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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A Traição


Bandeira dos Estados Unidos da América

Haverá maior paixão do que a de um coração flamejante pelo seu país, pela sua bandeira e por toda uma nação conjunta de valores, princípios, leis e direitos pessoais em que a Liberdade ecoa como o sangue nas veias em total entrega e vivência em si? Haverá algum contra-poder - à semelhança de um míssil terra-ar que contraponha, que seduza e mesmo capture esse sentimento visceral de berço e, crença? Que força endémica será essa, que leva homens seus em suas estradas ou entranhas da vida, em seus corredores, em seus céus, a sentirem-se umbilical e intrinsecamente ligados a esse cordão, numa amniótica simbologia de ventre-Nação? Haverá antídoto, haverá solução plausível para o oposto...? Haverá libertação desse tão grande e único amor por um berço seu, por um hino, por uma confederação de Estados, ligados e conectados por uma simbiose de estrelas em venosa corrente sanguínea que dá pelo nome de...Nação???

Ilha da Terceira - Açores - Portugal
Base das Lajes/Praia da Vitória

A Entrega
Dizias que eras meu. Dizias. E eu acreditei. Tanto acreditei que te levei nos braços e na alma para sempre em meu coração lusitano. Não sei o que é...ser-se americano. Não sei. Mas depressa me apercebi de toda a tua eloquente sublimação e, rendição, a um amor maior que não o meu! Fui parva. Fui idiota. Fui a mais incipiente coisa molecular que dá pelo nome de mulher, em face ao que me cingiste sobre o teu país, a tua nação. Eu tentei estar a par. Eu tentei estar ao corrente das tuas insígnias, das tuas medalhas, das tuas honrarias prestadas a essa tão linda nação que tu dizias dar a vida. E deste! Deste toda a tua vida em cumprimento militar cívico e de compleição de todo o teu ser. E eu esperei. Meu Deus...como esperei...por ti, por tudo...por uma qualquer coisa que, por mínima que fosse, me deixasse ter um pouco de ti...só um pouco de ti. Também não queria muito. Só te queria a ti!
Ias e voltavas com aquele mesmo sorriso de outrora. Aquele mesmo sorriso com que me cativaste desde o primeiro dia em que me viste...ou puseste a vista em cima, como me disse o meu padrasto em solicitudes de patrono emprestado, de quem não quer ver o seu pecúlio familiar esboçar-se...ou desintegrar-se diante de si e, ainda por cima, por um homem, por um naco de tentação imbuído num corpo perfeito, másculo, ossudo, carnudo e só Deus sabe, de pura volúpia maldita - terá dito alguém, que um dia te viu na sobranceira da porta de entrada da minha casa. Eras tudo para mim, tudo! E que fui eu para ti...? Nada! Ou quase nada...

A Rendição
Eras tão bonito...ainda o serás, por certo! Alto, espadaúdo, possante que até dava dó. Eras lindo e eras meu! No baile em honra do Senhor do Espírito Santo tu foste o meu Fred Astaire e eu.... a tua Ginger Rogers, de quem já ninguém se lembra nem sequer daquelas matinés que nos obrigavam a ver com as irmãs mais velhas em namoro assente mas, de vigília fraterna, para que não prevaricassem e pior, embarrigassem dos magalas de féria comportada em folga de fim de semana. E que, nem mesmo com as déspotas tias façanhudas ou as criadas azougadas e zombeteiras a caírem de sono pelos cantos, que a refrega se redimia, ante tanto conversalhar em risada e folguedo. Ofereceste-me um peluche - daqueles que só vemos nas feiras e que raramente nos calha em sorte - ou pela má pontaria do cliente ou...pela óbvia farsa do feirante que também raramente se alude a deixar partir um dos seus muitos préstimos na bancada reluzente de esfuziantes e sedutores mimos. Acertaste em tudo. Menos em mim! Mas isso...eu ainda não o sabia.
Eu era apaixonada por ti e por mais ninguém. Exibia-te como o meu melhor troféu, aquele que nunca me iria deixar, aquele que me iria dar uma vida de bem e de luxo - se é que se pode considerar luxo ter uma casa e um chão para se viver - e ter-te a meu lado...sempre! E esse sonho era meu, só meu e de mais ninguém! Pior é que...nem sequer era teu também. Mas só mais tarde me apercebi disso e aí...já era tarde, muito tarde, para recuar nesse tão grande amor que se me colava na pele e, nas entranhas como visco peçonhento, sem que me desgrudasse de ti a alquimia de me fazer ser tua e pertencer-te para sempre!
E foste meu! E eu tua! No celeiro dos meus avós, naquele exíguo barracão em que dormiam forquilhas, alforges e aveia e cevada e sei lá que mais...e eu gritei como louca, mais por te saudar aos ventos do que pelo clímax havido, ainda que me tenhas levado ao Céu e a todas as estrelas deste - por baixo de ti!
Eras fogoso, eras ardiloso. Eras tudo para mim. Exsudavas por todos os poros se eu te dissesse que não, que não te queria, que não tinha jeito nenhum, pois que nem me tinhas pedido a meu pai, a minha mãe, a minhas tias, a minhas avós...não me tinhas pedido a ninguém...simplesmente tinhas-me usurpado dos meus em prol de ti, em prol dos teus desejos, das tuas ânsias, das tuas anuências físicas, carnais. E eu...deixei. Eu deixei tudo, simplesmente porque queria tudo...e tão perto de mim, e depois tão longe assim...fiquei sem nada! O teu cheiro da pele, o teu órgão fálico, erecto, pungente em mim, avassalador como mastro em nau, ou remos perfurando o oceano em delírios ferventes de uma entrega sem igual. Entravas em mim e eu em ti...e nada mais importava. Nem sequer o pensar...que me estarias a fazer um filho...

A Partida
Fui deixar-te à Base. Não entrei. Na Praia da Vitória só muito poucos têm livre acesso a isso; a entradas e saídas, a vistos de livre circulação e mesmo a bonomia de nos considerarem iguais, a nós portugueses. Nunca entendi. Assim como não entendia por que gostavas tanto - em ícone máximo e idolatria excepcional - de um tal George Washington que te deu o nome inicial e te fez seu escravo desde a hora em que nasceste, provavelmente. E...de um tal Jefferson, também! Não que fosses um exímio em História, disseste-mo, mas por os reverenciares de homens-pátrios de toda uma tua amada nação!
Quantas horas esperei por ti e me trocaste pela Play Station de amigos, pelo Basket, pelo Baseball ou ainda pelo Futebol Americano que nunca compreendi muito bem porque quase se matavam à pancada em derrubes de bisonte (uns contra os outros) por uma só bola que eu nunca sabia onde iria parar...nem mesmo aquando supus compreendê-lo no filme do Forrest Gump...! E tal como este último, também eu corri, meu Deus como eu corri para ta abraçar, de cada vez que voltavas e me dizias ter saudades daquele cozido à portuguesa que só eu sabia fazer e te deixava de barriga cheia e, a arrotar uma tarde inteira, devido aos enchidos maleficentíssimos que te davam estorvo no estômago e uma azia dos demónios! Mas apreciavas...ah, como apreciavas esses fins de tarde em que, ambos deitados na planície em frente ao mar, te deliciavas com o meu corpo e eu te embrenhava em mim, querendo que a tatuagem do meu nome ficasse gravada em ti...mais na alma do que no corpo, supunha. Mas supunha mal. Supunha tão mal que, tudo se desbotou! Tudo se esboroou na minha alma também, como um começo de noite sem crepúsculo, sem iridescente fulgor, sem nada! A única luz que havia...era aquela do velho pátio onde nos encontrávamos às escondidas de todos e tu, me dizias até poder desertar por mim. Não que eu to insinuasse ou sequer alvitrasse que te manchasses em nome e postura militar por mim, não, que só te queria para mim mas sem mácula passada. Ou futura..na que deixaste então depois em mim. Mas tudo passou. E nem mesmo os avisos de minha proeminente mãe surtiram efeito - ao ter visionado o filme «Oficial e Cavalheiro» dezenas ou centenas de vezes - em conluio ou premência de cuidados sobre o que de futuro eu iria sofrer, caso este meu homem não fosse tão gentleman assim. E não foste mesmo! Falavas-me do teu país, da tua bandeira e da tua nação de muitos Estados. Tentei compreender. Não gostavas muito das gentes do Sul por se acharem mais poderosos e mais separatistas. Dizias que eras pela liberdade de todos, tal como a tua Estátua da Liberdade determinava em Long Island e eu acreditei. Dizias-me que eras pelo direito universal de todos os homens serem iguais, serem semelhantes do berço à cova sem delimitações raciais, económicas ou na esfera genealógica de uns terem o sangue mais vermelho que outros - em que o azul nem sequer entrava, por esses elitismos europeus que tanto odiavas, e te fazerem vomitar...sobre os reinados de antigamente de reis e rainhas de poderes absolutos. E eu aceitei o que dizias, até porque, o ser princesa ou rainha há muito que deixara fugir de mim ou apenas pensar que por um dia, um só dia, eu pudesse ser princesa assim em vestido e boda de noiva. Mas tal não me perguntaste nem tão-pouco me interrogaste se desejaria acompanhar-te até à tua terra da Liberdade, ao teu solo americano, à tua bandeira e...à tua única amada: a Nação Norte-Americana!
Haverá traição maior do que essa? Nem que fosse a mais bela mulher, a mais solicitada, a mais desejada à semelhança de uma eterna Marilyn Monroe, tu te deixavas seduzir ou submeter à vontade de tudo deixares para trás, botas, farda, munições, acampamento, missão, caminhos e destinos...pelo Iraque, pelo Afeganistão, e sabe-se lá que mais, em terras não tuas mas que te davam sustento e leito até...à destruição final! Foste feito prisioneiro, soube mais tarde. Sofreste torturas, sofreste agruras no inimigo e nem por uma vez quebraste essa interjacente maldição e, ininterrupta no tempo, de seres mais casmurro do que as jumentas criaturas (duas velhas burras que quando teimavam em estacar, ninguém as conseguia demover de tal intenção) da fazenda de meus padrinhos e, benfazejos de condição. Foste embora de mim. Foste embora de tudo e...por um amor maior que eu não te podia dar. Nem fazer estancar do tanto que tinhas ainda para me dar. Não mais soube de ti. Nem sei se o quero. Traíste-me! E pela pior coisa do mundo: o amor à Pátria, à tua Pátria que não a minha dos prados e dos mares, das vacas da pastagem e...dos vulcões que se não alimentam da calmaria das gentes e da maresia que nestas vem. Não te soube prender. Não te soube amar como essa outra que se chama Nação! E posso eu levar-te a mal por isso...? Se as tuas juras, as tuas iniciações, as tuas leis e a tua condição de vida em homem de uma mulher só, eram essas...que poderia então eu fazer, diz-me...? Se nunca foste meu, mas dela...incondicional e intensamente, sem sequer olhares para trás. Mas...se o tivesses feito, nem que o fosse por uma só vez...levar-me-ias contigo?...Levar-me-ias no coração...? Ama o teu país, a tua bandeira, a tua nação das estrelas e das riscas vermelhas que em mim me ficará...a doce, mas inexorável imagem de ti ao partires, levando a minha alma contigo - ainda que soubesse, que nunca venceria essa minha outra rival platinada que em apelido tem o nome: Liberdade!

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