Há almas eternas, outras imortais e talvez até mesmo outras confortavelmente emanentes sobre o Universo; cabe-nos a nós descobrir quais as que nós somos, por outras que andam por aí...
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quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
A Outra Guerra
Terrorista Islâmico/Europeu
Haverá limites para a mortandade e, expansão islâmica, contra tudo e contra todos os que lhes contrariem esse pensamento, esse caminho sem retorno? Será esse Deus piedoso, clemente e omnipresente, que a todas estas vítimas abrace em consolo só seu? Ouvirei eu ainda as vozes dos Anjos que me debitem o desejo de não ascender aos céus? Poderá ser irreversível esse desejo, esse regresso??? Poderei declinar a minha fé, sob uma alma que já não me pertence?
7 de Janeiro de 2015 - 9 horas da manhã - Paris
Estou nervosa, muito nervosa. É o meu primeiro dia de trabalho após uma intensa e desvairada procura de trabalho nas cercanias desta bela cidade-luz que agora me alberga.
Sou emigrante. Uma emigrante portuguesa em terras de iluminados, segundo se consta. Na terra de gente ilustre, culta e por vezes um pouco doida - no que se reporta a ideias liberais, fortuitas e nada convencionais ou ortodoxas, nas liberdades havidas - e mantidas - por todos quantos aqui vivem. Penso mesmo que é um mundo aparte do resto do mundo...como uma ilha gigante em que todos se cruzam, ninguém se conhece entre si mas todos se cumprimentam - mais que não seja por entre um café quente e um croissant estaladiço. Estou a dar-me bem com isso. Sou muito gulosa e atenta nestes pormenores da Alta-cozinha e da deliciosa gastronomia francesa. Por incrível que pareça, não tenho aqui familiares. Nenhuns. O que é estranho, por certo, quando se sabe que não existe uma só aldeia portuguesa que não tenha alguém emigrado por estas paragens. Sabe-se que Paris é a cidade com mais emigrantes e, descendentes ou seres viventes nesta, de origem portuguesa e cariz lusitana. Os anos sessenta foram profícuos nessa área de densidade populacional que zarpou até terras de França com mala de cartão e poucos centavos ou escudos (a moeda de então) nos bolsos. Não sei se agora é muito diferente na escala meteorítica de...uns quantos euros que vão escasseando e deixando esses mesmos bolsos mais vazios, à medida que os empregos rareiam e as economias diminuem. Mas dá para aguentar. Comigo deu. Comecei por lavar pratos num café perto do Quartier Latin e hoje, pasme-se, vou entrar na redacção do jornal satírico francês Charlie Hebdo. Um luxo!
As minhas pernas tremem-me. Nem sei porque estou assim. É certo que já não durmo bem há três dias, sem sequer ter degustado convenientemente o «Bolo-Rei» que os pais me mandaram por uma vizinha amiga que se deu ao trabalho do mo trazer à porta deste pequeno quarto onde estou hospedada, numa pensão nada conveniente para uma donzela como eu. Não raras vezes oiço os «dilúvios» gritados a duas vozes de almas carentes (e pagas) das prostitutas da zona com os seus clientes ainda mais carentes e frustrados que as ditas senhoras de lingerie duvidosa e cosmética carregada, sob arcadas de ligas pretas e vermelhas como chamariz sexual de predadoras de ocasião. Nada é escondido, tudo é absorvido e de certa forma admitido igualmente, sob uma mesma capa uniforme e consensual de um trabalho como outro qualquer que até já desconta para a segurança social - em alguns casos pontuais.
Mas é com estes pensamentos que me vou distraindo. Até porque me falta tudo o resto: a comida caseira da mãe, as parvoíces humorísticas do pai e...até daquele safado do meu irmão menor que me punha os cabelos em franja de cada vez que me invadia o quarto sem pedir licença, estando eu em vias de aprofundar mais o espaço corporal do meu namorado do que propriamente da anatomia do esqueleto que eu possuía no quarto. Queria ter sido médica ou enfermeira mas não fui. Por descuido ou negligência com os estudos e, com uma nota inferior para tal - de média de final da secundária - vi-me ejectada para um curso de comunicação social que dava (e dá) perfeita e directamente para o desemprego em Portugal e, como não tendo mais recursos ou ser de facto rica, muito rica que não sou, só me restar a opção da emigração, «ponto».
Estou gira. Estou mesmo muito gira! O meu casaco é vermelho. Muito vermelho, condizente com a cor que detenho nos lábios de um batom que me foi ofertado no Natal e me dá ares de diva americana dos anos quarenta. «Je suis une femme fatale!»
Vou entrar nas instalações agora. Vou ter de fechar o meu gravador. Sei que pareço cabotina e algo provinciana por me lançar na sombra de uma miragem mas que, aqui, sem familiares ou retaguarda que me valham ou amparem na oscilação de algo mais incerto, eu ter de, forçosamente, me fazer à vida sem escrúpulos ou preconceitos. Ou não dormiria paredes meias com a promiscuidade. E não ouviria os lancinantes grunhidos orgásticos de todos eles. Nem privaria das suas casas de banho que, sem descuidos ou pruridos, eu me empenho em higienizar (e desinfectar) desde a mais pura lixívia ao mais esterilizado álcool. Fujo das doenças transmissíveis como o Diabo da cruz! Das infecciosas e de todas as outras. Inventassem um preservativo gigante e eu seria, porventura, a primeira consumidora de tal. É claro que estou a ironizar, mas doenças do foro infecto-contagioso (sexual e outros) não são para mim: até o contacto de pele me faz confusão, no que a mãe um dia me disse eu nunca poder ter sido médica nem nada que se parecesse, tal como o meu distúrbio psicológico - ou disfunção - para com esse tipo de situações. Mas nada é levado ao extremo, ou então eu ainda seria virgem hoje...com a bonita idade de vinte e três anos de idade. O que era uma pena...de facto.
11 horas da manhã - Jornal Charlie Hebdo
O ambiente é bom. Muito bom. Estão a ser todos muito simpáticos, afáveis e até galantes para com esta recente aquisição que se limita (por enquanto) a servir cafés, a limpar algumas secretárias de camadas infinitas de papéis e cigarros mortos (há muito) sobre esteiras de cinzeiros em catadupa. Mas isto, nos confins dos gabinetes que se vão modernizando à medida que hierarquicamente se vão instalando os gráficos, os editores e por fim os redactores principais em salas próprias, munidas de computadores e até esteiras de arquitectura sobre o que me foi dado observar dos desenhos (e caricaturas) que tão bem eles fazem, os seus autores.
Disseram-me que de início seria assim. Como uma espécie de mascote em que teria de acudir a tudo e todos. E eu...aquiesci. Até porque, a remuneração em questão não era nada de se deitar fora, levando-me a pensar que, a partir de alguns meses depois, eu poderia até inclusive mudar-me de localização e aposentos, sonhando já em poder alugar uma simples apartamento nem que este apenas tivesse uma só assoalhada do tipo T-0. Seria sonhar alto demais...?
Estou um pouco aflita. Tenho um mau pressentimento mas não sei o que é. Desde pequena que a mãe me anda a dizer eu ter «a caixa aberta», ou lá o que isso seja. Deve ser assim como um caminho aberto de alma sã por outras que se colam a nós, no que a mãe me levou vezes sem conta a mulheres que se diziam «espíritas», dizendo para a mãe rezar, rezar muito, para que os «encostos» de mim saíssem; eu, que só via fantasmas e almas penadas assim que algum familiar meu morria, como se me desejasse presentear com a sua vã presença ainda antes de partir para o Além.
Mas algo me incomoda que eu não sei o que é. Dói. É como um aperto no peito. É estranho, pois o trabalho está a correr muito bem. Sorriem todos para mim, apesar de eu saber que é mais para me sentir à vontade pelo desconforto e náusea do primeiro dia...que algo me diz ser o primeiro ou...o último da minha vida. Que estupidez, não é??? Mas que sinto, sinto. E não é bom.
Sinto frio. Mais estranho ainda. Paris está a tremer de frio, eu sei. As temperaturas são muito baixas, até mesmo para a época em questão. Mas na redacção está quente. A minha alma essa, é que está gelada! Que sensação horrível...não sei explicar.
11,30 horas da manhã
Olhei para o relógio. Aquele que o pai me deu e me disse latejando por entre uma lágrima e, uma recordação sua, ter pertencido à sua falecida mãe. É um relógio bonito. Pré-histórico mas bonito. Não tem pilha. É de corda, daqueles à antiga e de aro vermelho e fundo branco com os números em itálico. Por ser da minha querida avó paterna eu aceitei. Era como se ela estivesse ali para me proteger, pensei. E, ao ter este pensamento...gelei de novo. Um arrepio. De seguida...algo inexplicável (novamente): eu estava a arder em febre. Porra! Logo agora...no meu primeiro dia de trabalho, não pode ser...é mau de mais! (pensei eu por breves momentos) Mas tudo bem. Tomo um anti-pirético ou um anti-histamínico (para o descongestionamento nasal) e tudo bem.
Virei-me. Não tive reacção. Nem podia. Um estrondo toldou-me a visão, Parecia uma bomba mas não era, Parecia uma explosão, algo que não sei identificar. Não...enquanto viva. O som abrupto das rajadas de metralhadoras Kalashnikov fizeram-se ouvir de um modo tão violento e inusitado que muitos de nós - ainda sem se aperceberem do ataque terrorista - se deixaram estatizar e...matar. Outros refugiaram-se como puderam debaixo das mesas, debaixo de algo que os protegesse, de algo que os camuflasse e se possível, emparedasse, entre uma invisível parede ou uma barreira à prova de bala que os salvasse de tamanha incursão selvagem daqueles malditos agressores que ninguém sabia ainda de que identidade ou...finalidade, que não fosse o vil acto terrorista em si.
O jornal satírico parisiense já tinha sido alvo de várias ameaças dos radicais islâmicos (no ano de 2011) que, por se verem afrontados pela publicação da caricatura do profeta Maomé e ultimamente pelo seu carismático líder Abu Bakr Al-Bagdadi - satirizando o líder do grupo EI ou Estado Islâmico (El, ex-Isis) e, em reprodução no Twitter (15 minutos antes do ataque) - se sublevaram em total violência nesta terrível manhã de chacina horrenda sobre quem aí se encontrava.
Eu...não fui excepção. Caí mortalmente. Ou pensei cair. Pensei nos meus pais, nos meus avós, no meu irmão e até no meu caniche que ainda hoje lhe ouvia os gemidos e lamentos aquando a minha partida de terras lusitanas. Depois...o silêncio. Nada mais. Nem o cheiro acre de toda a destruição, o cheiro a sangue, o cheiro a morte. E a morte me levou. E eu deixei-me levar. Ainda tenho o relógio no pulso...o relógio da minha avó. Que veio morrer comigo em terras de França. Que a vida tão precocemente de mim levou...de mim, que nada vivi. Nem os amores, nem os desamores. Apenas os rancores, os ódios, os lamentos e todo o sofrimento pungente daqueles breves minutos (dez longos minutos...dez «séculos» de rajadas incessantes, inclementes) sobre nossos corpos, nossas vidas rasantes de nada! Como é fria a morte...! Como é injusta a...vida! E quão cruel é o desígnio de quem é inocente entre uma margem e outra, entre um culto e outro, entre...um fundamentalismo, uma crença indefectível mas monstruosa de um Deus (ou de um Alá) que se diz matador e não justo para com os pecadores. Que pecadores, santo Deus???
Vi os Anjos. Acho que até vi Cristo...não sei. Vi uma cruz. Vi...tanto mais que aqui não posso ou não devo dizer. Vi todas as siglas, os símbolos e as determinações de todas as religiões e fui levada aos céus por todos eles: fui magnânime! Fui uma uma alma que subiu ao Céu! Cedo demais...ou nem por isso; apenas cumpri a minha missão na Terra no tempo que Deus me deu. Fui apenas uma alma que esta deixou, por outra que mais tarde virá em busca de outra missão terrena. E tudo...sem raiva, sem ódio, rancor ou perdição, pois que a alma me é leve e eu já estou em paz. Eu, apenas eu...sou uma alma que ascende por outras que ainda na Terra se debatem pelo mundo inferior em que estão. Se é determinação metafísica ou não...não sei...ainda. Mas lá chegarei, na grande lição dos meus Mestres que agora me abraçam e, acolhem e eu...bem, eu já sou de Outro Mundo, que este já não é meu. Vou em paz, estou em paz. E todos os que comigo vieram...também. E somos todos, mas todos, abençoados por um só e mesmo Deus que nos acolhe, brinda e connosco festeja na glória dos céus (ou mundos) que a partir de agora veremos com as nossas almas de dentro para fora e...vice-versa. A luz nos conduz, a luz nos ilumina, a luz nos abençoa e para a luz todos vamos em paz e amor, esse amor que na Terra escasseia por ódios e males que jamais parecem estancar em hemorragia latente. Deus é amor. Deus é paz. Deus é tudo! ( mesmo para quem acredita que Ele não existe). Até para quem matou em seu nome...por mais incrível e estranho que nos pareça. Deus está presente e assim continuará - mesmo que estas acções continuem e se repercutam no tempo e no espaço que o Homem a si consigne. Deus está lá. E..para todos nós.
Este texto é ficcional e por certo nada condizente com o que se terá eventualmente passado nesta terrível manhã do dia 7 de Janeiro de 2015 no jornal Charlie Hebdo. Estando ainda em choque - como de resto todo o mundo, suponho - aqui fica a minha homenagem e devido respeito aos familiares das vítimas (hoje e sempre) pronunciadas sobre este terrível acontecimento, no que, por mão de radicais islamistas se consumou e, no que assim se registou, fazendo cumprir por meio do medo, terror e assassinatos na sua obra em nome de Alá. Sem me querer alongar pelo enorme sofrimento em que vítimas, familiares e restante população parisiense estarão agora (e por muito tempo ainda, acredito) só posso mesmo prestar a minha solidariedade com a sua incomensurável dor e, perca, de seus estimados parentes e concidadãos.
Espero sinceramente que a Liberdade de Expressão se vincule, assim como o rastreio destas actividades terroristas no mundo se possam vir a declinar (sem idêntico e execrável êxito) ou chacinas como a que no actual momento estamos a viver. Em nome de todas as vítimas pelo mundo inteiro destas acções criminosas em nome de uma religião, de um profeta ou de um Deus que nós (no mundo ocidental) não aceitamos, não queremos nem desejamos a ninguém, que se faça luz, que se faça lei, imputação, e mesmo imposição de homens de boa vontade sobre outros que o não são! As Almas que partiram agradecerão, acredito. Que se faça justiça. Mas também e acima de tudo...que se faça um outro caminho em que o Homem possa prosseguir sem clamar por entre armas e sangue o que acha que lhe é devido e, em nome desse seu Deus tão implacável quanto sangrento, não deixando nada em réstia de vida. Nem mesmo por entre os seus. Quanta dor...quanto sofrimento...quantas almas perdidas...valerá a pena? Penso que não. Pensamos todos que não, acredito! Que a Paz volte, o Amor se reinstale e...as trevas possam ser banidas da face da Terra é o meu indelével desejo, sabendo de antemão as dificuldades de tal - por mão do Homem. Mas quero acreditar que um dia...(muito em breve) isso se cumpra. Que descansem em paz as vítimas do terrorismo mundial e todos os que lutam por essa mesma Paz na Terra!
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