, como os desencarnados desta nova era cinéfila que agora se assiste, e eu me via como passageira de um tempo que já não era o meu. Ser-se moribundo ou tombar perante o estertor da morte em completo alheamento, talvez seja bem pior do que a morte em si; eu sentia-o. E vivia-o na plenitude; e pior, parecia estar a adaptar-me a isso e até a gostar, deliciosamente, de estar a viver aquele mais penoso inferno em vida! Tal como o meu sangue que, da mais pura essência vermelha em natural hematologia eu via secar (ou empedernir!) como se soda caustica fosse. As minhas tão martirizadas veias - outrora as vias de uma vida saudável - foram de seguida os meros afluentes secos de rios poluídos, de enchentes anómalas de vírus, bactérias, e demais agentes patogénicos de um sem número de segmentos malucos que devem ter confundido o meu ADN, como se estivesse em plena mutação constante. Sentia-me o «Hulk». E os médicos sabiam disso!

7 de Janeiro de 2016
Irónico, não é...? O meu sangue já não me fervilha nas veias; nem o resto! Os cobertores térmicos (portugueses!) são o que de melhor se fez, ou já estaria morta por aqui. Felizmente que anteciparam a produção e ainda me foi possível trazer alguns para este cubículo cavernoso de Marte. Estão quase -70º C (estamos no Inverno) e por mais que o meu companheiro de viagem e infortúnio me faça realçar as belezas nocturnas deste céu marciano, eu continuo com raiva, com ódio, e com muita mágoa de mim própria por ter sido a cabra mais estúpida à face da Terra!
Talvez seja bom explicar: depois de ter perdido toda a família, de ter sentido que não era mais do que uma simples e estuporada carcaça humana, deixando-me invectivar de micróbios e toda a panóplia de microrganismos internos para a investigação pormenorizada de terapias que o não eram, fui literalmente coagida, influenciada e, minuciosamente encriptada, para uma futura missão suicida. O que se seguiu, é digno de registo: fui pré-concebida para enfrentar os piores desígnios atmosféricos, climáticos e de prospecção no terreno fora do planeta! Fora da Terra!
De início, julguei que estavam a gozar comigo. Depois pensei que tinham ensandecido numa loucura alucinogénica espacial (ou de alto índice psicotrópico), em que o comum e desgraçado peão que eu era, lhes ia dar uma mão cheia de nada, se anotarmos a total ignorância dos meus conhecimentos e, vivências, aparte este mundo; o meu mundo. Pensei mesmo tratar-se de uma partida de Carnaval (mas este ainda ia longe...) ao que tive de ouvir e submeter-me, confidencialmente, aos seus ditames bacteriológicos com finalidades muito sectoriais ou centradas no Espaço - mais concretamente em Marte. Só podiam estar a gozar!
Por mais magnificente que eu fosse (ou me induzissem majestosamente nessa velada mentira...) em inoculada terráquea de escudo e fortaleza contra todas as bactérias nocivas marcianas, eu ainda era uma pessoa. E com direitos!? Ou não...? A resposta foi imediata: Não!

Diário de Bordo (em Marte!)
Estou a elaborar uma espécie de «diário de bordo», se é que posso ousar e, utilizar, este termo. Não comando nem navego; não ordeno nem distingo - apenas ouço, escuto e faço o pouco que me é dado aqui consultar e objectivar, agora, o que comigo ficou.
Ninguém acreditará em mim, na Terra. Nem eu acreditaria! Do meu lado, no momento actual que agora vivo, enrosca-se nas minhas pernas algo a que se poderia chamar um cão (mas, acreditem, não o é... antes um ser desconhecido, peludo e afectuoso, mais parecido - ou perceptível de o ser - só comparável a um Tardígrado gigante). Para quem não saiba, um tardígrado, é um ser microscópico que existe há mais de 600 milhões de anos na Terra, mas que possui menos de um milímetro de comprimento e que resiste a temperaturas extremas muito baixas. Neste caso, é exactamente igual mas tendo a dimensão ampliada numa macro-anatomia dinâmica que o faz assemelhar a um canídeo, ainda que possua um só olho. Foi o nosso «bombeiro»de salvação - o nosso guardião-mor - ou já estaríamos ambos soterrados numa imensa cratera cravejada de poeiras e pó, devido à enorme tempestade de areia que por aqui se levantou. Pensei tratar-se do último dia da minha vida. Mas não foi! Foi só... o início; de quê, é que eu ainda não sei... mas não estou só. O «Blue», como eu lhe chamo (pois não é terráqueo como eu, mas advindo desta minha igual má-sorte de termos sido ambos abandonados ao nosso marciano destino, e que, idêntica e cumplicentemente, me acompanha neste périplo sobre os solos de Marte. Irreal, não é? Também me pareceu, ou não estaria aqui e agora...

Os módulos em Marte que a Space X para aqui mandou (o que na Terra não sabem e apenas perspectivam para 2020...) já aqui chegou. Foi para estes que me integraram, depois de ter feito exercícios inumanos de anti-gravidade, suspensão, sustentabilidade e suporte de vida igualmente sobrenaturais! Eu não sou astronauta nem o poderia ser... nunca! Mas eu tinha para eles algo de especial, de morbidamente especial para eles usarem através de mim: a análise prospectiva de solos à superfície e, biologicamente falando, saber se haveria maior nocividade de implosão anatómica sobre o meu metabolismo humano de terráquea que sou. Penso que não foi só e, apenas, a displicência (ou maledicência!) de me enumerarem virtudes que mais tarde se me afiguraram como amplitudes falsas - ou mesmo fraudulentas - face à minha expectativa mas, também, perspectiva de eu poder ser imune a todas as ocorrências de vírus ou agentes patogénicos marcianos. Nem tudo foi erro ou engano, ou já estaria no mundo dos mortos!

Mas houve desvios; em particular, nas evasivas do que me não queriam aprofundar em realidade efectiva - e não virtual - dos potenciais riscos que correria neste exótico ambiente de Marte. Algo que depressa reconheci, mesmo sabendo das enormes defesas inseridas em mim de grande e óbvia espectacularidade, revestidas também de acções complementares algo anómalas, no que biotecnologicamente se consumou na minha pessoa. Práticas estranhas - alteradas e manipuladas - que de mim fizeram um autêntico tanque blindado celular de estranha compleição molecular em espaços hostis. O que me dignavam poder ser uma heroicidade e, superioridade vigente, eu senti (logo depois...) a exactidão da profusa confusão em que estava metida. Eu era e, sou (para todos os efeitos e efectivos), um blindado terráqueo de condição suprema de capacidades máximas, do que pode levar um ser humano a executar; assim como na sustentação de sobrevivência (e alguma subsistência) duma espécie de arrasto de super-batalhão de imunidade bacteriológica que sobrevive às condições mais inóspitas, rudes, ou mesmo letais, para o comum cidadão terrestre. Agora, eu era o Rambo no feminino (senti). Ou seja, foderam-me, e eu deixei que o fizessem...

A noite, hoje, está brava! Mete medo (mais do que o costume!) mas eu aguento. Tenho de aguentar. O Blue diz-me que temos de ir para as regiões equatoriais (onde estão os calorosos e, mui positivos,20ºC...) no que, se o conseguirmos atingir, poderemos ter a resquícia esperança de sobrevivermos a estas intempéries marcianas. Não vai ser fácil, mas não posso desesperar. Tenho de o prometer a mim própria e, querendo agora acreditar que tenho anjos a velar por mim (naqueles que Deus me levou) também olham pelo Blue e até pela coisa esquisita que só falta abanar a cauda. E, através deles, dos meus anjos e dos que me acompanham, saberei o caminho certo para lá, para essa tão abençoada zona sem que me regelem mais as mãos que há muito não vejo sem as luvas do fato completo. Preciso de um banho. O Tardígrado também. Eu chamo-lhe o «mister T». E ele vem; só não ladra. É um bom amigo!

Temos de nos aproximar dos vales para reactivar a água que está gelada nos seus canais. A informação apesar de escassa, veio em nosso auxílio, aquando julgávamos impossível que houvesse água líquida no fundo ou no cimo das ravinas, pelo que a NASA/ESA nos facultou em assimilação científica dessa possibilidade ser-nos só uma miragem; assim como a atmosfera que todos declinávamos em adaptabilidade ou consistência de habitável convívio com a nossa morfologia humana. Esse, um dos maiores embustes talvez (quem o saberia, sem estar devidamente equipado?), mas também, aqui, uma das maiores revelações, pois que, a atmosfera, sendo numericamente 100 vezes menos densa do que a da Terra, também nos não é completamente adversa, a não ser quando surgem as nefastas tempestades de areia em ciclos ininterruptos ou quase contínuos de pó e poeiras. Tirando isso, estamos bem. Ou, pelo menos, ainda não morremos! Estamos a tentar romper as estatísticas que nos dão como mortos e, a estabelecer outras que nos irão dar, num futuro próximo, como os heróis mais parvos que sobreviveram em Marte! Não quero lápides nem homenagens, só quero justiça! Acima de tudo, pelo que nos fizeram aos dois (ao Blue e a mim) destituindo de forças e de conceitos de direitos universais espaciais, no caso do Blue, interestelares) de nos deixarem morrer à míngua, ao frio glaciar - e à solidão - em contar os dias e as horas até ao término do último segundo como cepos gélidos sem história. Nunca lhes perdoarei! Não estamos perdidos em Marte, porque - abrupta e rudemente - fomos ambos deixados à nossa sorte, intencionalmente! Desta vez, numa outra experiência sem fim à vista...

De que me vale agora ser um torpedo à prova de bala geneticamente alterado, se nem posso fazer uso das prescientes experiências neurológicas que na clínica iam dando comigo em doida?! Bem posso resumi-lo ao Blue, que ele faz por entender mas que, sem serem necessárias grandes telepatias, ele me incita a esquecer por me ver sofrer; o que já é mais um ponto acumulado: o Blue sabe o que é sofrimento e isso aproxima-nos. Mas até que sinta o que eu sinto, vai uma distância ainda maior do que da Terra a Marte...
Resta-me pouco oxigénio, o que me pode ser fatal. Tenho de ser prática; ou isto rende ou estou lixada! Felizmente que o Blue deste não necessita ou então teríamos de fazer uma espécie de roleta-russa para ver qual viveria mais um segundo que fosse. O «mister-T» também não, o que me confunde por vezes, tal é a sua habilidade de movimentos, inteligência e práticas absolutamente indistintas a qualquer animal comum na terra. Só lhe falta falar; é um ser estrondosamente diligente e muito útil. Chega a ser comovente a forma como me trata, até mesmo em deferência ou em relação ao Blue; talvez porque seja um tardígrado canino macho ou, então, um espécime deveras especial que se preocupa de facto com o meu bem-estar neste sórdido lugar de ninguém! Dou-lhe festas, por mais que o tacto não seja rigoroso devido às minhas luvas mas também pelo que observo deste seu pêlo algo complexo e de textura desconhecida, por tão espesso ser e, de certa forma, tão impenetrável ou isento de neste se perfurar qualquer objecto ou substância estranha: da pulga marciana ao mais inacreditável micro ou macro-organismo; até porque «mister-T» não deixaria...

Enfatizando (ou tentando ver pelo lado positivo!) algo que seria supostamente traiçoeiro e até mortal mas que agora eu vejo, em mais detalhada observação, do que a hospitalidade de Marte (ou falta dela) talvez não seja assim tão agreste. Apesar da crosta marciana ser composta por basalto vulcânico, a sua superfície repõe outros componentes que mais tarde nos serão úteis: o seu manto é coeso de «peridotito» ou seja, na área geológica, é o que se determina por uma rocha composta por silício, oxigénio, ferro e magnésio o que, com as capacidades sobrenaturais estelares de Blue, vamos em breve conseguir o elemento indispensável para recuperar certos aparelhos que ficaram mudos de repente. Não sei como Blue o faz, mas as suas azuis mãos (também encobertas pelo fato espacial) são magistrais. Consegue criar a magia necessária para recalibrar o seu computador pessoal (que ele me diz não ser um computador, pelo menos na percepção que eu tenho destes...) mas que o encaminha na direcção do que nos irá ser a vida nos próximos tempos. E que, apesar de Marte não ter magnetosfera - ou campo magnético similar à Terra - ainda assim tem espaços e locais pontuais (cerca de 10 vezes mais magnetizados do que qualquer medida na Terra) onde esta ainda se faz sentir, que, tal como bússola quinhentista (devido a esse seu magnetismo) nos irá dar o vector principal para uma outra saída, uma outra solução compartimentada em espaço modular de uma civilização alienígena já extinta (ou de rumo a outras paragens cósmicas) que entretanto deixaram em Marte. É a nossa última esperança: sem o «mister-T» e o Blue, eu estaria perdida, irremediavelmente perdida, no que a traição e a condenação terrestres da «Inter-Exobiology» fizeram de mim.

Meu Deus, tenho de o admitir, que burra fui, ao acreditar estar a salvar a Humanidade em prol do conhecimento dos solos, das superfícies, e mesmo do mapeamento marciano em paralelismo com uma certa inocuidade minha por invasiva bacteriologia (ou agentes patogénicos desconhecidos que me manteriam incólume ou imune) e que eu subvertia. E faria sobreviver (o que até aqui se regista, de facto!) e o meu corpo exibe - eu, que não era ninguém, que não sou ninguém, ter ficado convencida de que iria ser rotulada de heroína a título póstumo por tão bem ter defendido a espécie humana em possível colonização de terrestres ou estúpidos terráqueos em Marte! Tão longe que eu estava de saber que, se a Terra não pertence aos terrestres, muito menos Marte lhes pertence ou a outros que não os seus naturais ou nativos, como na Terra sempre dizemos... e não fosse eu ir parar ao outro lado (pela lei da gravidade marciana que roça os 37% em relação à Terra) e exultaria em festejos e saltos sobre Marte, pois que é de morrer a rir quando nos dizem, na Terra, que em breve haverá naves terrestres tripuladas, como se, as já não houvessem por aí tantas e em tantos recantos, pelas outras que são dos próprios e não se deixam colonizar... mas quem sou eu? Eu, que para aqui fui despejada como micro-nada de coisa nenhuma, não é mesmo «mister-T»...? E agora vou dormir, velando-me o sono, Blue, que não dorme mas sabe das minhas muitas debilidades e urgências humanas... Boa Noite, Blue, Boa Noite «mister-T» e por favor... não ressones (o «mister-T» dorme, mas com meio olho acordado...) Boa noite, Marte!

Sem comentários:

Enviar um comentário