Há almas eternas, outras imortais e talvez até mesmo outras confortavelmente emanentes sobre o Universo; cabe-nos a nós descobrir quais as que nós somos, por outras que andam por aí...
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quinta-feira, 31 de março de 2016
A História da Terra
Planeta Terra: as etapas de um planeta em vida e história geológicas.
Havendo uma multiplicidade de planetas, estrelas e provavelmente outros sistemas solares no Cosmos, será inevitável a questão se, por hipótese e sugestão, haverá a similitude de vida em história geológica nesses outros pontos do Universo. Mesmo que sob outras formas de vida ou mesmo sobre outros desenvolvimentos e, evolução, poder-se-à consistir que existam outras «Terras», outros planetas, onde este fantástico portento de vida se exiba, ainda que o não saibamos pelas óbvias limitações humanas de não ingressão em viagens interestelares?
Sabendo-se também do processo evolutivo da Terra em geo-estratégia planetária (criada, recriada ou fomentada por impulsão cosmológica, perpetrada ou não por seres inteligentes...) a Terra foi sendo sempre distendida em Sistemas, Eras e Períodos - ou épocas - nos quais, esta se repartiu em natural eclosão das espécies. Do Arcaico até ao recente Período Glaciar (Plistocénio e Holocénico) muito se expandiu no planeta, sabendo-se então da variação e adaptabilidade das espécies ao longo de todas estas épocas. Mesmo nos nossos dias, ainda há certos organismos, microrganismos ou vida bacteriana que se desenvolve sem que o saibamos (ou conheçamos) na sua totalidade.
Sendo tudo isto uma realidade, insurgir-se-à igualmente uma outra questão de índole interplanetária: Seremos nós, seres humanos - e todas as outras espécies na Terra - os únicos seres evolutivos de épocas e períodos diferenciados ou, na mais razoável das probabilidades, poderemos ser o que de mais primitivo se inferiu neste ou noutros iguais planetas, de vida geológica, ecológica e, por lógica e consequência, «naturalmente» a biodiversidade de vida biológica? E, sendo únicos (o que nos perfaz a simbólica condição de raros e específicos seres, como tantas vezes se apregoa de Jardim Zoológico planetário terrestre), que objectivos ou agenda estelares estes outros seres externos à Terra terão para nós, para tal se terem remetido a observar, a prospectar, a monitorizar, ou mesmo a continuar...???
Estromatólitos (vestígios de há 3500 milhões de anos, na Terra).
Histórias Geológicas
O tempo geológico foi repartido numa série de grandes divisões: Sistemas, Eras, Épocas e Períodos. O Sistema Na Terra mais antigo que se conhece é o denominado: Arcaico ou ou Arqueozóico, que engloba o período que começa no nascimento do nosso Sistema Solar, há cerca de 4600 milhões de anos, e termina há aproximadamente 2500 milhões de anos atrás.
Os vestígios da Formação de Montanhas deste período, encontram-se nas rochas da Terra, assim como no vulcanismo e na deposição de sedimentos marinhos. Tal como se vê na imagem acima referida, estes sedimentos são deste modo resultantes da deposição de carbonato de cálcio, implementados em comunidades de cianobactérias (ou da actividade destas cianobactérias filamentosas) originando assim antigos Estromatólitos.
Embora o Arcaico se definisse outrora como o período antes da existência da vida, sabe-se hoje que já existiam formas simples de vida no final deste período.
Ao Arcaico, seguiu-se então o Proterozóico (que significa período da primeira vida), que se estendeu até há cerca de 590 milhões de anos. De novo, períodos de formação de montanhas pontilharam períodos de menos actividade e, durante a última parte do Proterozóico, desenvolveram-se formas mais complexas de vida nos oceanos primordiais. No seu conjunto, estes dois sistemas compreendem o período de tempo chamado: Pré-Câmbrico. Ao longo deste lapso de tempo, a Crusta Continental da Terra nunca teve uma espessura superior a 40 quilómetros - consideravelmente menos que a crusta moderna, que pode inclusive chegar aos 70 quilómetros.
Planeta Marte: cratera Gale - Imagem gentilmente concedida pela NASA (sonda Curiosity Rover), onde se pode observar a referência geológica na provável existência de lagos, ou seja, de água líquida (antes dos bombardeamentos de meteoritos e asteróides).
A Guerra Cósmica
Durante o Arcaico, a crusta da Terra foi repetidamente bombardeada por Meteoritos e Asteróides. O mesmo sucedeu a outros planetas vizinhos, tais como Mercúrio, Lua ou Marte - mas também nos satélites dos planetas exteriores, que estão pejados de crateras.
Amostras de Rochas Lunares trazidas para a Terra (pelos astronautas das missões Apolo) mostram que a actividade lunar, incluindo o revestimento vulcânico dos mares da Lua, tinha terminado no final dos tempos arcaicos; pode-se então distinguir e, incidir que, o mesmo será - provavelmente e igualmente verdadeiro - no caso do planeta Mercúrio.
Marte e Vénus, em contrapartida, permaneceram geologicamente activos até tempos mais recentes. E, tal como se observa na imagem acima referida sobre Marte (e o robô Curiosity nos revela e os cientistas nos aferem), a sua geologia é extraordinária, reportando que, teoricamente, poderá ter havido a existência de um lago albergando potencial vida biológica. Vida essa, ostensiva de micróbios do tipo «Quimiolitoautotrófico» em habitabilidade e, reprodução, nas suas águas.
Imagem da NASA - «Sirenum Fossae» - cratera em Marte, que revela o impacte recente em termos de escala geológica.
As Revelações de Marte...
Em 2012, o Robô Curiosity (sempre magistral desde aí) mostrou-se revelador numa profusão de conhecimentos geológicos fantásticos. Referente a esta imagem e sobre a cratera Gale, o robô Curiosity dizer-nos-ia que a formação desta cratera tem aproximadamente 150 quilómetros de diâmetro e que, surgiu logo após o impacto de um asteróide, há pelo menos 3,5 biliões de anos...
Segundo a NASA,este extraordinário robô encontrou assim amostras de Rochas Sedimentares que indicam que o lago existiu na cratera por dezenas ou centenas de milhares de anos até ao trágico impacto. Ainda segundo os cientistas que estudaram este registo em Marte, este lago possuiria uma biodiversidade inesgotável de vida microbiológica, ou seja, uma variada gama de Microrganismos Procariontes (organismos maioritariamente unicelulares e que não têm material genético delimitado por membrana).
Micróbios do tipo «Quimiolitoautotrófico» são capazes de desintegrar rochas e outros minerais para obter energia, segundo os cientistas. Aferem ainda que, na Terra, são comummente encontrados em cavernas, por exemplo. O que nos levanta então outras questões: Seremos todos provenientes das mesmas matérias orgânicas, das mesmas essências energéticas cósmicas...? Seria bom que nos debruçássemos sobre isto, pois talvez, em breve, tenhamos essa resposta...
Em 2014 , o Robô/Sonda Curiosity revelava-nos então a existência de Metano, ou seja, detectaria Emissões de Metano no planeta vermelho. Sabe-se desde já que, este gás, pode ser usado para alimentar várias formas de vida orgânica, por muito simples que sejam. Foram encontradas, igualmente, rochas ricas em Sílica (similares às que existem na Terra, em crosta continental mais antiga do nosso planeta).
Imagem da NASA em Marte: a visibilidade de linhas de escorrência, na probabilidade de existência de água em Marte.
Existência de Água: existência de vida...?
A Revista «Science» (2015) refere ainda sobre esta análise geológica sobre Marte de que, foram também identificadas partículas orgânicas que contêm carbono e hidrogénio (numa rocha perfurada pelo robô Curiosity). Essas moléculas são então consideradas a base da vida - tal como a conhecemos - embora também possam existir em ambientes inabitados. Sabendo-se o oxigénio ser essencial para a vida humana, acrescenta-se neste artigo, pode não ser um ingrediente fundamental para a vida alienígena, segundo a afirmação convicta do Astrónomo e Professor, Enos Picazzio, docente do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (Universidade de São Paulo, Brasil). Há elementos que nos dizem, segundo ainda este mesmo professor de São Paulo, que revelam a existência de organismos subterrâneos (debaixo da terra ou em lugares dominados pela amónia) em sobrevivência e reprodução, o que insta a uma outra ou outras formas de vida que não a terrestre, possivelmente.
Segundo Enos Picazzio, Marte revela-nos que já possuiu em si muita água, retendo ainda actualmente parte dela no subsolo, como o comprovam as evidências relatadas pelas diversas sondas até hoje enviadas a Marte para estudar o planeta. Picazzio afirma:
«A Água, é o solvente orgânico, por isso é importante, ou mesmo fundamental, para a maioria das formas de vida!» Acrescenta ainda: »Mas, por si só, o líquido não é capaz de criar um ambiente propício para a vida. No entanto, a água, é um elemento abundante no Universo e no Sistema Solar».
Em jeito de conclusão, o professor Enos Picazzio comenta que talvez a vida em Marte não tenha sido tão diversificada e, evoluída, como a da Terra; contudo, existirão provavelmente em Marte algumas formas primitivas de vida, sobreviventes a baixas temperaturas e não dependentes de luz.
Em Setembro de 2015, cientistas da NASA anunciaram a descoberta de córregos, ou seja, Linhas de Escorrência Recorrentes (dados recolhidos pela Mars Reconnaissence Orbiter, que orbita Marte desde 2006) onde foram encontrados sais hidratados que têm moléculas de água na sua composição. Há então a possibilidade de se confirmar a existência de água em estado líquido na superfície do planeta vermelho!
Planetas do nosso Sistema Solar
Multiplicação/Diversificação
A Vida na Terra começou então a multiplicar-se e, a diversificar-se, no começo do Câmbrico (há 590-505 milhões de anos) - o primeiro de uma série de períodos geológicos que fazem parte do Fanerozóico (Era da Vida).
Nos Tempos Câmbricos, parece que o vulcanismo em Marte tinha já passado o seu ponto máximo; no entanto, a renovação da superfície de Vénus pela actividade vulcânica parece ter então continuado para lá desse ponto e, possivelmente, continuou até ao presente, como já até foi referido.
Embora o Universo seja tão grande (sem contudo se acrescentar ainda mais outros tantos, na teorização da existência de outros Universos, segundo o estimam alguns cientistas), o número elevado de estrelas semelhantes ao nosso Sol, ser de facto uma realidade (no que muitos cientistas consideram também elevada a probabilidade de as condições para a vida terem surgido noutros planetas, noutros locais do Universo). E que, tendo sido descobertos outros planetas idênticos à Terra, não se descobriram contudo, sinais de vida nestes, uma vez que a nossa tecnologia terrestre nos não permite tal. O que não quer dizer que não existam.
Para já, existem dúvidas na existência de vida dentro do nosso sistema solar mas, nada sendo tão taxativo ou objectivo assim, uma vez que se especula essa mesma realidade (por evidências de fenómenos ocorridos em observação nos céus de naves estelares e objectos voadores que parecem edificar diversas ou inúmeras viagens interestelares) se denote haver, efectivamente, muito mais do que à priori nos é dado a conhecer. Mesmo dentro do nosso sistema solar...
Ilustração ou Concepção artística fornecida pelo Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica, comparando a Terra ao planeta recém-descoberto Kepler 78b.
Retornando à Terra...
Há que registar que, os Primeiros Mamíferos surgiram há mais de 200 milhões de anos, mas para o seu domínio da Terra, pode ter contribuído uma uma colisão entre um Asteróide e o nosso planeta há cerca de 65 milhões de anos, segundo o afirmam alguns dos mais eminentes investigadores, historiadores e demais cientistas nestas áreas na procura da nossa verdade planetária.
Há 65 milhões de anos que a vida pululava na Terra mas, como se insta agora, esta se exterminou na sua grande parte devido então a um ou mais factores externos ao planeta de carisma catastrófico em fenómeno devastador, provocando a extinção dos Dinossauros; e que até aí, dominavam com imenso êxito, supõe-se. Se nada disto tivesse ocorrido, a Humanidade poderia não se encontrar na sua posição privilegiada: os antepassados mais antigos da espécie/civilização humana só surgiram, provavelmente, na África Oriental, no Plicocénico, há não mais do que 4 ou 5 milhões de anos!
Os Continentes formaram-se em diferentes regiões do globo durante as Eras Pré-Câmbrica e Câmbrica, andando assim à deriva até se reunirem na forma do «Supercontinente» da Pangeia há 250 milhões de anos. Este dividiu-se entre a Gonduana e a Laurásia há cerca de 200 milhões de anos e depois na sua forma actual.
Visão ou imagem via satélite (NASA) sobre a Terra.
A Escala Geológica
Por conclusão final, regista-se então que, A Escala Geológica de Tempo baseia-se em mudanças óbvias no tipo de rochas - ou grupos de fósseis - de um período para o seguinte. As divisões maiores são os Sistemas, que se dividem em Eras, e estes subdividem-se em Períodos e, na Era mais recente, que cobre os últimos 65 milhões de anos, em Épocas. A Era Pré-Câmbrica engloba então quatro quintos da totalidade da História da Terra.
O Final da Era Pré-Câmbrica foi marcada pelo aparecimento dos primeiros fósseis. Formas principais de vida desenvolveram-se ao longo dos períodos principais, começando no Câmbrico; os Peixes sem mandíbulas surgiram assim no Ordovício (há 505-438 milhões de anos); as primeiras Plantas encontraram-se no Silúrico há 439-408 milhões de anos) e os primeiros Anfíbios durante o Devónico (há 408-360 milhões de anos). Os Primeiros Mamíferos apareceram no Triássico (há 248-213 milhões de anos). O recente Período Glaciar ocorreu então no Plistocénio e no Holocénico.
Escala Geológica:
1 - Organismos com Concha (há 590 milhões de anos). Período/Época Pré-Câmbrico.
2 - Primeiros Peixes sem Mandíbulas (há 590-505 milhões de anos). Período Câmbrico.
3 - Fetos Arbóreos; Cavalinhas (há 505-438 milhões de anos). Período Ordovício.
4 - Peixes que Respiram Ar (há 438-408 milhões de anos). Período Silúrico.
5 - Grandes Anfíbios (há 408-360 milhões de anos). Período Devónico.
6 - Primeiros Répteis (há 360-286 milhões de anos). Período Carbónico (Pensilvaniano/Mississipiano).
7 - «Ginkgos»; Coníferas (há 286-248 milhões de anos). Período Pérmico.
8 - Primeiros Mamíferos (há 248-213 milhões de anos). Período Triássico.
9 - Primeiras Aves (há 213-144 milhões de anos). Período Jurássico.
10 - Plantas Floríferas (há 144-65 milhões de anos). Período Cretácico.
11 - Últimos Dinossauros (há 65-55 milhões de anos). Período Paleocénico.
12 - Primeiros Primatas (há 55-38 milhões de anos). Período Eocénico.
13 - Primeiros Cavalos (há 38-25/5 milhões de anos). Períodos Oligocénico/Miocénico.
14 - Humanidade Moderna (há 5 milhões de anos).
Imagem da Terra sob a sua estrela maior (anã amarela): o Sol. Um dia depois do outro...
A Evolução da Humanidade
A pergunta para um milhão de dólares como é por hábito referir-se à sempre eterna e grande questão de qual o caminho evolutivo ou recessivo (em ascendente progressão ou inversamente em regressão, o que se não deseja, como é evidente...) que a Humanidade se reproduzirá em vias de novos entendimentos, raciocínios, conhecimentos e inteligências alcançadas - dentro ou fora dos seus limites planetários - é sempre dúbia. Para não dizer mais.
Sabe-se que tudo explodiu em matéria e energia numa gigantesca produção de intensa ou coesa sopa cósmica através do tal suposto Big Bang e que, por imposta subsequência - ou advertência de um Deus qualquer em sumidade e supra-omnipotência - tudo originou em nascimento, crescimento e evolução/adaptação de algo; ou de todas as coisas. Aparte as questões filosóficas, teológicas ou outras ainda de cariz dogmático mas não profiláctico, pois que nestas coisas o que não cura também mal não fará, acrescenta-se, há que sublevar a ideia de se estar mais consciente do que nos rodeia hoje, além a Terra, além os Astros.
A História da Terra não pára aqui; nem pode parar nunca! Há que encimar que, desde há 4500 milhões de anos em que este planeta se formou, tudo tem evoluído constante e normalmente, sem que haja a deficiência ou iniquidade de se pensar que tudo estará para breve em terrífico desfecho e não, como o deverá ser, em homilia de se acreditar que a Terra, nosso planeta-berço, é um dos muitos que contribuem para essa grande massa cosmológica que faz e compõe todo um Universo. Ou outros.
A Humanidade, não sendo eventualmente a única civilização que se fez vencer num pequeno planeta como o é, incontestavelmente esta nossa Terra, também não será de somenos importância se adquirirmos a lucidez e a confrontação necessárias para enfrentar novos desafios, novas ideias, novas fronteiras e quiçá até novos ideais, pois que há mundos que esperam por nós, como houveram povos e terras deste mesmo mundo que fomos descobrindo amiudada mas ousadamente há quinhentos anos atrás. Há que ter a noção de se estar perante a iminência de novos saberes, de novos seres e mesmo até de novas vidas em tributo quântico de novas dimensões.
Nada é mais apenas e só um mundo de ficção; abrem-se-nos hoje novas portas, novas janelas para o mundo: a Internet é prova disso mesmo. Agora, só há que o receber de braços abertos e sentir que mais virá; e nós, seres humanos, cá estaremos para o receber. Oxalá nos não hostilizem ou quebrem esses nossos tão idílicos sonhos, pois que é tudo o que nos resta, confinados que estamos a apenas este ou a poucos outros planetas do nosso sistema solar. Miragem não será, o acreditar-se que o futuro é já hoje e, melhor, é feito por todos nós, homens e mulheres deste planeta Terra. O dia virá em que outra história nos será contada, a Verdadeira História da Terra, mas isso será para um outro dia... naquele alumiado ou iluminado dia em que tudo se abrirá...
sexta-feira, 25 de março de 2016
A Minha Páscoa!
Aeroporto Internacional de Bruxelas-Zaventem
22 de Março de 2016: hora local: 7 horas e 50 minutos (Aeroporto-Zaventem)
«Estou à tua espera. Aqui, no aeroporto (nas partidas, como combinado) Não demores. Amo-te muito».
Eu e os meus pensamentos... (onde raios te meteste, homem...?)
Será que vens...? Será que à última da hora te dá uma valente dor de barriga como desculpa para não vires, para ficares com ela, com a tua mulher...? Nem penses! Percorro meio mundo e dou cabo de ti! Estou a avisar-te meu grande cretino, ouviste...? É claro que não me podes ouvir ou nem virias. Ser a outra, é ser pior do que peste, malária ou febre amarela em África, eu sei. Mas que fazer...? Ouvir os conselhos árduos mas fartos em exaustão - e desperdício - de meus pais sobre mim e, sobre o que me suspeitam eu andar a fazer com um homem casado e sem esperança de tal mudar...?! Ou, ouvir-me a mim, ao sentir que nada neste mundo me fará parar, me fará voltar atrás, só para te sentir o cheiro da pele, o doce e intenso cheiro do teu perfume («Tsar») de homem macho que me és, e até o teu sorriso matreiro de quando me queres levar para a cama e eu finjo dizer que não... ?! Que fazer perante isso...? Amo-te mais do que a mim, e isso é estúpido, eu sei. Tão estúpido como o ter dito aos meus pais que vinha assistir a uma palestra sobre os fósseis encontrados na África do Sul sobre um dos primeiros homens na Terra. Será que acreditaram...? Penso que não. Não são estúpidos; só eu sou, por tanta insegurança me enveredar. Mas ele vem, sei que vem. Raios o partam, por que razão ainda não chegou...? Está atrasado, o idiota. Meu Deus, e e se ele não vem...? Parto-lhe o focinho! Arrebento-lhe com a boca toda (será que ele pensa que eu sou dessas que engolem tudo com pão...?) Não. Eu não! Ou parto mesmo para a agressão mais lusitana que conheço, e dou-lhe uma cabeçada à Mouraria que ele vai ver. Quem ele pensa que é, ah...? Deus, diz-me que ele vem... diz-me...»
A Realidade... 3 dias depois...
O Mundo é composto de bestas; bestas humanas: Ente elas estás tu. Ao lado dos que se fizeram explodir. Ao lado dos que sem alma se desencarnaram nesta vida. E tu, meu amado, que tudo me eras e serias até que te espelhasses para mim, até que te despisses na totalidade para que eu te visse - finalmente desnudo de tudo - na tua verdadeira essência de coração e sentidos, acabaste por te deixares morrer em mim, não nesta vida, mas nessa outra em que vivendo de fora de mim, eu te olho, te observo agora, vendo-te e sentindo-te como o mais facínora tributário de parte da minha vida. Quase morri e tu, assististe a tudo, sem me tocares, sem me visitares, sem no fundo, me tocares na alma, dizendo que era tudo verdade e não uma desavergonhada mentira, daquelas que só tu sabes dizer; a mim e ao mundo. Pelo menos, os que morreram do meu lado partiram em paz, e tu, ficaste em guerra - comigo e com o mundo. Ser-se deputado europeu tem benesses, da imunidade diplomática à mais alta instância abonatória de um certo tráfico de influências que todos dizem não o ser, mas será...? Não o sei. Quanto a mim, benefícios zero. Não te concedo imunidade!
Dos lagos suíços, do romance prometido e do dulcífero aroma dos chocolates, apenas a dor de saber que, um dia, talvez te vá encontrar... só para te dizer que não valeu a pena, que não foi bom, e pior, que até foi tempo perdido, como aquelas más horas em que vi corpos estilhaçados, estropiados e jogados borda fora, de uns e de outros, sobre mim e sobre todos; os vivos e os não vivos. Foste embora, talvez porque nem chegaste a vir e eu não me apercebi disso. Só mais tarde o vi - ou disso tive a subreptícia percepção (nestes três precedentes dias) - aqui, neste flamengo hospital belga que agora é do mundo, pelas más notícias e pelas horrendas achegas de um Daesh mais impulsionado e, liderado, que esse Al Qaeda em tempos da Guerra do Golfo.
Do sonho ao pesadelo...
São duas da manhã. Ou lá perto, não sei. Acabaram-se-me as horas; acabaram-se-me as ideias, os tempos, ou as honras de me virem dizer a que horas, a que dia, ou em que ano eu estou. Aqui tudo é movido num tempo que não é tempo e num espaço que não se cumpre, por outros em que se vegeta. Ou por outros ainda em que se só se ouvem gemidos surdos, calados de uma dor aguda, acutilante e, ensurdecedora, se realizarmos o quanto estas dores, estas calamidades, se fazem sobre corpos que se não conhecem, sobre almas que se não separam da sua outra condição de mortos-vivos - ou moribundos - sobre as macas frias, gélidas, de qualquer conforto humano. Até porque, não há tempo para isso. É tudo um enorme grito, como o grito de Munch. Calado, sofrido, agrilhoado de todas as dores e de todas as sortes - desditas e mal-paridas - que todos, aqui, no hospital militar de Bruxelas emparedamos. E sofremos. Que ironia: a capital da Europa, a capital do mundo em sede da NATO e da União Europeia e, onde tudo agora acontece...
Da Portela para Zaventem, e tudo parecia perfeito: do embarque à espera, até ao refúgio final da sempre angustiante demora que tarda em se fazer imperar. Ou, ressuscitar. Da noite que se não dormiu em insónia permanente e não penitente, por tudo o que se envida vir a acontecer, vir a viver, ante todas as expectativas de um romance a dois, envolto em sexo, chocolates e... se Deus permitisse, a promessa maior (na maior de todas as outras!) de um compromisso a longo prazo.
Foi esta a minha mais sublime condição na veleidade assumida de mulher adulta, que vai atrás de um grande sonho, de um grande amor - ou de uma grande e platónica ilusão - e tudo para trás ficaria (pensava eu...), na mais displicente e perdulária consignação humana de para trás se deixar o cão, o gato, o periquito, e até os amigos - ou colegas de trabalho - que quase sempre apetece estrangular mas acariciamos com olhares subtis e até voluptuosos, só porque nos chegou o dia, o primeiro dia de toda uma vida - a nossa vida - em que vamos ser felizes e nada mais importa.
Esperei hordas de dias e noites por este dia; dia e noite em que não dormi ou preguei olho uma só hora que fosse, só para te ter nos meus braços e não nos da tua mulher. Pois. És casado. Coisa breve ou... para ser breve, pois dizes (ou dizias sempre) que era chegada a hora, a hora desse término, dessa separação conjugal e de um possível e não litigioso divórcio, só para me teres, só para me possuíres como tua única e endeusada ninfa destes novos tempos; tempos modernos. Tempos estes, que se não compadecem com rugas, filhos, e contas bancárias conjuntas num envelhecimento não compacto de um com outro, de um que já foi tudo e agora não é nada, por outros ou outras que na vida se encontram e desencontram, afastam, e perdem para sempre.
Mas, desta vez, estando eu do outro lado, do lado das sevícias, da concupiscência, da leviandade, e quem saberá... da promiscuidade, sendo eu a tua amante prometida - desinibida e não assumida - que um dia, um destes dias, tu vais fazer primeira dama, tua primeira tudo, como se a outra te tivesse morrido longe e não nos braços, nesses mesmos braços que na véspera abraçaste, beijaste e amaste, como tua legítima, como tua única mulher e mãe dos teus três belos filhos. Eu, sou a outra; e isso bastava-me. Achava eu. Não bastou. Quando se vê a morte de frente, ela fala-nos. E, a mim, ela disse-me que era tempo de parar, que era tempo de olhar para mim e acreditar que valho mais, muito mais do que tu! Só me bastou acreditar nela!
Mas esperei por ti. No terminal das partidas no aeroporto de Zanventem. Quase adormeci. De Lisboa para Bruxelas, para dali partir para Zurique, a cidade dos amantes: para a nossa cidade! E tão belo era, como a coisa mais fantástica que eu já fizera, se não fosse o ter-te confiado os meus segredos, os meus encantos em esbulho completo de toda a minha alma. Que tu exauriste, que tu amassaste, que tu deploraste. Sabes o que te digo agora: Vai-te Foder!
Acreditar que te separavas dela, da tua mulher; que parva fui! Quando tantas vezes o disseste, tantas vezes mo replicaste, por debaixo dos lençóis, por debaixo dessa tua outra vida em que eu continuava fielmente a creditar (como se tal fosse possível, tu, e todos os outros homens que o dizem, que o prolongam e adormecem no tempo, e que, mesmo chegando quase à quinta geração em que filhos, sobrinhos, netos ou sobrinhos-netos, já todos mortos, se fazem ressentir) e tu, e todos os outros, ainda continuam a dizer que a deixam, à legítima, para virem para nós, para nossos braços; e nós, mulheres, acreditamos. E tanto, que ainda de bengala na mão, dentadura postiça e cabelos brancos (mais os que não existem do que os que ficam) continuamos a esperar que tal se verifique. E, depois então, sobre a vossa tumba ou sobre o vaso das cinzas, escarramos, choramos, ou lastimamos a tão má-sorte de nos ter calhado um valentíssimo aldrabão, um desordeiro de camas e mentes sãs - ou nem tanto, pois que nem todas somos assim tão inocentes...
E nesta tão amarfanhada situação de pensamento e, contradição, eu, sentada e desesperada por te ver chegar, fui arremessada de sopetão para o inferno; para o pior deles: o inferno de todas as dores, de todos os males, em fumo, ardor, e desmembramento: de corpo e de alma. Meus, e dos outros.
Aeroporto de Bruxelas-Zaventem: hora local 7 horas e 57 minutos
Um trovão. Um rebentamento. Um não sei quê que, de tão forte e tão precipitado, me fez deslaçar de pensamentos, membros, ou qualquer outra condição de comando ou ordem sobre o meu corpo e sobre o meu cérebro em raciocínio toldado. Ficou tudo negro de repente. E, com um cheiro ocre, a enxofre, a demónio. Deixei de ouvir. Deixei de ver. Perdi os sentidos.
Mas recuperei. Quando abri os olhos, tornei a fechá-los. Não queria ver. Corpos, muitos corpos. Sangue, muito sangue; postas e postas de sangue em cima de mim. Um pé. Uma pasta de qualquer coisa que não pensei logo poder tratar-se de massa encefálica, mas era-o efectivamente. Ou seja, os miolos de alguém que já fora um ser vivo, um ser humano e, ali, se despojara sobre mim, sem licença alguma, sem referência sua de ser ou ter sido simplesmente alguém que já vivera, amara - e sentira.
Estava tudo negro. Poeira. Silêncio estranho. Vozes recortadas que não eram vozes. Sons que não eram sons; pensei ter morrido ou estar prestes a isso, a embarcar na minha última fronteira do nada para o tudo ou vice-versa, sabia lá eu...
A realidade não o era e se esta se vestia de negro, eu era a viúva mais maldita da Terra sem nunca o ter sido. E tudo continuava negro, tão negro como o fumo que me entupia as narinas, o olfacto, e até a dignidade de me ver esparramada nos solos da Flandres, vendo que nada mais me restaria, do que a indigência nua e crua de me sentir um corpo sem alma e, talvez, uma alma sem corpo...
Um zumbido atravessou-me as meninges e sei que, de repente, fiquei sem ouvir. Na totalidade. A visão não sendo perfeita, esboroava-se de mim num não deleite ou talvez semi-consciência de me sonegar - ou quiçá proteger - o que poderia não aceitar em horrendo cataclismo de corpos e cabeças decepadas, como se um qualquer Henrique VIII por ali tivesse andado em fantasma do presente, em alma penada de um seu eterno limbo, sentindo que tantas almas lhe seriam pertença. Mas não eram. Nem dele nem dos terroristas que se fizeram explodir, levando com eles tantos mártires, não de Alá, mas de um Deus desconhecido que não teve tempo de tal parar, de tal estancar. Foi pena. Elevaram-se os melhores, com excepção dos do Oriente (ainda que muitos deles nascidos em chão europeu) que tão de mal com a vida sempre estão e em nome de um deus menor e, de ninguém, levam tantos com eles. E com eles partem. Só não se sabe é se para as tais tantas virgens, se para demónios transvestidos de anjos ou de outra coisa qualquer sem retorno e sem piedade - ou mesmo sem perdão...
Só hoje pude escrever. Só hoje pude ter a sensação de estar de facto viva e isso, é-me penoso. Muito. Talvez não tenha o direito de estar viva, não sei. Perdi a totalidade da audição, parte da visão e não sinto sequer os membros inferiores, ou seja, as minhas duas pernas que mais parecem dois tições ardidos ou fumegantes, como diz na Bíblia. E mortos, se já não me servirem de nada.
Fico para aqui a roer-me em mil pensamentos maus, tortuosos e macabros, e sem viço de esperança ou de me ver ter outras alegrias, pois que quem eu pensava amar-me tanto, fugiu a sete pés, fugindo de mim, fugindo de outras explicações que eu lhe pudesse invocar. Foi cobarde; foi traidor, como o são todos nestas circunstâncias. E, enquanto vou observando na televisão do quarto hospitalar esta feira de vaidades de presidentes a dançarem o tango e outros a lançarem árvores à terra e outros ainda a acobertarem gente que não é gente de bem, em gestos de traiçoeiras vontades ou conjugalidades políticas coesas de inverdades, o meu corpo arde-se-me todo como fogueira acesa, tal sarça ardente de Moisés, em que só fico eu em restolho de nada, em rasura de tudo o que podia ter sido, se não tivesse havido esta explosão dos amigos e eternos fiéis de Alá, num Deus que eu não conheço nem tenho honras de tal.
Estou ligada a tubos, a fios, e a sons que não distingo mas me dão a certeza e a contingência absoluta, segundo os médicos, de ainda estar viva. Não sei se o quero. Não sei se o mereço. Enganei-me sobre ti. Enganei-me sobre a vida. E isso, dói-me, muito, ainda mais do que o estar presa a esta cama, a este féretro maldito da burrice e da estouvada maluqueira de um dia te ter amado - ou simplesmente de ter sido tão idiota quanto o podem ser todas essas outras mulheres, tal como eu, que se deixam enganar por um breve sorriso, por uma breve troca de corpos que não de almas, suponho. E, a minha, está destroçada. Pior do que o meu corpo, aquele corpo que amavas e dizias ser-te pertença, ser-te teu, só teu; agora, nem meu é...
Não sei se quero viver. Eu sei que é estúpido, pensar assim, quando tantos inocentes morreram ao meu lado, eu sei. Mas Deus tem de me dar tempo, tempo que eu não sei se tenho ou, se quero ter, para voltar a acreditar que ainda é possível voar, amar, e tornar a voar e a amar, sem ser pelos céus mas por esses outros voos de alma que só os bons amantes sabem haver.
Cortaram-me as asas; cortaram-me as esperanças - e até, muito possivelmente (ou literalmente), o andar. Mas voltar a acreditar, não sei se me será possível, de novo. Agora, vou ter de desligar o computador e descansar, pois fi-lo à revelia de uma enfermeira que aqui anota tudo e me deixou neste desabafar. Ouvi um sussurro que andam ainda por ali, pelos lados do bairro de Schaerbeek (em que se alvitra terem detido dois suspeitos de terrorismo, com evidentes alianças cúmplices sobre este atentado, em Bruxelas), sendo que a missão ainda não está completa para a polícia belga. Oxalá. A bem dos inocentes. A bem de todos os que não têm culpa alguma de terem um outro Deus ou, ainda acreditarem que é possível os homens serem bons e não assassinos de si próprios. Como na minha terra se diz, haverão mais salamaleques do que breves certezas ou carismáticas investidas que bom fim tenham, fazendo parar, fazendo anular todas estas células terroristas mas, neoplásicas, que dão pelo nome de Daesh; e, se assim for, que Deus nos proteja, pois já não há mais por que acreditar ou, esperar, que um dia tudo possa mudar...
Em nome de todos os que pereceram, no metro e no aeroporto de Bruxelas, na Bélgica, a minha sincera homenagem, pois que Deus é Grande, sim senhor! (Allah Akbar!) Mas, há que afirmá-lo, para todos, sem se recorrer ao horror e, terror, de radicalismos - ou fundamentalismos - pronunciados de dor, sangue e morte. Deus é só Um, e não é cruel, crucificador ou matador!
Deus é vida e não morte; Deus é amor e não ódio. Deus, é tudo o que de contrário o terrorismo semeia, apregoa ou ceifa no nosso planeta.
A Humanidade, merece-nos mais do que isso em facções opostas ao que lhe foi transmitido ao longo dos séculos por sábios, profetas ou simples homens de boa vontade. O corolário da Terra não pode nem deve ser de estrutura bélica e sanguinária, pois, ao continuar-se assim, nada sobrará do que os nossos próprios despojos sobre leis que não cumprimos. De facto, Deus é Grande, na sua misericórdia, placitude - e omnipotente benevolência - ou já teríamos todos partido há muito deste enorme hangar de partidas e chegadas que se chama Terra. Fiquem em paz, então. Pela Paz, sempre!
segunda-feira, 21 de março de 2016
Eu, Maria
Quando a dor é tudo o que se tem em anúncio ou provocação sobre o maior amor do mundo: Ser Mãe! Eternamente...
Eu, Maria:
Não pedi para ser escolhida. Não pedi que me seleccionassem o destino e a condição de ser falada além mundos ou épocas de tempos que não viverei, mas sei que existirei; além tudo o que já disse. Foi duro. Foi cruel e, o fazer-se em mim segundo a vossa vontade, foi mais, muito mais do que alguma vez o poderia pensar por terras da Galileia, por terras de Nazaré, por terras de outras terras que nem Romanos nem Judeus poderão abarcar, pois que o Reino do meu Senhor, é maior, quanto maior forem estes e outros corações - mesmo que, trespassados, por todas as crueldades de seus sentidos e direitos alojados sobre nós.
Naquela madrugada, nada senti. Naquela outra noite em que tudo me foi contado e, revelado, nada eu contestei; nada eu me insurgi, até porque, não o poderia fazer. Fui a escolhida; fui a eleita sob muitas outras mulheres, outras leis que não as da Terra, disseram-me. E se o Anjo me confessou de seus pensamentos e seus alheamentos, eu apenas me pude submeter à sua audição, à sua reverente ou crucial reverberação (que não impugnação sobre mim), sobre meus desígnios ou actos, sobre meus caminhos neste mundo que me vira agora, presa e não lassa - ou debatida - nessa mera reiteração de me ver ser mãe de um Senhor maior; de um Messias e Deus maior, de pai, filho, irmão e Espírito Santo em nós.
A devoção pelejada por meu Senhor - Senhor Maior - é agora a minha única missão que Youssef (José) me tem de acompanhar. E, tal como eu, fazer caminhada, seguimento e penitência, sobre todas as coisas na Terra. E, por Deus Senhor, me vejo assim arremessada, colhida e tão tomada, que só posso ajuizar que de Meu Senhor, serei sua serva e deusa, havida na Terra e fora dela, uma condição de mulher assistida e, comprometida, pois que nada nem ninguém me apedrejará, segundo o Anjo, que tudo me protege, que tudo me acerva, sobre destinos maiores que ainda não sei quais. Mas espero. E temo. E fraquejo. E Deus me perdoe por isso, pois que não vejo já luz, tanta luz, como a que vi naquela noite, naquela tão luminescente e inebriante noite em que o Anjo me procurou, muito lindo, muito belo - e muito sábio - em tantas suas pródigas palavras, em tantas suas concisas aferições sobre mim, sobre Youssef e... sobre Nosso Senhor, meu filho - e Filho de Deus. Que os Anjos do Céu me perdoem se não falo verdade, pois que a tudo já fui sujeita em vergonhas e injúrias sobre este meu estado de ventre a descoberto, de ventre farto, sem que homem tivesse conhecido.
O Nascimento...
Passadas as agruras de um povo que me viu ser rameira, forasteira, mentirosa e pecadora, fui levada por terras e sonhos, mais em tormentos do que em alegrias e, sob o lombo escorraçado de um jumento ainda mais entediado do que eu, ou Youssef, nesta demanda por terras de Belém.
Foi um suplício e uma dolorosa certeza de que não há dor maior do que o transportar um filho para a vida e não para a morte, como Herodes tão bem o queria. E, se esse outro Anjo nos avisou de tal, perante a embriaguez de sangue e loucura selvática deste insano rei de nenhuma terra que se queria ver rei de todas elas, eu e Youssef sem duvidar - ou sequer molestar tal empenho e tal aviso sério - fizemo-nos aos caminhos; eu, com uma barriga de romano rico e ele, meu pobre homem que tudo acerca, com pés de pedregulho (mesmo gotejando sangue em sabre de bolhas abertas), não olharia para trás, não olharia para o que ambos deixámos sem desvelos de nos arrependermos por um pequeno tempo que fosse. Meu menino, é o meu mundo e, melhor, é o mundo de todos nós!
A noite estava fria. Muito fria. Os meus gritos lancinantes na noite perfuraram os céus de mil estrelas e, de tantas arrogadas assumpções, por um parto meu de rasgo e lamento (mais da premonição do que da dor) nessa mesma noite em que não vi as estrelas, em que já não concebi nestas haverem luz maior ou aquela outra estrela que sempre nos seguiu - e depois faria encaminhar outros seres, outros reis de outras terras que já não lembro. Mas que, comigo e com Youssef privaram, obsequiando oferendas e surpresas quejandas que jamais vira em toda a minha vida. Mais do que tesouros, foi a sua magna presença, ali, sobre mim e sobre meu menino - Menino Jesus, o meu Yeshua (e que eu canto baixinho para ninguém ouvir - nem as paredes nem os maus augúrios que o vento possa trazer de, meu menino lindo, meu Messias, meu bebé Yehoshua, em aramaico nome de seu berço mas não pertença).
Sinto uma paz de orações, uma ansiedade de alma amansada, revogada sobre todas as coisas vivas deste meu pequeno mundo, agora grande, muito grande, que me vai ver enlear e abraçar este meu menino que não é só meu - disse-mo o Anjo e eu, só tenho de aceitar; depois de acreditar que é para o bem de todos nós. Que é para o bem deste tão sangrento e pustulento mundo de tão pouca feição para quem é de boas vontades, para quem é de tão grandes verdades.
E o Meu Menino fez-se homem, fez-se cumprir. Foi bem mais matreiro e resmungão do que eu pensei ele me ser. Mas, se Messias ele é, para mim e para o mundo, também o será para seu Pai, seu verdadeiro pai - mais do que Youssef lhe foi, mas ainda assim, sobre si lhe cumpriu todos os mandos e os desmandos, e por todos os recantos, por onde este meu tão iluminado Yeshua andou e visitou em casa de seu pai - Deus, de todos nós!
E nesta fez suas prédicas, sua missão. E nesta me deu enjeitos de não voltar atrás na palavra dada, na honra devotada, pelo que em complicações e outras tantas atribulações este meu menino - Menino Salvador - trará ao mundo. Mas tal não posso. Nem devo. Seria como esconjurar minha alma e todas as que depois de mim viessem, se me negasse ou renegasse a dar-lhes meu filho, a dar-lhes mais do que um corpo mas um sentido, um destino e, o seguir de uma outra doutrina; algo que o Anjo me denotou sem que houvesse a minha discórdia ou singela misericórdia de atrás poder voltar, de atrás poder encetar. E a cisma me ficou; mas nada mais posso fazer do que dar o que não é meu; dar o que me recebeu e enfim, apenas soletrar - em boca vazia de palavras - o que a minha garganta não solta e o peito me estremece, ao sentir que está perto, muito perto esse dia deste me apartar.
Fica dias no deserto. Dias e noites; noites e dias em que nem sei por onde Ele anda e mais não posso saber; e mais não posso perguntar que Ele não me responde. Sou sua mãe, mas tal não me é devido. E eu arco com tudo isso, até a focinheira de Youssef que já lhe não dá abrigo mas ainda assim o sente como seu e não daquele outro lá do Céu que tudo pode e tudo manda, pois que tal como seu pai de punho, barba e sangue, Youssef o sente, sabendo de antemão que assim não é.
E nesta terra mártir onde estamos, eu, Youssef e meus outros filhos, irmãos de sangue e suor mas não de alma e berço terrenos, eu me veja só e sem quebranto de O sentir afastar-se de mim, Ele que tantas alegrias me deu por O ver mais esperto e mais desenvolto em face a outros seus iguais que nunca o seriam, tal como o Anjo me apregoou sem homilias ou salamaleques de maior.
Que se voltem os pedregulhos de terra árida, de terra sem águas - ou de demais líquidos harmoniosos que fizessem desta serem hortos de cenobitas em pérgulas de ouros e marfins - que tudo eu renunciaria, só por ver meu filho voltar e, enfim, de novo, para meus braços ele se enredar, que não para os de seus seguidores que até me dizem João Baptista tê-Lo assistido, e nas águas dos morros ter enfiado em recebimento de Deus - seu pai - em seguimento de sua doutrina e registo de toda uma multidão em si crente. Ah, Meu filho, meu Messias, para o que estais guardado...?! E que vos estará guardado então...? Até temo de o pensar...
A Morte e Ressurreição
Ah, meu menino santo, meu menino Yeshua, como eu o sabia e não queria admitir, pelo tanto que o Anjo do Senhor me alvitrou - e confidenciou - sem que os meus ouvidos o quisessem ouvir. Ah, meu Menino e meu Messias de outros tempos, de outras terras e outros reinos que não os da Terra, ao que esse mesmo belo Anjo me disse Tu pertenceres em terra de Teu Pai - e eu nem queria acreditar. Só sentir. Sentir que podia ter sido uma outra verdade, e não terias perecido às mãos dos ignotos e cruéis malfazejos que nos tomaram as terras e a condição, por outros que, não Te compreendendo - ou talvez te subestimando - Te deixaram sucumbir à perdição de seus tão viciosos intentos e, deslumbramentos, só por se verem únicos senhores desta terra e destes céus que não são vossos (não são de ninguém!) mas do Pai, Nosso Pai e Senhor, Pai de meu menino, de meu Yoshua - Deus Senhor. Mas não quisestes saber, nenhum de vós; daí que vosso templo judaico tenha caído como anjo mau, como anjo preterido que lá dos céus se aventa e, desprega, vindo-nos cair aos pés sem buxo nem lamento, antes má anunciação pelo tanto de mal que lá por cima e cá por baixo plantou, suplantando a dor de uns quantos que de vós sai, que de vós leva suas almas.
E a dor, essa, oh, máxima dor de todas as dores, dores de ver um filho morto, de ver um filho partir para os braços do Pai, do seu pai, do meu tão feroz e profundo desígnio de ter sido mulher sem o ser, de ter sido mãe sem o querer, de ter sido tudo e nada, só por haver um filho Messias que veio para salvar o mundo. E o meu, como fica...? Eu, que nada já sou, sem Ti, meu filho, que de mim saíste, que de mim Te perfilaste em caminhos tempestivos, perfilhando eu na condição terrena de tua mãe e tua serva, em semelhante abjuração, em semelhante divinação, que tudo eu enlacei, verguei e encimei; que tudo eu aceitei e tudo me foi agora negado só por Te ver de novo nos meus braços, mas vivo e de boa condição...?!
Poderá haver dor maior no mundo...? Poderá...? Não creio! Não, nesta imensa e tão igual dor, excruciada - crucificada também convosco, meu filho querido - que estes odiosos homens de nenhuma vontade Te levam assim, te levam em cilício de todas as almas do mundo e com essa tão espinhosa coroa que mais não é do que todo este mundo em Ti. E como isso me faz sofrer...!
Não consigo chegar a Ti. Os Romanos não o deixam, não o permitem, e eu lastimo tão má sorte, tamanha desdita e pungida morte que Tu, meu filho, em breve verás. Talvez, em breve também, sejas um outro cordeiro há muito anunciado sobre a sacrificial cripta dos homens que nem todos o merecem, que nem todos o incensem. E Tu, meu filho, agora vestido de um manto vermelho de sangue, de um manto profano de dor e sofrimento, Tu, que tudo vês agora e há muito, sentindo chegada a hora de dar a vida por todos eles (ímpios e malditos!) que um dia te adorarão e se lamentarão de Te ter dado semelhante e pretenso desafortúnio. Mas, meu menino, meu Yoshua, serás sempre o meu menino e eu a tua mãe, aquela mesma mãe de sempre, terrena mas não sarracena que tanto Te deu sem nada em troca. Ou talvez não, esteja eu assim enganada e desmesurada pelo tanto que nesta parca vida me deste em sorrisos teus, em destinos teus, só por me ver enleada em teus olhos, em teu reino de outros reinos que não os da Terra. E que, um dia para lá vou, levando comigo esse Teu olhar, essa Tua candura que tanto me enjeitou e depois me acarinhou em doçuras que já não lembro. Eu, Maria, tua mãe, sou e para sempre serei, tua escrava, tua serva; mas, acima de tudo, Tua Mãe! E se esta tão grande dor me não matar por tanto te ver em meus braços agora a vida deixar, ser-Te-ei a mais fiel seguidora - deste ou doutros mundos - pois que como tua mãe na Terra, ser-Te-ei sempre, mas sempre eternamente devota, amante e amiga, senhora e rainha, imperatriz ou mendiga que tudo serei a teus olhos nesta ou noutras vidas, nesta ou noutras terras, neste ou noutros reinos.
Sob esta mortalha Te rezo, te oro e Te deixo em suave leito de morte, pois que Te terei de deixar voar, Te deixar partir para com teu Pai ires... por muito que isso me custe. Mas parti, então. Parti de uma vez e deixai-me com a minha dor; eterna e sublime, mortificada em imortal indolência de não mais me ver chegada a hora de convosco ir ter. Mas lá irei, por Deus Nosso Senhor, por todos nós, santos pecadores. Eu, Maria, vos rogo, esperai por mim, que tudo vos dei a vós e a vosso pai, Pai de Todos Nós - e por Ele - seja eu de novo serva e pronta para nova missão. Faça-se então em mim, segundo a Vossa Vontade. De novo, que de novo irei para vos ter em meus braços. Ressuscitai e sê-de feliz. Porquanto lá do Alto estiverdes... olhai por vossos irmãos cá na Terra. Esta, a vossa mãe que tanto vos ama. Que tanto por vós espera um dia encontrar, lá no Céu, onde demais Anjos me virão buscar e porventura me segredarão que, a minha missão foi cumprida, mas outra virá em que eu serei de novo chamada a uma sua e outra voz, a uma sua e outra anunciação - brevemente, muito brevemente. Que Assim Seja, o digo! (Ámen!) - E que os Anjos Te acolham - e me acolham - e Assim se Faça na Terra o que Deus mandou dos Céus que se fizesse em luz e, assumpção! Glória aos Céus nas Alturas, na Terra! Ámen, por todos nós!
sexta-feira, 18 de março de 2016
Eu e o Meu Pai! (II)
Eu e tu, meu pai, numa vida que jamais aconteceu...
Quando há apenas um dia para se recordar... e, esse dia, maldito ou bendito, é tudo o que nos resta...
A Ti, Meu Pai
Odeio-te! Não... amo-te! Não sei, juro que não sei. Ah, como me apetecia viajar no tempo e dizer-te tudo o que de mal me fizeste, o que de mal plantaste em mim como erva daninha, cipreste maldito ou cancro aberto que por todo o meu ser se ramifica em dor, muita dor.
Tanto que eu te queria dizer, tanto que eu te queria abraçar e fazer perpetuar no espaço e no tempo todo aquele amor que, um dia, eu senti tu me dares nesse dulcífero momento a dois. E tanto que havia por dizer, por fazer e, por soltar de nós: de tu e eu, eu e tu como um só.
Não me lembro do teu olhar, do teu cheiro ou sequer do teu rosto. Foste a coisa mais agreste, pungente ou desequilibrada que perfez a circunstância de ter um pai só de nome, melhor que ser incógnito mas pior, muito pior, do que o sonho ou imaginação infantil de te saber um soldado e senhor e não, um déspota e um violador. Um ladrão de almas. Um pirata de mundos!
Ah, como te odeio, meu pai. Tu que me devias proteger, tu que me devias dar um mundo, o teu mundo a azul e rosa, a muitas cores, a muitos desejos, e nada me deste que não fosse a escuridão dos dias e das noites em que derramando lágrimas de impurezas de vidas que não vivi, esperei por ti, ah, como esperei por ti, meu pai, e tu, nunca vieste...
Que mal te fiz eu, meu pai??? Que mal te fez minha mãe... não me dizes? Porque nos abandonaste, porquê??? Que idílios tinhas concebido, que paraísos ou édens perdidos terás querido só para ti, só para esse teu vil e pestilento mundo de gente ébria, de gente drogada, de gente que não era gente e se abeirava de ti só para te extorquir o pouco que de minha mãe e de mim roubavas, só para os teus vícios, só para a tua hedionda gula de sevícias mundanas que te apanharam o corpo, que te apanharam a alma - por muito que o negasses, por muito que te tivesses depois revoltado sem nada surtir efeito. Era tarde para isso; foi tarde para voltares atrás e, demasiado tarde para teres o nosso perdão: o meu, e o de minha mãe, que tanto te houvera perdoado sem que o tivesses merecido.
Não me lembro das tareias. Das bebedeiras e das sovas, e nem tão-pouco dos gritos a portas fechadas mas escancaradas ao mundo que tão bem sabiam dessa tua má condição e maus azedumes (e maus vinhos) que tanto te faziam em minha mãe bateres, frustrando-te a enunciação de homem digno, de homem escorreito, de homem composto de uma vida que jamais seria a tua. Mas tanto que eu e minha mãe esperámos que tardia, mas convictamente, surgisse em teu vislumbre, em teu seio de homem revirado, a renúncia aos demónios da noite, aos anjos caídos que te envenenavam o sangue e a alma, tudo junto, numa não-condição vivente que te levasse a ter, finalmente, essa sã consciência do mal que ceifaste no mundo: o meu mundo e o de minha mãe. Ah, que ódio tive dessa linhagem do demónio por que seguias, por que te envolvias, sem olhar para trás, sem notar ou sentir que atropelavas todo um mundo que não era só teu, mas igualmente o meu e o de minha mãe em muitos outros mundos que tudo arrastavam sem comiseração.
»Meu Pai, se é que me ouves, se é que me lês, se é que ainda estais vivo... ouvi-me então em vosso coração e dizei-me por sangue e coração, mais por bem do que por filiação ou genética apresentação, que mais nos poderíeis dar, senão o sentir que tudo haveis perdido por terdes sido apenas maldito...»
Mutilaste em mim esta dor maior de me ver desagrilhoada de fúria e admissão - liberdade e consideração - amputando-me todas as esperanças de me ver ser mulher que não a menina de outrora, a tua menina, que um dia, dia que não lembro ou não quero lembrar, tiveste em tuas mãos, em teu regaço de homem farto, em teu aperto de peito e tubular reflexão do que um pai é, ou deve ser, muito mais do que aquele raro acervo que foste para mim. E que nem aquele dia no lago salvou, não, de todas as mágoas, de todas as angústias em que não tive um pai que comigo privou ou algo de si partilhou em aceno e referência de me ser mais, algo mais do que um nome, um só nome no cartão de identidade que agora se chama de cidadão em coisa que eu não sei o que é. Cidadania...não é? E o que é isso de se ser cidadã, quando não se tem pai mas barriga para alimentar, pés para calçar, livros por comprar e lágrimas até por chorar, de tristeza ou alegria, aquando estas assim se motivam, estas assim se ostentam, por meandros de uma vida em cor e felicidade ou abuso e autoridade, sem que haja um pai que nos acoberte...?!
Não fui suficientemente forte, bonita, alegre e poderosa para que teus braços eu prendesse como não os prenderam minha mãe, e tu tivesses partido naquela noite fria sem dizer adeus, sem olhar para trás, sem nada mais dizeres do que o silêncio das palavras não ditas ou daquelas outras não escritas, das que ficam sempre por dizer. Ah, meu pai, como te odeio! Ah... mas como te amo de igual forma...!
Foste o mais cruel dos engenheiros desta minha vida, fabricando-me esta mas deixando-me orfã de afectos, de carinhos e de gestos teus em candura do que jamais conheci - e apenas aluí - em observações menores sobre outras iguais que, diferentemente de mim, tinham pais para abraçar, tinham pais para beijar, tinham pais para amar. Meu pai, o tanto que tenho para te dizer, mas tanto...!
Degolaste-me o crer, a vontade e o ser de ser alguém. Quase te segui os passos e as agruras dessa tua delinquente vida de maus usos e maus costumes; hábitos e práticas de insanas rodadas de gente sem escrúpulos em carpidas malgas de vida piores que a tua, ou minha, sorvidas em túmulos de amigos que o não eram e nem sequer o fingiam ser. Tal como tu, meu pai, fui estropiada de tudo; desolada de tudo o que o mundo após o teu ser que deu o meu, assim me cavernou a alma, ditando que já não era tua, tua coisa nenhuma, que nada soubeste ser. Penando por isso, derrubando caminhos e sebes, decepando seres e sentidos do que não vivi ou senti por entre lençóis, camas ou desassossegos que não os meus, encruzilhei-me nessa mesma rede demonológica que a tua, de caveira à mostra e dentes saídos, putrefactos, que para além dos estupefacientes, também davam a ciência de saber que tudo em volta apodrecia; em vida e lamento. Punindo a tua ausência, pungi-me a mim na severa condição de condenação e quase morte, só para que te apiedasses de mim e...se Deus ajudasse, para mim voltasses; eu, que tanto por ti esperei esta vida, toda a vida...
Defequei sobre ti todos ódios do mundo, meu pai. E, por toda a sombra ou semblante que de ti via surgir, eu apregoava maldições e outras aferições de índole pouco beata com o que me assistia como tua filha, teu ser ou ser de ti vindo. Mas, meu pai, se por um sorriso teu, por uma imagem tua, por um breve e comedido solstício teu de uma qualquer tua estação provinda, me desses de ti cores, de ti favores, de ti a mais ténue afeição, eu para ti correria, para ti te enlearia como a mais forte e poderosa força do mundo em atómica propulsão, idêntica ou similar a essas que levam foguetões à Lua ou onde for, ou onde quiserem ir, pois que a minha força leva a outros mundos, a outras sensações.
Meu pai, que tanto amei, escondida e sufragada por entre o frio das madrugadas em que te não vi, em que te não senti, naqueles deveres, teus, que esqueceste, que aboliste, ou que revogaste noutros desconhecidos (ou nem sequer te deste ao trabalho de saber se havia outro ou outros), anulando todas as vontades, todos os créditos de mim sobre ti. E isso, por tudo o que faltou e falhou entre nós: nas ausências e não permanências de me ires buscar, à escola ou, à enseada de outros mundos, outras vias, más, sulfurosas e não convenientes de quem se diz ser coerente e não indigente pelas ruelas de outros destinos, outros corpos, outras patogénicas doenças que não as do corpo, as da alma, que fazem mais mossa - e por vezes - são mais letais que doenças por África. E por África ficaste, e por África divagaste o teu nome, a tua condição de homem sem rumo e sem bússola que te navegasse os sentidos e a direcção de saberes o caminho certo, o caminho que atrás deixaste gelado, moribundo, e sem salvação. O teu outro mundo.
Pelos pântanos mesopotâmicos lançaste a tua ilharga, a tua âncora leprosa de salitre e desapego, pois que nunca te apegaste a ninguém, a nenhuma mulher, a nenhum filho, a nenhum país por onde passaste. Foste um viajante do tempo e só isso te dava prazer, não vendo que no fundo, apenas, sombreavas o mais pálido ectoplasma ou mero fantasma que não deixa saudades. E tu, meu pai, não deixaste. Ou talvez minta e, sabendo-me traidora desta tão dura realidade ou verdade camuflada neste meu dorido peito, tenho de o dizer (ou desdizer, tendo de o replantar, reflorestando a vegetação perdida) que, tal como pantanal ferido pelo esventre e pela violada mão do homem que tudo quer, tudo toma, faz assim refém, igualmente, nesse seu peculiar ensejo e desejo de tudo e em tudo se ver senhor. E tu, senhor meu pai, não foste diferente, apenas mágico, se é que se pode chamar de mágico, alguém que faz desaparecer momentânea e imperativamente todos os amores da sua vida. Como te odeio, meu pai...!
Mas ainda sonho... sonho que voltas para mim, meu pai. Sonho com aquele dia à beira do lago, aquele mesmo lago que, não sendo as suas águas as mesmas, possui o mesmo viço, o mesmo deslize e o mesmo encantamento de outrora aquando eu, a tua menina - de suavidade e aromas a amoras e alfazema - te presenteava com os meus risos, as minhas traquinices, as minhas alegrias de pequena criança que era. Será que o lembras, meu pai...? Será que o esqueceste alguma vez...?
Eu não. E ainda hoje sinto o fresco da água por entre os dedos, o Sol apaziguador de uma Primavera que dava os seus primeiros passos e tu, meu pai, em suave contingência de homem maduro mas não impoluto de tudo o que a vida te havia de dar, exalavas o cheiro a pai, o cheiro a uma paz perdida, o cheiro a um amor que jamais voltei a sentir. Sabes a que cheira o amor, pai? A rosmaninho. A flores do campo, e a toda uma incontinente felicidade que por mim escorria como se o mundo, o meu mundo, fosse começar e findar ali, sem espaço ou tempo para mais que não fosse, o ter-te, ali, junto a mim, pai. Ah, como te amo, meu pai...!
Um rio que vem do passado e desagua no futuro não pode ser (ou não deve ser!) um bom augúrio. Não pensas o mesmo, pai? Ou estarei errada e, sistemática e insistentemente enganada, sobre tudo o que por veias, por sangue e nenhuma estima de ti sobre mim, eu verei em negrume que não em iluminação, ante tudo o que já vivi, não me dizeis, meu pai...?
Sobre o poder da espada, da crítica, da solidão e da arrogância de ter sido criada como órfã de ti, fui abusada e sequestrada no mais infame ou ardiloso covil de todas as coisas na Terra, em caprichoso teatro cósmico de muitos tentáculos em que, em cada homem com quem dormia, ou vivia, eu via um bocado de ti - e paguei por isso.
Querendo ver-me livre do teu espectro e dessa tão peçonhenta dor, mais me assumi e consumi na mais heroína das causas, tornando-me esmiuçada mas, ferozmente, um ser infalível, tortuoso e perturbantemente igual a ti! E aí apercebi-me de que não era, então, muito diferente de ti e comecei - igualmente - a odiar-me por isso. Mas, ao contrário de ti, meu pai, revolvi passados, reconquistei espaços e, num tempo que ainda tinha tempo para mim, solidifiquei o que de melhor havia em mim: a esperança de voltar a ti!
Esperei por um milagre, esperei por ti; que deixasses os opiáceos, as putas, as noites mal-dormidas, e enfim, todas as mazelas acometidas de outras dores que não as do corpo, as de uma inconstante aflição de te veres sem mim, sem outros, sem ninguém que te segurasse na mão e que te desse um bom fim. E que, por fim também, te auspiciasse a benevolência do que a terminal doença ou síndrome da imunodeficiência adquirida se tingiu em ti, sobre ti, sobre teus ossos débeis, fracos, fracturados e capturados pela mesma doença que nenhum anti-retrovírico soube liquidar, tendo sido tarde demais para isso, tarde demais para muitas outras coisas. E, sobre teus músculos flácidos, sobre a tua face cadavérica e, no fundo, sobre todo teu martirizado corpo amordaçado pela vil doença em VIH pronunciado, viste-te finalmente libertado - de ti, mas não de mim. Foste apanhado! E eu contigo. Queria morrer ao teu lado; queria ter-te dado a minha vida, a ti, meu grandessíssimo crápula, meu pai de nenhuns pruridos - e nenhum amor - e, nenhuma vida já quase.
Meu pai, que tanto mal me fizeste, a mim, a minha mãe e a ti próprio, por que não fazeres as pazes com a vida, nesta que te resta agora, e me dás o prazer de te ver dizer - ou apenas sentir em sorriso teu de uma vida que de ti se esvai - de que te não esqueceste de mim, daquele dia no lago, daquela encosta de sombra e verde, de tudo e nada que tu e eu vivemos há muito, muito tempo... lembraste, pai? Eu lembro. E lembrarei sempre!
Não haverá maior impiedade sacrílega do que o não perdão de uma filha a um pai - ou deste sobre si - na preciosidade da compaixão, do amor e da devassidão que os seres possuem na Terra. Mas pai, meu pai, dizei-me agora em vosso último instante de vida: Algum dia, algum momento, deixaste de pensar em mim ou de me amar...? Eu não, meu pai. Jamais! Antes calabouço que asas de anjo me levassem se vos mentia, pai. Antes rameira e perdição minhas, que a incerteza dessa absolvição, pior que jurisdição penal ou inquisição de outras almas, maiores ou menores, se nestas andanças me visse.
A morte te levará de mim, eu sei, mas estou aqui. Hoje e sempre, pai, meu pai. Ainda me ouves...? Ainda me sentes...? Olha, pai: Vê-de como brilha o rio... vê-de como as figueiras e as videiras estão belas em redor, hortênsias, cravos, malmequeres, papoilas, lírios e até nenúfares que se deixam abrir ao prazer do Sol, ao prazer deste dia, meu pai, e se deixam também morrer por que sabem que, um dia destes, acabam voltando, acabam nascendo de novo - e «morrendo» de novo - em cíclico crescimento de uma vida que são muitas outras vidas e tu, meu pai, aqui estarás para mim.
Agora, parte em paz, meu pai, e leva contigo o meu coração e... aquele tão saudoso e belo dia no lago em que tão felizes fomos, na eternidade que nos vê...
Eu e o Meu Pai! (I)
Eu e o Meu Pai... algures no pensamento e, vivência, de alguém...
Nas pontas do ballet da vida, eu ergui-me perante ti, pai. E tu - Meu Pai - elevaste-me em confiança, sonho e alegria perante essa mesma vida que, agora, para mim se abria...
- A Ti, Meu Pai -
Eu e o Meu Pai
O primeiro olhar: Assim que te vi, meu pai, senti que jamais me perderia nos caminhos da vida; em protecção, cuidados e desvelos que só um pai sabe, mesmo que por vezes passe e ultrapasse certos limites dessa outra vida que, não sendo fácil, também não o é de propriedade alguma sobre quem nos deu a existência ou se diz nosso progenitor. Mas isso, é algo que, supostamente, e de forma por vezes errática ou disforme, nos quer tanto que chega a sufocar, nos ama tanto que chega a consternar por considerarmos que o tal cordão umbilical de nossa mãe se tornou extensível e, amovível, às mãos peludas e fortes de nosso pai; para sempre!
Amei-te tanto, meu pai! Tanto que chegava a doer. Foste o meu maior e mais forte pilar ancestral de toda a minha débil e inconstante vida, desde que senti o teu cheiro, a tua face na minha, a tua forte mão em palmada assente no rabo; pois, que não só de mimos se vivia então... mas, recordando hoje isso, minimizo a franqueza do teu gesto, a despudorada submissão a que uma filha tem sempre de se converter na mais pura franquia ou sedução, perante um pai que tudo sabe, que tudo ensina e que tudo ordena. Eras o meu pai querido; o maior, o melhor, o mais sábio, o mais empreendedor, o mais «Tudo»! Incomparável e assumidamente o mais implacável ou indestrutível alicerce (mais sólido que betão armado) em que cimentando o meu púbere crescimento, me deste as asas necessárias para que eu as desenvolvesse, as emanasse em puro ócio e encantamento de princesa que então me julgava.
E, nesse meu castelo de fadas e orbes, pequenos anões e todo um mundo que era só meu, eu te deixei entrar, como se nessa feérica introdução do fantástico, tu fosses a minha maior luz de iluminação e, conhecimento, além tudo o que eu podia imaginar que tu seguravas e eu dependurava, como centelha alumiando um outro caminho, um outro trilho mais perene de inesgotável certeza de estares sempre lá, para mim. Sempre. Mas sempre, é uma palavra não-eterna, inversamente ao que esperamos desta, sem que haja magia ou imortalidade em si - ou em ti, meu pai.
Foste a minha candeia acesa, a minha direcção robusta por todas as situações havidas, por todas as ilusões vividas em que no teu ombro chorei, em que no teu colo afaguei tantas das minhas mágoas, até mesmo às escondidas de minha mãe, tua mulher, que por vezes denunciava certos ciúmes de nossa tão grande cumplicidade. Ensinaste-me as primeiras letras, as primeiras palavras com a infinita paciência de um mestre ancião, de um loquaz sabichão que tudo sabe, que tudo empina do alto da sua sapiência-mor em condição absoluta e, irrefutável, de qualquer contestação. Eras o meu professor, o meu impulsionador, até das coisas incompreendidas ou mal explicadas da vida. Ensinaste-me a andar de bicicleta (mesmo que eu tenha dado um enorme trambolhão e ainda hoje não te perdoe o não teres ido atrás de mim, segurando na parte traseira desta em total entrega tua de me não deixares, nunca...).
Ensinaste-me a dar o primeiro murro (eu sei, não foi nada bonito, ao que a mãe depois me explicou que, não tendo de se dar sempre a outra face, também não se tem da andar à bulha) se nos dão um empurrão ou entram em briga, ao que hoje se designa de «Bullying», também não se deve partir para a enseada de porrada propriamente dita, chegando a casa com o sobrolho deitado abaixo ou com a dignidade feita em frangalhos por termos sido mais afoitos do que defensivos ou, atacantes e mal sucedidos...
Meu Pai: foste tudo para mim. O mais enérgico, o mais veloz, e até o mais bonito, do alto dos teus quase dois metros de altura e um porte de toiro bravo que ainda hoje é lembrado - e relembrado - por quem te era mais afecto, se algo se te colocava no caminho ou se algum menos propósito se te defrontasse em honra familiar ou ameaça velada sobre os teus. Se tivesses ido à guerra do Vietname, terias sido condecorado e encimado como o mais bravo guerreiro que não deixa ninguém para trás. Não foste, nem a essa, nem à colonial por terras de além-mar, pois que tinhas de dar sustento a tantos e tantos irmãos por cá, em terras de Portugal. Eu sei, estou a generalizar, mas quantos pais e quantas mães não em vão rezaram, choraram e lastimaram a sua má sorte desta guerra o país enfunar como a maior honra de todas em matar para não morrer, nas sombras de um Estado Novo que tudo arcava, que tudo protelava, por vozes desavindas de aliados que queriam que esta guerra acabasse.
E, se ficaste feliz por eu ter sido rapariga - no que me livrava de ir à guerra - também não deixaste transparecer um pouco dessa tão morgadia mágoa de tempos idos e, infindos de tua prosaica prole, eu não ter sido a sequência de filho varão para te seguir os passos, ir contigo pescar ou caçar, ir ao futebol, ao basebol, ou a outras modalidades desportivas que tão bem desejavas seguir. E até ao pugilismo, área desportiva que ainda hoje endeuso em mim (coisa estranha, não é?) por tanto me teres levado aos circuitos da urbe de campeonatos regionais em que o murro e o soco eram campeões e eu, qual gnomo dançarino em espanto e maluquice, ia fervendo em mim as hostes de que a violência era só de fora de portas, não ali, em ringue suado de dois corpos e duas mentalidades, acabando estes por um aperto de mão que jamais compreendi para quem tanto se debatia e esmurrava assim.
Foste ao Grande Canyon comigo. Em sonhos. Mas foste. E ao Jardim Zoológico. E às matinés infantis em que eu só estava quieta quando as luzes se abriam e tu me compravas um chapéu de chuva de chocolate, acalmando ânsias e calamidades de me tornar daí a pouco uma coisa gorducha e ruborizada por mais calorias do que as devidas. E passeaste comigo nos entraves da vida, aqueles que nunca pensamos passar, aqueles que jamais sentimos aforar porquanto os tempos da infância que nos ditam que somos eternamente protegidos, que somos imortalmente intocáveis ou inexoráveis de qualquer moléstia, de qualquer agressividade ou violência inquirida. Até aí tu me seguraste...
Um dia bati-te à porta. Abriste-la. Depois de me teres dito que não mais serias para mim aquele mesmo pai que um dia a outro me entregou, para ser estimada e não mal-amada, violentada ou estuporada em vigências malditas que só os demónios sabem impingir.
Mas abriste-la. Para mim. De novo. Sovada e amolgada, ferida no âmago de todas as coisas, mais na alma do que no corpo, envergonhada e inibida, foi como me enlevaste de novo nos teus braços, me recebeste e amparaste e foste tudo o que eu sabia tu seres, sem nada me faltar a partir dali. Foste o meu porto seguro, a minha âncora deposta sobre o fundo do mar em impressionante força matriz que nada derruba, que nada depõe, no que mais tarde me confessaste teres quase morrido por tão fraca e frágil me veres assim: meu pai, tanto que por ti eu tinha por dizer...
Depois de teres resmungado, amaldiçoado - e punido mesmo - por ter feito tão má escolha nupcial, por ter sido tão pouco selectiva ou consensual no mando e desmando de ter ouvido apenas o coração e não a cabeça que tudo nos rege, dei-te razão; como sempre! Foi mesmo uma má escolha!
Mas depressa me viste erguer ou soerguer. De novo. E de novo fui à luta - embrionária ainda - mas forte e concisa com o que me determinara a mostrar-te, para que de mim e, sobre mim, depusesses esse teu verminoso orgulho que tantas discussões, tantas humilhações ambos nos conotámos, coarctando direitos próprios de pai para filha e vice-versa.
Foste, alegadamente, o mais impenetrável ou incorrupto juiz sobre a minha causa e, a tua fidelidade, aos teus princípios, aos teus desígnios, que não ceifaste de ti; mas, no fundo, acabaste reconhecendo que ser pai é mais, tanto mais que de ti se assomou, fazendo-te quebrar promessas e veleidades sobre o que em filiação pungente me tinhas já condenado em cela sem chave, sem saída possível. E, sobre esta - cela e solução - me deixaste apodrecer como Edmond Dantès ou Conde de Monte Cristo (do célebre escritor, Alexandre Dumas) numa ilha qualquer. Numa ilha que não tinhas intenções de visitar... e muito menos, fazer reverberar ainda que ao longe... (mas o teu coração falou mais forte e depressa desta me libertaste!). Novamente.
E por falar nisto, lembro agora que, comigo privavas de teus sentimentos, velhos eu sei, mas ainda assim belos, tão belos que ainda hoje recordo, sobre filmes e séries televisivas que ambos dilacerávamos, dissecando como tertúlia nossa de grande profundidade e que, ia desde o «Sandokan» até aos mais eruditos de Ingmar Bergman, aquele estranho mas inolvidável realizador sueco que nos transmitia mensagens tão simples ou fáceis de compreensão quanto o Universo no seu todo ou, hoje, a explicação cósmica através da mecânica quântica. «Igual»! Ainda hoje tento traduzir certos diálogos sobre isto. E, se em relação ao Sandokan a coisa era de índole leve, em que eu era a sua princesa inglesa, deixada ao mar e depois morta (em que eu chorei rios de lágrimas sem que tu nada pudesses fazer...), já no caso de Bergman a coisa complicou-se. Foi a minha fase rebelde: dos charros, das experiências sexuais furtivas, aos mais loucos eflúvios sobre um esquisito movimento hippie de sons e aromas que vinham dos lados de uma Califórnia endemoninhada...
Usava calças à boca de sino e fumava charros. Qual a novidade? Todos (ou grande parte dos adolescentes da época) o faziam. E éramos os maiores. Do nosso bairro!
Dei-te muitas dores de cabeça, eu sei. A entrada na idade parva - a da adolescência e irreverência própria de quem não tem muita cabeça ou siso - foi uma época sã (e farta!) em deslumbramentos de alma. De todas as almas! Dei-te muito trabalho, reconheço. Hoje reconheço.
Um dia fui parar à choça. Ou seja, fui parar à prisão; eu, e mais uns quantos, não pelo que fumávamos (nessa altura os polícias ainda eram mais imberbes ou talvez ingénuos para tanta actividade tão pouco pueril) mas por vias de atentado ao pudor, segundo constara na contra-ordenação policial por factos ilícitos e, censuráveis (em libertação endógena de feromonas de uns e de outros, rapazes e raparigas que se beijavam, apalpavam, trocando carícias na via pública) e que, por ralhetes ou singela admoestação - e uns quantos avisos de tal não voltar a suceder em reprimenda oficial e filial - tudo voltaria aos eixos. Até à próxima vez...
Não ficou nada na carteira criminal. Um susto. Naquele tempo, o ter-se uma mancha no registo criminal equivaleria ao ter-se morto a mãe. Ou o pai; ou a família toda! Uma vergonha, era o que era! Uma lástima, uma sem-vergonhice e um autêntico desplante (segundo palavras de meu pai) em que a filha quase deserdada de seu testamento e sangue honorífico se veria a braços com a desonra e a não inimputabilidade de se fazer à vida sem mais acordos consigo: assim, sem mais. Pior do que entrar para uma casa de correcção (nesses tempos a coisa não era para brincadeiras!) seria o exílio forçado de se poder entrar por um caminho sem regresso desde um gulag siberiano até aos mais fiéis cordelinhos paternais que jamais reconsiderariam em que para si voltássemos tal como filho pródigo da Bíblia. Lá em casa não se perdoava; desculpava-se - era mais consensual. E jamais se esquecia uma falha. Nunca!
E tu, meu pai, estiveste lá. Comigo. Ao meu lado. E eu, tal como peru em véspera de Natal, trémula e cabisbaixa, prometi-te melhorar e, se Deus ajudasse (Deus estava sempre presente nestas ocasiões) haveria que pôr tento e juízo nesta cabeça tonta de rebeldia malvada que tão distante da dos States estava; se por lá se ouvia a Joan Baez, e Bob Dylan em total ou indefectível deferência - ou em mobilizada e activa irreverência política - por cá, os sons eram mais plácidos e talvez não tão exacerbados ou, em menor consciência politica de subversão, ao som dos Rolling Stones ou de um ainda Cat Stevens (que não Yusuf Islam, na repentina epifania de mudança de nome e, ideologia religiosa que até pedia a cabeça, literalmente, do então Salman Rushdie, por sua obra dos «Versos Satânicos»). Para além do que se dançava e, roçava de corpos, ao som dos fleumáticos e quiçá harmoniosos Bee Gees em danças de salão, garagens pessoais (ostensivamente personalizadas) ou ainda nas «Boîtes» da época, em que fechavam «apenas» às duas da manhã. Velhos tempos...
A conversa é como as cerejas, eu sei. Daí que não possa deixar de falar nos sons, nos outros sons que de ti eu tive, aquando pegaste no teu primeiro neto ao colo. A quando olhaste para mim e te viste retratado em génese e soalheira condição de te continuares em vida e, perfeição, naquele esgar que te parecia um sorriso, naquele enrugado e pequeno corpo que te parecia um cordeiro acabado de nascer. E presenteaste-me com o que de melhor de ti havia. O teu amor por mim, incondicional, aberto e sem limites de um infinito universo só teu. Envelheceste. E eu, acompanhei-te nessa outra caminhada, nesse outro percurso ao som do Nat King Cole, Frank Sinatra (the voice) e outros. E, olhando para mim, soltando um simples e breve sussurro em sorriso desprendido da vida, disseste-me:
Filha, foste o melhor que me aconteceu. E, deixando cair a tua mão sobre a minha, partiste deste mundo; e eu, sentindo que te devia mais, tanto mais do muito ou todo do que não te disse em vida, deixei-me morrer um pouco, morrendo parte de mim. Mas ainda ouço as tuas palavras, o teu riso alegre, ou mesmo a tua rabugice em não admitir ter de ingerir a medicação recomendada.
Pai, foste o que então previ de melhor e mais seguro em mim: foste a minha pedra angular de toda a minha vida, mas isso, já o sabes: agora e sempre! - Amo-te muito, Meu Pai!
quarta-feira, 16 de março de 2016
A Experiência VI: A Prisão!
Dragon 2 - A Nave Terrestre (prisão espacial de alta segurança). Algures (e em órbita) entre a Terra e a Lua...
"Nenhuma Tempestade tem força suficiente para arrancar um Nome.
Aquilo que carregas irá acompanhar-te sempre,
Fará parte até do teu silêncio.
Repara em Ti,
Repara em quanto do que te constitui, é Eterno e Imortal!"
- Irmã Lúcia -
A Prisão
Ser prisioneira de uma mentalidade fechada, de uma orquestrada deambulação cósmica ou poder sentir que entre um e outro sentido, tal vórtice bloqueado, deixa de fazer também qualquer ou outro sentido que não seja, o sermos traídos pelos da nossa própria espécie. E isso, é o que dói mais; é o que mais me fere como punhal cravado na alma ou assertiva degolação que me coloque prostrada e sem forças, pois que nada já faço - ou sou - em sublevar ânimos que de mim se apartaram.
Estou presa, rendida, e fodida! Quando tudo parece eclodir em voo de águia solta, um «shobo» (arma japonesa) espada shotel ou vulgar catana africana me decepa todas e quaisquer vontades ou assomos de daqui me livrar. Mais em ira do que em ímpetos racionais, eu sou uma Fénix não recauchutada, antes empalhada, inerte e amortalhada, num embalsamento inglório que nem os Egípcios conseguiriam destrinçar. Ou aperfeiçoar, tal o meu triste estado!
Estou no meio do nada; num covil de ogres e estupores que me têm agrilhoada a seus intentos, a seus mandos - e eu nada posso fazer. «Dividir para reinar» ou simplesmente vergar a cabeça, ser subserviente ou imprudente, talvez, a uma tão pouco nobre causa que me faz agonias só de me saber em igual civilização prostíbula que se vende a qualquer preço: a Humanidade!
Era este o meu sentimento, no momento em que fui trespassada pela mais inolvidável circunstância: eu e Blue éramos uns foras-da-lei; da lei judicial galáctica - em delinquência estelar - só por termos invertido os papéis ou subvertido os mesmos sem requisitar opiniões, poderes decisórios, ou outros que não os nossos, única e exclusivamente. Mas isso tinha um preço, e que ambos pagámos caro; caro demais. Não teve graça. Nem brio.
Fomos feitos prisioneiros: Eu, Blue, mister-T e até a sua parceira Lilly (que eu baptizei no momento em que a vi, tão roliça e tão dengosamente impenetrável naquela sua performance anatómica invulgar de tardígrada-fêmea gigante que é) - e tudo nos foi separado; os corpos, as súplicas, ou as manobras de repúdio de tal nos fazerem. E até a composta postura de ambos, de mim e de Blue, em total espanto mas rejeição também de nos manipularem como um Adão e uma Eva inusitados - ou adulterados - sobre o que nos tinham proposto, inicialmente. Fomos assim, deste triste modo, abruptamente retirados uns dos outros, como se houvessem respostas ou silêncios recortados por outras explicações, por outras insinuações de algo de terrífico que tivéssemos feito como lesa-pátria de algum solo ou regra maior estelar. Fomos levados como bois para o matadouro por uma frota armada pretoriana de origem desconhecida. Mas as ordens - militares e precisas - vinham de cima, de uma entidade sobejamente por nós conhecida. A mesma que nos levara até Marte. Blue sempre o soube; eu não. Só depois o reconheci, na retaguarda (e não vanguarda) do que jamais me seria revelado, se não fosse Blue tê-lo feito, contrariamente às ordens sobre si impostas.
Todas as naves a mando da Space 132/ YXY (existindo, eram irreais ou como se nunca houvessem sido planeadas, fabricadas ou sequer implementadas, pelo que só um limitado número de altas patentes o reconheciam). Blue sabia-o. Tinha um grau diferencial que jamais eu alcançaria (em conhecimento e autorização sobre todas estas actividades em órbita da Terra ou da Lua) e mais tarde em Marte, pelo que me confessou. Fora induzido, programado e imputado sobre essas actividades, imperando nele a responsabilidade de o não divulgar. Talvez tenha sido este o seu erro maior. Confidenciou-mo, e agora pagaria por tal. Senti-me culpada. Senti-me deveras mal por isso, mas já não havia nada a fazer. Teríamos de ambos o admitir como a mais pesada pena capital. Eu não sabia o que estava a suceder com Blue. Nem podia. Só mais tarde ele mo disse, mo relatou em palavras que não poderei esquecer; não nesta vida. Ou noutra qualquer...
Tribunal Marcial Estelar
«Há planos para vós. Mas infelizmente violaste-los todos. Como o lamentamos. Sois parte de um Todo que jamais se deveria revoltar, pronunciar - ou sublevar - em oposição de nossa e vossas leis, ou subestimar o tanto que para vós vos tínhamos outorgado em planeamento galáctico - e mesmo interestelar. Fostes incauto. Imprevidente. Absurdamente indistinto aos seres inferiores!»
«Sois parte de um Todo que jamais aceitará renunciar à mais pioneira obra do nosso tão Grande Mestre que ditou as leis do Uno. Jamais as saberás! E lamentamos por isso. Mas não há remissiva ou perdão para a quebra do vosso silêncio e, da vossa incúria, em submeter ao conhecimento terrestre essa homilia que vos foi consignada através das Grandes Ordens do Mestre - sabeis disso e da pena em que incorreis. Estais ciente da vossa abissal irresponsabilidade, e imprecação.
Não poderemos fazer nada mais por vós, do que, vos restabelecer e enfim regenerar vosso tecido orgânico, mas, com o único intuito, direcção e destino de, terdes de acabar a missão previamente - ou precocemente, neste caso. Sereis levado até vosso planeta (só!) e sem ordens de para trás voltar, olhar, ou prevaricar - como já o fizestes com graves prejuízos e acervo danoso em face ao Grande Uno. Não é novidade que tal vos seja dado em sorte. Desde o início que sabíeis de vossa condição e missão estelares nesta galáxia. A Via Láctea ser-vos-à negada em reentrada ou recondução; e se o fizerdes, as consequências serão fatais, sabe-lo bem.»
(O silêncio é sepulcral. Blue quase nem respira, perante uma assembleia judicial estelar que há muito, advogando a sua própria causa, o condena sem apelo nem agravo, recurso ou defesa alguma que lhe valha a dúbia certeza ou, breve instância, de dali poder sair - em inocência declarada ou liberdade adquirida). E a missiva oral continua em pungente ordenação estelar:
«Entorpecendo, revolvendo ou distorcendo o que vos era pedido, envolvendo-vos com uma outra parte de um ser civilizacional inferior, menor, ou de um seu mundo inferior, destes azo a a todas as altercações ou disputas estelares sobre o que não vos era permitido fazer. A Interestelar História não se compagina com a história humana, na qual, sendo nós intervenientes, não seremos novamente candorosos ou irreflectidos, sobre o que ela nos conta - e reporta - sobre os maus resultados ou convénios aí registados dessa hibridação que, como bem sabeis, deu genésicos fluidos, seres, e comportamentos muito perturbadores. E dos quais nos não orgulhamos, em analítica amostragem do que se não deve fazer, do que se não deve instar ou instigar na civilização humana ou qualquer outra.
Não tornaremos a deixar que tal se remeta - na Terra, ou em qualquer outro sistema planetário, dentro ou fora desta galáxia onde nos encontramos. Não nos é permitido conceber descendência híbrida. Não nos é referenciado replicar a génese humana com uma outra, nem conceptualizar gerações de duplas hélices, de duplos genomas. Não temos poderes universais para o fazer. As leis são muito claras e vós sabei-lo. Explícito é o Uno: Impedimento absoluto! E assim o será, ou assim o deveríeis ter incrementado, sem ultrapassar ou cometer ilícitos sobre essas mesmas leis do Uno.
A Experiência não poderia ser tocada, manipulada ou alterada por outros. O que fizestes, audaciosa mas erraticamente, subverte tudo o que inicialmente tinha sido suposto e nesta imposto. Nada mais a acrescentar.»
Por licitação da Assembleia Estelar vos pronuncio:
«Não somos injustos, criminosos ou implacáveis, mas, segundo as Leis do Grande Uno, tereis de abarcar com as mesmas: As Regras e Leis do Grande Mestre! As que jamais se podem quebrar! E quando assim o fazem, os prenúncios são inevitáveis. Os vórtices estelares estarão abertos para vós, mas só em cumprimento de partida e de não retorno. Por muito que vos possa condoer ou apelar à nossa clemência estelar, nada poderá ser reversível, pelo que o Grande Uno já sobre vós emitiu que se fizesse, que se cumprisse. Lamentamos por vós, mas nada mais podemos fazer. Sabemos que nada disto vos é imune, mas essa, é a única condição que de vós se não poderá extrair ou este Conselho absolver, comutar - ou extirpar - em vossa condição de elemento sábio de Kicyrius. Podeis retirar-vos. E que o Uno esteja convosco: Hoje e sempre!»
Aqui, o Direito Penal Estelar cumpriu-se de facto: Blue foi remetido ao exílio. Não podia ficar, retornar ou regressar, como lhe foi ostensivamente dito sem qualquer abertura ou fresta de lei galáctica que ele pudesse aventar sobre o vir-me buscar, o voltar para mim, o fazer-me consigo levar em créditos nunca por si avançados sobre o seu Grande Mestre, o seu Grande Uno que nada nem ninguém jamais poderiam contrariar. Se isto não era estar completamente fodida, digam-me lá então o que era... eu, que não sou de palavrões, mas o garrote de forças maiores me fez ser tão comum e tão pouco comedida com meus terrenos princípios educacionais, que só me apeteceu, nesses cerrados momentos de presídio, tê-los mandado (a todos) à merda! Pronto, já disse. Mas ficarei por aqui, ou o Grande Uno mandar-me-à meter pimenta na língua...
E se os meus dias nessa compartimentalizada prisão foram de autêntico suplício (não pelas suaves e higiénicas condições havidas mas, pelo obscurantismo do que eu já previa fazerem sobre Blue) para ele, Blue, foi muito pior - do que posteriormente me confessou. E, apesar de não ter oportunidade de o saber, sentia-o, como verdadeiras e ardentes chagas de Cristo sobre o meu peito. Daí que me inventasse em mil rezas, em mil orações por mim evocadas, endeusadas, sobre os maus augúrios que temia sobre mim e sobre ele, recaírem. Apelei a todos os Santos, a todos os Deuses; os de hoje e os de antigamente. A todos enviei pedidos de reforços audazes sobre o que não tinha poder para decidir ou mudar. Temi pelo meu destino, mas mais por Blue, e até pelos tardígrados gigantes, que nunca soube para onde os levaram em gritos angustiados de também se verem um do outro separados. Uma lástima! Uma autêntica lástima extraplanetária!
Ainda que essa Assembleia Estelar fosse composta e, oriunda, por elementos de terras distantes, interestelares, os que me seguraram naquela masmorra suspensa e orbital sobre a Terra e sobre a Lua, eram de origem e nascimento como eu: humanos. E isso, foi horrível. Compactuavam, comandavam e (soube mais tarde), até lideravam certas causas galácticas entre eles. Há muito que na Terra disto se suspeitava sem haver grandes certezas - na teoria da conspiração/interacção entre terrestres e seres inteligentes (de várias espécies, etnia/cosmogonia, ou efectivas diferenças de outros sistemas solares do cosmos). Agora, tinha a certeza de tudo isso, mas nada me valia sabê-lo. Pior ainda, descobri-lo assim, num nepotismo exacerbado de uns sobre outros, em xenofismo cósmico, ou mesmo sobre certos e enviesados justicialismos estelares - tão exóticos quanto macabros - alguns deles, sobre leis, regras e princípios, como se houvessem mais tábuas de mandamentos que não os da Terra, os de profetas bíblicos, que tão bem os cristãos terrestres conhecem. E, por esse facto, havia que os seguir. Que os determinar. Ou não haveria futuro para quem assim o negasse, disse-me mais tarde Blue. Acatei. A partir dali, já não era só uma questão de ética terrestre (ou terrena) de ser humano do género feminino que eu era, mas, cidadã estelar de outros mundos, outras considerações.
Primeiro revoltei-me. E disse os piores disparates e impropérios dentro e fora do cubículo metalizado, asséptico e uniformizado em que me colocaram. Depois, desmotivada e lavada em lágrimas terrenas, sucumbi a todas as impotências geradas e, agora goradas, de dali poder fugir.
Além os humanos que me seguiam em silêncio, sob olhares ou observações pormenorizadas mas alheadas de mim, eu senti o cutelo da justiça além a Terra, além tudo, sobre mim, sobre a minha cabeça. Tal como Maria Stuart da Escócia, pensei. E não gostei do que senti.
A parvoíce ali instalada de toda aquela hegemonia platónica de uns sobre outros, deles sobre mim, fizeram-me ter a noção ou a consciência perfeita do grão de areia cósmica que eu era (mais uma vez!) por os saber senhores do mundo, governantes de outros mundos e outras mentes não-humanas. Ainda que a minha cosmovisão pudesse ser falhada - ou frustrada pelo que ainda não entendia - sabia bem o quanto poderia ser pernicioso o grande poder dos que se julgam donos do mundo, de vários mundos, quando, talvez, nem um simples quintal lhes deveria ser arremessado. Desde as piras sacrificiais dos povos antigos (Incas, Maias ou outros), utilizando crianças que enregelavam e assim morriam, mastigando coca e maconha, mastigando o medo e as vísceras que entretanto congelavam em acelerado processo de hipotermia no alto das montanhas, fazendo os deuses apaziguarem-se, fazendo os deuses acalmarem-se, ante a fúria dos ventos e dos mares na tempestade terrestre que sempre os seus seres viventes viam, aquando estes sacrifícios não lhes eram amistosos. Que deuses eram estes afinal, que pelo sangue e pela morte, sossegavam ânimos e desânimos, sem quebranto ou piedade sobre os humanos...??? (perguntei-me) E ainda hoje o não sei. Nem mesmo percorridos outros mundos, poderei sentir justiça nessas ancestrais práticas de sofrimento e só lamento. Quem o pede assim...? Quem o exige assim...? Serão deuses - ou monstros - que nenhuma convenção galáctica quer ou deseja inserir em si...? Como gostaria que «eles» me respondessem a essas dúvidas; dúvidas que nem Blue me desfez...
E o que dizer dos grandes ensinamentos, os da Terra, que me foram dados, arremessados e tanto empolgados como as mais litúrgicas ou sacrossantas regras universais a seguir; estariam todos enganados? Ter-se-iam todos confundido, dos bíblicos aos sânscritos...???
A Bíblia, Bhagavad Gita, o Alcorão, os Upanixades, o Talmude, o Livro de Mórmon - ou mesmo os Vedas - que magia foi (ou será) esta então, que tantos ensinamentos, tantos deslumbramentos nos aferiu sem que o tivéssemos soltado de nós como alma que voa, como alma que se liberta...? Se todos estes livros, estas escrituras antigas de inspiração religiosa, teológica ou de grande sabedoria (em conhecimento, instruções, regras, direitos e deveres do Homem) nos não ensinaram nada, qual a razão de ainda hoje se lerem, visitarem e revisitarem? E se deuses eles foram ou serão, o porquê de ainda hoje se não instituírem como a grande voz - a única voz - do mundo, em que outros seguem e outros lideram, sem destituições ou condenações de uns serem mais inferiores e outros mais superiores...? E qual destes eu serei... se ainda hoje o não sei...?!
As Confissões...
E por muito que me debatesse em meras filosofias de vida ou ritualização de uma angústia sem precedentes, sobre aquele tugúrio estelar de formação terrestre, mais haveria por desvendar: Blue disse-mo. Ainda antes de rumar ao seu mundo. Ou pensar que partiria sem mim...
Blue considerou relatar-me todo o sucedido e confessou-me amores não perdidos, antes reassumidos por mim, por uma sua luta sobre o meu destino ou o meu futuro caminho interestelar. E assim me revelou de seu amor em palavras e sentidos, mais sentidos do que ditos por palavras. Deu a resposta aos deuses, aos seus deuses, que o viram humildar-se mas não humilhar-se, proferindo o que da sua alma lhe saía:
«A Vossa Experiência - ou aquilo a que vós chamais de «experiência» - na incidência do elemento terráqueo que em Marte se definiu como ser humano vigente, ser civilizacional do planeta Terra, como fêmea, em género e assimetria particular de adaptação e evolução dos espaços no cosmos, é a minha Outra Face da Lua: a que brilha, a que exulta luz e cor, matéria e energia, e mais do que isso, é o meu correspondente pulsar cardíaco e cerebral, que já fazem parte da minha existência - ainda que não da minha vivência, em Kicyrius. Ela... é... «A Minha Lua».
«Parte do que sou, agora, sou parte dela, dessa meia-lua que comigo partilha o som e o sentido cósmicos de toda a minha vida. Não abdico. E não desisto. Se o meu destino for a morte física, que o seja. Não quero que me regenerem o corpo físico quando incesto o vazio interior em ablação do que já não possuo. A vossa «experiência», é agora a minha resistência. Fazendo-vos reverência ao Grande Mestre que comigo sempre trago, solicito que aqui me deixem permanecer. Não quero restauração anatómica molecular... deixem-me à minha sorte e destino galácticos. Cumprirei o que me é devido, por justiça marcial estelar, exemplar com o que me definiu como ser de honra, serviços, e prestação honoríficas ao meu planeta Kicyrius que jamais pretendi desonrar ou manchar por idêntica mácula.»
«Vou confrontar a minha realidade. Assumi-la-ei perante vós, perante o Grande Uno, que tudo aceita. No entanto, sem contudo vos desrespeitar sob estas mesmas leis de vossa eminente assembleia estelar, vos apelo à consagração e, à permissão, de me deixarem desactivar na missão que aqui me foi solicitada. E por muito que tudo por vós e em vós respeite, tenho a citação de proferir que jamais tribunal galáctico algum ou qualquer lei marcial estelar me poderá arrancar de mim o que então vivi e, senti. Mais do que uma experiência, é a indefectível anuência de, em mim reconhecer, esse outro ser, essa outra manipulada e biológica vida de vossa pertença sobre Marte. Há muito que o destino me foi traçado. Levá-la-ei sempre comigo, a ela, à que vós designeis de «experiência», àquela que então salvei e que não sacrificarei se for esse o vosso desejo. Mas peço um último ensejo de despedida. Partir ou morrer, caberá a vós esse meu destino, porquanto me deixem um último olhar... mesmo que o não compreendam, é apenas esta a minha reiteração como minha última missão. Irei, agora, às vossas galácticas ordens. Que o Uno esteja convosco! Hoje e sempre!»
A afirmação metafísica de que nós, seres humanos, não somos os criadores da nossa própria realidade, no que se resume à tão inebriante Física Quântica, fez-me recordar quão ínfimos, inseguros e neutralizados seres podemos ser, em face à estonteante magnitude estelar da qual muito poucos ascendem em conhecimento. Sabe-se que, «Tudo o que é Observado, é afectado pelo Observador», segundo esta mesma teoria que na Terra apregoávamos como a quinta essência dos elementos. E, sabendo nós, terrestres - ou vulgo comuns terráqueos para os demais seres estelares - de fora desta (Terra) em sapiência-mor de que tudo pode ou não ter um fim, eu, à beira de uma ataque de nervos ou de uma crise esquizofrénica de índices elevados de agressividade, vi-me perante a urgência de sobreviver às mãos de quem me queria estrangular. Não literalmente, mas na prática, de igual submissão, função e desenvolvimentos. Quase enlouqueci. Mas aguentei-me. Só Deus sabe como...
Tudo o que sei hoje, foi-me relatado por Blue (pelo que hoje posso divulgar em escrita minha) mas que ainda me dá arrepios de pensar que estive perto, muito perto de um abismo estelar, do qual só eu me lançaria, só eu me estatelaria - sem o Blue - ou outro alguém que me valesse.
Blue, esteve às portas da morte. A Imunoterapia activa foi um factor determinante na sua recuperação; algo que eu nem suspeitava existir em rapidez e eficácia subatómicas em todo um complexo - e quiçá estranho ADN - e de todo o seu sistema genómico.
A desenvolvida tecnologia médica de antídoto milagroso fê-lo recuperar as cores (azuis), que tão saudável compleição ele dispunha do que anteriormente lhe conheci; mas isto, muito depois de toda esta outra punção selvática e de emoção à flor da pele que ambos sofremos, em divisão mútua, cada um para seu lado. Talvez tenha sido outra experiência deles, supus, e possivelmente não estaria longe, pelo que me foi perceptível reconhecer que tudo, ali, era uma suma e pontificada experiência - biológica e não só! Era, ou foi, tudo uma sequência do que entidades estelares nos reverberaram sem que o soubéssemos ou rebelássemos, ante a supremacia desta hegemonia estelar.
Fomos fortes e fomos unos, como Uno o será deste e doutros cosmos, deste e doutros Universos, assim mo disse Blue, assim falaria, no que relembrei Friedrich Nietzesche no seu livro: «Assim falava Zaratustra». Devaneios meus... de uma terra minha que já não o é...
Tudo foi e tudo é. E, como dizia a minha saudosa e grande amiga de leitura e devoção, amiga que nunca conheci pessoalmente - Irmã Lúcia - ao afirmar peremptoriamente:
«Repara em quanto do que te constitui, é eterno e imortal!» - No que em meu interno senso lhe aceno de dentro da minha alma, e lhe confio segredos igualmente eternos e imortais. Sim, hoje sei-o; esta terráquea, ser inferior, ser do mundo inferior da Terra, sabe o que é ser-se Eterno; sabe o que é ser-se Imortal! Quanto eternos ou imortais forem os nossos sentidos...
Mas sou mais, muito mais! Sou tudo o que não conseguiram fazer de mim, subtraindo-me a emoção, o sentir, a paixão, a espera e a rendição àquele amor maior de ascensão eternas. Esperei por Blue, só Deus sabe como esperei, dentro daquela sufocante cápsula infernal do Dragon 2 - a nave espacial terrestre em que muitos dos seus comandos (homens e mulheres como eu) - não entenderam, não compreenderam ou não quiseram amortecer na minha tão intensa dor, o pousio da sua solidariedade ou cumplicidades humanas, vendo-me para ali despojada de tudo; até da dor de ver meus semelhantes serem mais cruéis, obtusos e abstrusos na dimensão ou tridimensão inócuas de me verem presa e subjugada a outras leis que não as suas. Tal como gente colonizada de outrora (na Terra) que se vendiam por umas moedas de nada, mais fraqueza do que prata, em soldo de outros tempos, em solvência ou indigência de benefícios seus, ante o seu colonizador, quase sempre déspota, quase sempre tirano de poderes conquistadores. Tempos esses, finitamente iguais aos actuais, senti.
Mas ordens maiores vieram e eu fui solta; liberta de todas as amarras, pensava eu. Eu, que libertina e ousadamente solta em prantos de alegria e desatino que só eu sei, ah, como sei, me vi despertar.
Mas foi fraca a minha alegria e efémero o meu entusiasmo. Havia moeda de troca... ah, como eu era ingénua... para acreditar que nada se pede em troca, que nada se reflecte em nós...
Mas não podia voltar para Blue; foi essa a condição. Fingi aceitar, fingi acatar, pois só queria que ele vivesse, se não para mim, para o seu mundo distante, a muitos milhares de anos-luz da minha igualmente longínqua Terra para onde já não poderia ir, revelaram-me. Mesmo que liberta, teria de viver sob a égide da convenção galáctica que tinha poder ou posses territoriais sobre a Lua e sobre Marte - ambos os espaços de sua guarda e vigília. Se Marte tinha sido o pior planeta hospitaleiro, que dizer do satélite artificial da Lua sem pretensas de se poder respirar ar puro, ar leve, sem se ser domado e sugado pela gravidade espaço adentro...? Que fazer então...?
Esperar, só esperar, sabendo de antemão que nenhum deles se vergaria às minhas lágrimas, ou à minha singela condição de gestante de um filho de Blue - algo que criteriosamente comigo guardei como segredo em Caixa de Pandora, que só eu sabia em que situação. Por muito que eles o suspeitassem também, não lhes dei esse prazer. Sabia bem os perigos dessa confissão. E aguardei. E um dia, um belo dia em que não vi o Sol nascer mas este brilhou para mim, Blue, tal como Pirata das Caraíbas ou guardião-mor e salvador de sua prisioneira donzela e amada qualquer coisa, me veio buscar. Eu, que já nada esperava da vida, mesmo que esta já mexesse bem dentro de mim...
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