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terça-feira, 6 de outubro de 2020

A Herança de Neandertal

 

Neandertais: um dos povos ancestrais mais intrigantes de toda a nossa história antropológica pelo que, infere-se agora, tenha igualmente a mais impressionante herança genética, de consequências tão trágicas quanto verossímeis, na apoteose virológica da actual pandemia por COVID-19.

                                                     A Pesada Herança dos Neandertais

Muito se tem falado das origens, dos comportamentos e procedimentos, mas também como não pode deixar de ser, do desaparecimento desta população que se radicou e estabeleceu no extremo do oeste da Europa há cerca de 40/50 mil anos aproximadamente. 

Estudos recentes (elaborados pela Universidade de Louisville, nos EUA, e por uma equipe internacional de investigadores que descobriu recentemente ferramentas de pedra usadas numa caverna da costa atlântica da região central da costa de Portugal), reiteram que os Humanos Modernos poderão ter mantido contacto com os Neandertais e trocado entre si não só tecnologia e ferramentas como também parceiros ou companheiros numa intensa e quiçá aprazível (?) miscigenação.

Provavelmente, este foi o cenário realizado então (há cerca de 41 mil/38 mil anos) nas terras altas do Portugal Atlântico - reveladas que foram determinadas evidências genéticas e arqueológicas nesse contexto temporal - enunciando nos dias de hoje aos investigadores de que, a Última Ocupação Neandertal, terá ocorrido há exactamente 45.000 a 42.000 mil anos. (Este estudo foi posteriormente divulgado no «Proceedings of the National Academy of Sciences, 2020, com o título «A dispersão aurignaciana dos Humanos Modernos na Eurásia ocidental»)

No entanto, em face ao interesse estimulado que todos partilhamos pelo que actualmente se vive em total urgência e imediatismo vivenciados pelo COVID-19 e por esta ainda pungente pandemia, urge aqui evocar um outro estudo - da responsabilidade da Universidade de Graduação do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), no Japão -  que fomentou a teoria de que «As variantes genéticas que deixam o seu portador/paciente mais susceptível à COVID-19 grave (ou mais severa) são uma factual herança do povo de Neandertal».

De acordo com alguns cientistas «A questão de, se os últimos Neandertais sobreviventes na Europa foram substituídos ou assimilados por Humanos Modernos que chegaram e se instalaram, sobrepondo-se aos povos de Neandertal é uma questão antiga e não-resolvida na paleoantropologia»; sendo que, tendo havendo essa dita interacção entre uns e outros, houve a idêntica disseminação por toda a Europa há muitos milhares de anos.

Daí esta Herança Genética (pesada ou não) reportada hoje como fulcral no descobrimento da verdade - em seguimento e sequência - do brutal impacto que esta pandemia por COVID-19 tem instado, desde que apareceu pela primeira vez (no final de 2019) este novo vírus - o SARS-CoV-2.

Se em parte o devemos aos Neandertais, na maior severidade do COVID-19 nos pacientes, é algo que vamos tentar saber, pelo que os investigadores de Okinawa, no Japão, nos afirmam agora em total contemplação científica, ao resumir-nos de que «A genética individual» representa em absoluto um papel de grande relevância.

O estudo recentemente divulgado pela OIST (Okinawa Institute of Science and Technology Graduate University) e publicado na revista Nature, 2020, é disso exemplo. Tem por título «O principal factor de risco genético para COVID-19 grave é herdado de Neandertais». Os seus autores são: Hugo Zeberg e Svante Pääbo.


A Assinatura Genética dos Neandertais: ou, o que os investigadores nos dizem agora do que de si herdámos em toda a linha. A pesquisa da COVID-19 Host Genetics Initiative mostra-nos hoje de que, as variantes genéticas numa região do cromossoma 3 impõem um risco maior; ou seja, de que os seus portadores tenham a capacidade de desenvolver uma forma ainda mais grave da doença.

A Importância do Factor Genético

De acordo com o que vem reportado na Science Daily de 30 de Setembro de 2020 - e lhes foi cedido pela Universidade de Graduação do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa, no Japão - existem vários factores que influenciam a susceptibilidade de uma pessoa vir a ter uma reacção grave ou muito grave, como o factor da idade e da existência de outras condições médicas.

Nem todas assim o reportam. Umas têm sintomas leves e outras estão mesmo assintomáticas; ou seja, sem sintomas visíveis ou declarados desta doença. Nos casos mais graves, os doentes necessitam de ser hospitalizados para que se cumpram os procedimentos adequados a esse quadro mais severo.

Este novo estudo publicado na Nature revela-nos de que existe uma região genética - definida como região ou zona genética do cromossoma 3 que pressupõe uma maior incidência grave desta doença nos seus portadores - e que se revela de quase idêntica ou muito similar à de um Neandertal de há 50.000 anos do sul da Europa. Ou seja, de um meu muito possível conterrâneo português (muito anterior aos Lusones certamente) que aqui terá vivido e sobrevivido nas mais inóspitas condições e situações fazendo-se prevalecer.

O Homo Sapiens Neandertalensis (330.000 - 40.000 a.C.) estabelecidas que foram porventura as trocas culturais, os contactos inter-raciais e uma coabitação nem sempre perfeita com os ditos Homens Modernos ou Homo sapiens sapiens, poderão ter exibido uma hibridização fluente e, influente, revertendo para o Homem actual essa descendência, esse intercâmbio genético.

Assim sendo, e pelo que este estudo vem também agora elucidar através de uma análise posterior mostrada que, por meio desse cruzamento, as variantes genéticas chegaram aos ancestrais do Humanos Modernos há cerca de 60.000 anos.

"É impressionante que a Herança Genética dos Neandertais tenha consequências tão trágicas durante a actual pandemia."    (Afirmação do professor Svante Pääbo, que lidera a Unidade de Genómica Evolucionária Humana do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade de Graduação (OIST), de Okinawa, no Japão)

ADN dos Neandertais - a questão que sempre se coloca: Qual a prevalência, qual a sequência genética que os determina e na qual somos todos nós europeus, ou grande parte de nós no mundo, seus descendentes...??? A Ciência hoje explica-nos quais as origens mas acima de tudo quais as consequências, em particular, se os nossos genes forem determinantes para o grau de severidade em termos virológicos.

Escrito nos Genes

Numa explicação simples e abrangente, poder-se-à afirmar que «O Código Genético» é a chave da linguagem dos genes. As bases das moléculas de ADN e ARN (DNA e RNA) são como as letras de um alfabeto, construindo assim palavras que são usadas como instruções para a síntese das proteínas, que determinam a estrutura e a função de um organismo. A informação total do Código Genético de um organismo constitui então o seu genoma.

Numa outra explicação ainda mais simples, poder-se-à também acrescentar que os cromossomas são estruturas minúsculas que são encontradas no núcleo das células e carregam assim o material genético de um organismo. Eles apresentam-se aos pares com um cromossoma em cada par herdado pelo pai ou progenitor de cada um deles. 

 Como é do conhecimento geral, os seres humanos possuem 23 desses pares. Assim sendo, 46 cromossomas carregam todo o nosso ADN/DNA - milhões e milhões de pares de bases.  E embora a vasta maioria seja a mesma entre as pessoas, as mutações ocorrem e as variações persistem no nível do ADN.

A Pesquisa da COVID-19 Host Genetics Initiative tendo analisado mais de 3 mil pessoas - incluíndo pessoas que foram hospitalizadas com COVID-19 grave e pessoas que foram infectadas pelo vírus, mas não foram hospitalizadas, tentou dar algumas respostas.

Foi identificada então uma região no cromossoma 3 que, segundo os especialistas, influencia ou determina de certa forma se uma pessoa infectada com o vírus poderá ficar gravemente doente precisando urgentemente também de ser hospitalizada.

A Região Genética Identificada é muito longa, abrangendo então 49,4 mil pares de bases, sendo que as variantes que impõem um risco acrescido ou muito maior de COVID-19 grave estão fortemente ligadas - se uma pessoa tem uma das variantes,  então é muito provável que possua todas as treze delas. 

Variantes como estas foram anteriormente encontradas em Neandertais ou Denisovanos, pelo que então o professor Pääbo em colaboração com o professor Hugo Zeberg - primeiro autor do estudo e investigador do Instituto Max Planck na área da Antropologia Evolutiva e do Instituto Karolinska - decidiu aprofundar mais em pormenor, sabendo se esse era o caso ou não.

Em criteriosa análise e observação, ambos descobriram que um Neandertal do sul da Europa carregava consigo uma região genética quase idêntica, enquanto dois neandertais oriundos do sul da Sibéria e um denisovano não.

De seguida, estes dois investigadores questionaram se as variantes tinham ou não proveniência dos Neandertais ou assim foram herdadas por eles (pelos neandertais) e pelo ser humano moderno por meio de um ancestral comum.

Se as variantes tiverem vindo do cruzamento entre estes dois grupos de pessoas, isso provavelmente terá ocorrido há cerca de 50.000 anos, segundo a estimativa destes investigadores. Ao passo que, se as variantes tivessem vindo do último ancestral comum, elas teriam existido nos seres humanos modernos por cerca de 550.000 anos.

Todavia, «Mutações Genéticas Aleatórias» assim como a recombinação entre os cromossomas, também teriam ocorrido durante todo este tempo; e como as variantes entre os Neandertais do sul da Europa e as pessoas de hoje são muito semelhantes num longo trecho de ADN, os investigadores mostraram que provavelmente era muito mais consistente afirmar que eles tenham surgido de um cruzamento.

O Professor Pääbo e o professor Zeberg concluíram então, dando por finda a sua investigação, que os neandertais aparentados com os do sul da Europa contribuíram efectivamente com essa região ou característica genética de ADN para as pessoas de hoje, os actuais e modernos humanos, num relevo genético de há 60.000 anos - quando por fim os dois grupos se encontraram e cruzaram.

Variantes que elevam o risco: Assim se determina o que as Variantes de Neandertal representam em até três vezes a dimensão do risco, risco elevado portanto de se ver agravar esta doença já de si tão meticulosa quanto perigosa em níveis de contagiosidade e mesmo mortalidade.

Em jeito de absoluta convicção, o professor Zeberg explicou que aqueles que carregam ou transportam consigo estas variantes de Neandertal têm até 3 vezes o risco de necessitar de ventilação mecânica no hospital. Daí que afirme: "Obviamente, factores determinantes como a sua idade e outras doenças que você pode ter, também afectam o quão severamente você é afectado pelo vírus. Mas entre os factores genéticos, este é o mais forte!"

Os Investigadores não excluíram também o que consideraram ser uma outra grande descoberta: A existência de grandes diferenças em quão comuns essas variantes são em diferentes partes do mundo. No sul da Ásia, a Oriente, cerca de 50% da população carrega-as consigo; ou seja, estas variantes existem. No entanto, de acordo com os investigadores, no Leste Asiático elas quase não existem.

Por fim, há que registar que ainda não se sabe por que razão ou factor preponderante a região do gene-Neandertal está associada ao risco elevado de padecimento grave desta doença do COVID-19. "Isso é algo que nós e tantos outros estamos a tentar saber e a  investigar o mais rápido possível." (Rematou de forma taxativa o digníssimo professor Svante Pääbo)

Uma Pesada Herança, convenhamos. Ou não. Terá por isso de se estudar mais e aprofundar mais este quase estigma de Neandertal e as suas mui acintosas variantes que determinam se uns de nós estão ou não mais em risco do que outros. 

Por vezes, a descendência genética e a sua herança nem sempre são símbolos de fortificada saúde e bem-estar. Mas também não se pode nem deve reiterar que tudo é uma maldição ou inquinada bênção de tempos imemoriais que um dia se fez vida na Terra.

Talvez que não sejam pesadas heranças mas antes as estranhas variantes genéticas (e não só) que nos comandam a vida e todo o sistema biológico em conformidade com um bem e um mal que se digladiam entre si. Ou uma mistura, um cruzamento, esse mesmo cruzamento que nos fez ser um só. Uma «pesada herança?...» Nem tanto assim, pois que ainda aqui estamos em suma sobrevivência e pura descendência neandertalensis...

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