Há almas eternas, outras imortais e talvez até mesmo outras confortavelmente emanentes sobre o Universo; cabe-nos a nós descobrir quais as que nós somos, por outras que andam por aí...
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sábado, 3 de novembro de 2018
Enquanto houver céu...
O luto em vida. Um destino enlutado pela descrença da felicidade e, quando muito, camuflado de todas as mentiras, todas as ilusões havidas sem que por um momento só, nos tenhamos questionado se isso é vida ou morte; pois que há vidas que mais não são do que mortes concebidas, retalhadas, enxovalhadas e amarfanhadas tal qual a vida é.
Ou então, tão vil e despudoradamente desmembradas que jamais se recuperarão, ficando corpos e almas estilhaçados. E é aí que se vê (ou intui) o invisual campo do grande cemitério da vida que aleatoriamente nos arrasta - encapotadas e muitas vezes encapuzadas - sobre as telúricas e vãs alegrias fingidas de um só momento!
- Os Vazios Capítulos da Vida -
Quantos anjos e demónios serão precisos para se afugentar a dor do ódio, das vísceras e das indignas confidências que uma mulher transporta por toda a sua vida...? Quantas prisões, quantos cárceres teremos de enfrentar, se por detrás de todos eles apenas se vislumbra a agonia das coisas gastas na ferrugem do descrédito ou dos lascados alicerces que mal nos seguram as imprecisões, as bestialidades do que dizemos boca para fora e nem sentimos?!...
Quem nos ouvirá no nosso mais profundo sofrimento de quando nos vimos sós e sem corda que nos salve e segure, e que nos não empurre ainda mais para o íngreme abismo ou final precipício?!...
Que fazer então de tamanha alhada, naquela que foi a nossa mais inextrincável encruzilhada da vida que nos diz para pararmos, para não continuarmos ou talvez reflectirmos?... E nós não ouvimos.
Escolhemos sempre o pior caminho, o da indecisão ou do retorno; o da subserviência e muitas vezes até sobrevivência de um ser sobre o outro - tal como rafeiro cego de um só dono que dele leva pancada mas sempre para ele volta, dando-nos ao sacrifício (que mais parece desfrute) de tudo esquecermos à mais leve entrega de uma redenção desmedida. E que muitas vezes é tão falsa quanto a maquilhagem barata que pela nossa face escorre perante a mais súbtil lágrima de gratidão ou... submissão. E tudo volta ao início.
Da violência física à verbal, ao desentendimento, à agressão e ao isolamento. Ou àquela tão intensa mas errática carnificina dessa vida a dois que mais não é (ou foi) do que um mero e infame estratagema - quiçá vilipendioso e ardiloso esquema - de continuarmos a ser prisioneiros (as) de quem nos ofereceu o mundo. O seu mundo. E tudo isso, sob uma grossa capa de opacidade conjugal que muitas vezes mais não é do que um ataque cerrado a todos os princípios, a todas as liberdades!...
Se é que há liberdade alguma, em expressão e pensamento, ou aquela que de repente nos foge por entre os dedos, que é também e sempre a mais dolorosa, a mais custosa de aceitar, de a ter ou perder, na dificuldade dos dias mortos e das noites ainda mais cadáveres em que ambos os nossos corpos se demitem de serem vida.
Falseámos tudo. Defraudámos expectativas e ideais e ficámos como os demais, absortos e sem força nem ganas para correr atrás, para pedir desculpa, pedir perdão ou nada disso, ficando o silêncio de antemão, sentindo nós que já tudo foi dito. Ou não.
E novamente nos entregamos às balas, aos punhais, ao saque de toda a nossa vida, de rir e brincar, de querer e aceitar, de desejar e amar, só ficando os despojos, as feridas abertas e em carne viva; a sangrar. Tal como o Ébola, implodimos. Sim, como se de dentro para fora quiséssemos depor todas as nossas angústias, as nossas impotências, fraquezas e impurezas, nada restando depois. Mas o sangue coalhou, vitrificou, espalhando o horror, nosso e não-nosso de quem connosco viveu e partilhou e até amou... E depois odiou.
O ADN colou-se-nos à pele; e aos lençóis. Tudo é endógeno do que somos e fomos e assim ficou. E a hemorragia que pensáramos ter sarado e cicatrizado volta de novo. Volta sempre. E com mais força, como o pulsar ritmado do coração, bombeando o sangue da vida, mesmo quando já não há pinga dele por onde colmatar tão excruciante dor; ou tão terminal doença que nos leva, devagarinho, para o maior cadafalso de todos: O Morrer em Vida!
- Todos os Capítulos da Vida -
Tu e Eu: Na dança da vida, tu eu fomos Fred e Ginger, mesmo que hoje já ninguém saiba quem foram eles. Não importa. Dançámos. Mesmo que fosse uma dança de cada um para seu lado e o «New York New York» dos anos oitenta tivesse sido inventado apenas só para nós, pelo menos era o que assim pensávamos naquele tempo, num tempo em que havia tempo para nós. E éramos o que pensávamos ser e mais não queríamos saber. Até porque, havia muito tempo... todo o tempo do mundo!
E um dia tudo desmoronou. Nem lembro que dia era. Mas era. Foi. E tudo se precipitou naquele dia que sempre dizemos ser o primeiro dia do resto das nossas vidas. E aí tudo se finou.
Mas um dia fomos felizes. Muito felizes. Ou julgávamos que éramos. E vivíamos isso com todas as nossas brutais forças de macho e fêmea, de desgarrada e garraiada como numa arena só nossa de pega e despega de laço e deslaço e de tudo e nada em que os nossos corpos se entrelaçavam e desnudavam à medida de todas as horas, de todos os momentos, de todas as vontades e sexualidades.
Não havia freio nem desenleio e tudo era nosso; teu e meu. E tu tão jovem, tal como um livre condor pelos céus de um tempo que não conhecias mas sabias poder-se escoar, por mim, por ti. E tu sempre atrás de mim, em corpo, em desejo, em cheiro e cor, como as plumas de Quetzalcóatl ou serpente emplumada de outras eras, outras terras, em sexo e cio de uma férrea vontade de me fazeres tua; de me teres em ti.
E para isso, dançavas para mim, rodopiando-me no desejo ardente, cortejando-me o querer e o ser, sem que nada te travasse, te obstaculizasse, a ti e a mim, betumando todas as verdades numa só, tu eras meu e eu tua e nada mais importava, nada mais tu querias ou eu queria, e o Mundo era nosso! Só nosso!
Foram anos. Muitos anos. Desse querer e dessa vontade de ser, de pertencer, de tudo menos de morrer. Mas morremos. Tu e eu. Na sombra dos dias plasmados de fugas ou nas noites de breu em que tu não me vias e eu fingia lá estar, escondida de ti, escondida de mim, sabendo que nem tu nem eu nos ouviríamos ou sentiríamos por um momento que fosse.
Não tivemos a decência (ou a coragem) de admitir que estávamos errados, tu e eu, ficando longe, ficando a anos-luz de distância um do outro. Foi mais fácil fugir; foi mais cómodo e prático nada exigir, a não ser que o tempo passasse e fragmentasse o que então ficou para trás e em mim, e em ti, em vendaval de tufão armadilhado de todas as tristezas e todas as incertezas.
Nunca reconhecemos que estávamos a fugir um do outro, ou a digladiarmo-nos com frases feitas criando também um no outro a mais pura aversão de todos os ódios, de todas as incongruências e indulgências, resultantes dessa vida tão pouco sentida.
Os insultos, as humilhações, e até os impropérios vociferados a dois, voaram com o tempo mas nada fossilizou, antes replicou no remorso e na adversidade do vazio que a ambos retornou com uma ainda maior intensidade; e até crueldade, sobre renovados e tortuosos espasmos que infligíamos só para ter o «prazer» de ver ainda mais sangue, ou de um de nós ser lançado às cordas num ringue só nosso.
E depois as mazelas, os efeitos colaterais que sempre escondíamos do mundo, e depois forjávamos um no outro em discórdia e pouca parcimónia de ostensivas ofensas como verdadeiras pérolas de embrutecimento - e mesmo empobrecimento de ambas as nossas vidas.
E tudo para quê, para nos vermos envelhecer e até apodrecer sobre as calçadas da vida e de todas as nossas rugas sobre batalhas conjugais e, outras coisas mais, que tenho até vergonha de o dizer, ou desdizer, pois que a memória me é selectiva ou tão enriquecida mas furtiva, que me faz ver apenas e por só eu o querer, as minhas estóicas qualidades, e nunca as tuas, desculpa lá, mas somente os teus defeitos e nunca o contrário.
Onde foi que falhei, onde foi que errámos, tu e eu, eu e tu nas esquinas da vida?... E agora, por onde andas se é que andas por aí. E eu, como fico eu? Amachucada, maltratada e ensopada em tristeza e um quebranto que só Deus sabe.
Para quê lamentar agora, para quê voltar à estaca zero de todas as demandas, se eu e tu somos um caso acabado, finalizado nas entrelinhas de todas as deformidades, cansativas anormalidades e entropias de um universo só nosso; ou tão distinto que jamais o encontraríamos em fusão e confusão, estreito e direito, ou apenas tão perfeito e escorreito do que o que julgáramos poder haver um só para nós.
Ambos sabemos que poderá ter havido a suspeita da infiltração da monotonia, essa piolhosa e rameira espia sem escrúpulos que devassou toda a nossa vida, tal Mata-Hari do nosso lar; ou pior que isso, na sobreposição daquele jogo sujo em que tu dizes que fui eu que falhei e tu brilhaste, assim, como uma espécie de supernova de um céu só teu, não sabendo tu que depois elas se espalham e disseminam, essas estrelas do céu, em explosão e por vezes contaminação de tudo à sua volta.
E eu, que fui eu? Um perdido neutrino, um desperdício sem massa nem matéria, vagueando no lodo cósmico de toda a tua repugnância, de toda a tua ignorância sobre mim. E pior, assumo hoje, com toda a culpa minha; por ter deixado, por ter arrastado uma situação que definhava a olhos vistos e se consagrava apenas e unicamente sob uma estaca que apodrecia de quando a lembrança se fazia de um outro eu - e de ti, numa outra pessoa que já não eras...
E nesse disfuncional universo de Tu e Eu, ambos fomos consumidos pela nossa própria ganância, a nossa mais verosímil jactância para sermos apenas e tão-só, uns pobres seres deambulantes que um dia foram aquilo a que se chama de eterno amor - e hoje já sem cor - se desbota e se entrega ao mais terrível despudor de ser apenas e somente um fio de rancor. E ambos sabemos disso, infelizmente.
- O Próximo Capítulo da Vida -
Por todos os becos te procuro. Por todas as ruas e vielas te chamo. Do Bairro Alto à Expo. Do outro lado do passeio ao outro lado do mundo. Não te vejo e não te ouço. Sinto que me foges. De novo.
Por todas as horas em que me lembro de ti (que são todas!), deixo-me levar pelas lágrimas que pensei já se me terem secado, pelas memórias que pensei também já se me terem abandonado... mas não. Tu estás lá. Sempre!
Existes para mim, na mais louca dança das labaredas de um demónio só nosso - que nos enfeitiça e queima a todo o momento - ensandecido nesse torpor que nos viu não só como amantes mas, como líderes e em possessão, de um ou mais espíritos que nos envolvem sem que haja cura específica ou um qualquer exorcismo que nos absolva. Ontem e hoje, esse fogo continua a queimar!
Estamos irremediavelmente ligados por uma missão ou existência kármica ainda não totalmente compreendida. Algo que possivelmente vem dos primórdios do nosso primeiro encontro ou, daquele tempo, em que eu não previra ainda que tu me serias uma bactéria fúngica, daquelas que jamais saem de nós convivendo até à morte.
E se tivesse previsto, ter-te-ia deixado?... Não sei. Aí está uma boa questão. Que raio de maniqueísmo absurdo este que me levou sempre a tentar equilibrar o bem e o mal, mais bem do que mal, julgava eu. Nesse tempo, era só o bem que prevalecia. Era o tempo das viagens à boleia (hoje, uma heresia!), era o tempo da apanha da maçã, do levar da uva (da vinha para a adega) e amassá-la com os pés. Era o tempo de se dançar sobre os telheiros e garagens dos amigos.
Era o tempo de se saltar a fogueira de Santo António, de se provar a água pé, mas também os outros licores ou bebidas ditas espirituosas que disso não tinham nada e nos faziam vomitar do caixão à cova. Era o tempo da inocência. Ou seja, foi aquele tempo em que éramos felizes e não sabíamos disso ou não queríamos saber... e do qual, anos mais tarde, disso nos arrependemos!...
E nesse tempo, tu eras perfeito. Como eu. Bonitos e tolos. De uma púbere fragilidade que fazia os cães rosnarem à nossa passagem, o que penso se dever ao intenso cheiro de «patchouli» que ambos em juvenil inanidade exibíamos como se tivéssemos encontrado o nosso shangri-lá provinciano, na baforada que ficava para trás.
Naquele tempo a aldeia era a nossa cidade, a de férias e a de toda a liberdade, ou quase toda. Não mais esqueci esses tempos em que te conheci de cabelo comprido e um ar de mete dó; e eu, de fita no cabelo como «a última dos Moicanos» e um olhar concupiscente que na altura nem sabia o que é que isso queria dizer, gravitando por entre os teus sonhos e os meus sonhos, por entre uma música que era só nossa e nós não sabíamos, de cabelos e almas ao vento sobre a tua ilusão que se chamava vida, e a minha, que se chamava outra coisa qualquer. E, talvez por isso mesmo, sei agora o que é ou foi - isso, essa coisa - ou aquilo a que ainda alguns persistem em chamar de... Amor.
Meu Amor, não sei mais que te diga. Só sei que ainda sonho com o teu corpo, com a tua mania de me fazeres tua. Ainda quero e não quero. Sonho, mas digo que não porque tu dizes não e nada mais se nos abriga que não atafulhe mais esta briga de, ser e não ser, e tudo acabar em desatino e fim de vida.
Nem Saramago me entenderia, pois que mil nomes não chegariam para te dizer aquilo que te quero dizer. Nem Pessoa nem Camões o definiriam, pois que também não chegaram a concluir que raio de coisa é esta do Amor, por muito bem que o tivessem escrito e até sentido, digo eu.
E se há Amor, há dor, pois há. Sempre!Que dói. Ah, como dói!... E fere como um raio!. Tal ferida ardente, tal colhida de touro, tal alma arrancada pela boca, pelo peito, por onde tu quiseres que mais não é do que morrer-se em vida e tudo se esvair e contrair numa roldana medieval que nos traga, nos tortura e nos mata enfim. Não sei mais que te diga. Não sei mais que fazer ou pensar que nesta ilharga de vida deixei toda a minha à sua sorte, morrendo de fome e de briga, em escalpe e fadiga como num velho conto do Oeste perdido.
Não sei quando me perdi dos contos de fadas e de outras enseadas que me viam sorrir pelo sol que nascia e um outro que se punha só para te ter aqui, do meu lado. Do lado do meu ser, do meu corpo em chamas e depois em chagas que só tu fazias - não de um amor exausto - mas de um exaustivo amor que me cansaste no querer e no reverter para que tudo acabasse em breve.
E desses delírios já não lembro ou não quero lembrar, antes esquecer o teu corpo no meu, a tua alma na minha, e ambas numa só que dava gosto e não dó como depois ficou, sem ter ponta por onde se pegasse, se é que havia alguma ponta solta por onde pegar... e tu não ficaste e eu não te pedi para ficares. Foi assim. Até hoje.
- O Último Capítulo da Vida -
Passam os dias e as noites. Os sóis e as luas de um amor que já foi ou talvez nunca tenha sido, e tudo permanece enegrecido, ficando o negro compacto daquela realidade amorfa e sem brilho como as noites sem luar. Noites que as nuvens toldam em céu carregado de partículas de má vontade para com os humanos. Para com os amantes. Para com todos nós.
O Céu desaba e tudo enlameia. O céu grita-me que está perto o fim e eu não sei qual fim será. Se partir se ficar. Se esquecer e recuperar ou se engendrar esse outro estranho e ímpar começo que poderá muito bem ser um outro fim, talvez igual, talvez desigual, a este que já foi e eu ainda não estou em mim.
Só sei que enquanto houver céu, eu estarei lá, Meu Amor. À tua espera. Ah, como te odeio por me fazeres esperar!... Logo eu que não sei esperar, que não gosto de esperar por ninguém. Nem por ti. Mas sei que o tenho de fazer. Não sei se está escrito nas estrelas ou se o Universo conspira a nosso favor, pois que pelo contrário teve uma vida toda para te levar de mim e eu de ti.
E voltámos ao ponto de partida, àquele ponto em que tu e eu somos iguais. Ambos esperamos que um avance para outro recuar e vice-versa. Somos um caso perdido; até para o Universo. Mas sei que um dia, naquele dia em que tu avançares, eu estarei lá. Sim, até porque, enquanto houver céu, ele não me deixará desistir de ti... Não, enquanto ele me abraçar e disser que tu ainda esperas por mim...
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